Recuperação económica para poucos
Todos os anos, duas grandes companhias que atendem investidores ricos publicam em co-autoria um inquérito dos seus clientes. O Relatório Mundial da Riqueza ( World Wealth Report ) da Capgemini e da Merrill Lynch Wealth Management cobre os dois grupos que os interessam: Indivíduos com alto património líquido (High Net Worth Individuals, HNWIs) e Indivíduos com ultra-alto património líquido (Ultra-High Net Worth Individuals, Ultra-HNWIs). O primeiro grupo representa todos os indivíduos com pelo menos US$1 milhão de “activos investíveis” em acréscimo aos valores da sua residência primária, obras de arte, colecções, etc. O segundo grupo inclui indivíduos com pelo menos US$30 milhões dos tais activos investíveis.
O seu relatório mais recente, cobrindo o ano 2009, descobre 10 milhões de HNWIs no mundo naquele ano: 3,1 milhões na América do Norte, ao passo que a Europa e a Ásia-Pacífico têm 3 milhões cada um. O resto do mundo tem uns meros 0,9 milhão dos ricos e muito ricos.
Os 10 milhões de HNWIs – numa população global de 6,8 mil milhões em 2009 – representavam 0,14 por cento da população da terra. Juntos, eles possuem um total de US$39 milhões de milhões (trillion) de “activos investíveis”. Para ver o que isto significa: em 2009, o PIB dos EUA (produto total de bens e serviços) foi de US$14,6 milhões de milhões. Os PIBs somados dos nove países mais ricos do mundo (EUA, Japão, China, Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Rússia e Espanha) totalizavam menos em 2009 do que os activos investíveis dos HNWIs do mundo.
Durante o ano de 2009, quando dezenas de milhões perderam os seus empregos, o número de HNWIs subiu 17,1 por cento e a sua riqueza somada ascendeu 18,9 por cento. Eles tiveram uma “recuperação” genuína. Os HNWIs recuperaram em riqueza a maior parte do que haviam perdido em 2008. Não é de admirar que eles celebrem a “recuperação” enquanto o resto do mundo pergunta-se (ou enfurece-se) com o que eles estão a falar. Nos EU, por exemplo, a população HNWI cresceu 16,6 por cento em 2009 ao passo que o PIB dos EUA caiu 2,4 por cento.
Só 1 por cento de todos os HNWIs eram Ultra-HNWIs, mas aquele grupo permanece. Os Ultra-HNWIs sozinhos possuíam 35,5 por cento dos US$39 milhões de milhões possuídos por todos os 10 milhões de HNWIs. E eles recuperaram mais durante 2009 do que os seus companheiros HNWIs.
Capitalismo é o nome do sistema económico global que proporciona os resultados resumidos nestes números. O capitalismo produz “recuperação” para aqueles que menos precisam enquanto oferece austeridade para praticamente todos os demais. Os líderes de negócios e da política de hoje dizem ao povo de todos os países industriais avançados que não há alternativa a anos de austeridade orçamental dos governos (elevação de impostos e/ou redução de empregos e serviços do governo).
Eles não explicam que podiam recorrer, ao invés, à imensa riqueza dos 0,14 por cento mais ricos que (a) tiveram enormes ganhos de riqueza ao longo dos últimos 25 anos, e (b) já recuperaram em 2009 o que haviam perdido em 2008.
Que noções de justiça, decência, ética ou democracia poderiam justificar tal desempenho económico, especialmente num tempo de crise económica global? Recordar também que estas mesmas pessoas ricas e mais ricas contribuíram muito significativamente (como patrões industriais, banqueiros e investidores) para gerar esta crise económica global.
Vamos agora concentrar-nos nos HNWIs apenas dos EUA (incluindo os seus Ultra-HNWIs). O seu número era de 2,9 milhões em 2009: bem abaixo de 1 por cento dos cidadãos estado-unidenses. Os seus activos investíveis totalizavam US$12,9 milhões de milhões. Em 2009, o défice orçamental total dos EUA foi de US$1,7 milhão de milhões. Houvesse o governo dos EUA lançado um imposto económico de emergência de uns modestos 15 por cento apenas sobre os activos investíveis dos HNWI, isso podia ter apagado todo o seu défice de 2009. Mais de 99 por cento dos cidadãos dos EUA teriam ficado isentos daquele imposto.
Os governos europeus, japonês e outros podiam ter tratado a crise da mesma forma nos seus países. Então os governos não teriam tido de contrair milhões de milhões em empréstimos. Eles ao invés teriam tributado à minúscula minoria de super ricos uma pequena porção da sua imensa riqueza. Aqueles governos não teriam então tido de se voltar para prestamistas (muitas vezes aqueles mesmos super ricos). Não haveria então a actua “crise de dívida soberana” na Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda, etc e não necessidade das austeridades resultantes para satisfazer aqueles prestamistas. Os republicanos não teriam de tocar o tambor do “défice, défice” à espera de ganhos no dia das eleições.
Tributar os HNWIs e Ultra-HNWIs seria a política de governos sensíveis às necessidades das suas classes trabalhadoras maioritárias ao invés dos seus patrões ricos e super-ricos. A austeridade não é a única política. Tributar modestamente a riqueza dos HNWIs é de longe a melhor opção política. As duas companhias de administração de riqueza que atendem os HNWIs proporcionaram-nos gentilmente todos os factos e números necessários para servir de suporte à melhor política.
Por toda a Europa, coligações de sindicatos, socialistas, comunistas e alguns partidos verdes e muitas organizações sociais, religiosas e comunitárias estão a organizar crescentes manifestações de massa e greves gerais. Opõem-se à austeridade de pedem caminhos alternativos para lidar com a crise económica. Em França, a mobilização centra-se numa greve geral à escala nacional em 7 de Setembro. Há planos em preparação para um dia de acções públicas de todos os europeus a 29 de Setembro. Acções nacionais como esta já aconteceram na Grécia, Portugal e outros países.
Os líderes políticos e de negócios gerados pelos últimos 30 anos de capitalismo neoliberal simplesmente assumiram que podiam impor os custos da sua crise sobre o povo dos seus países. Tal suposição está agora a ser contestadas. Os povos europeus começam a defender-se. E aqui, nos EUA?
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Professor de Economia na Universidade de Massachusetts – Amherst e professor visitante na New School University em Nova York. Autor de muitos livros e artigos , incluíndo (c/ Stephen Resnick) Class Theory and History: Capitalism and Communism in the USSR (Routledge, 2002) e (c/ Stephen Resnick) New Departures in Marxian Theory (Routledge, 2006). Acerca da crise económica actual ver o seu filme documentário Capitalism Hits the Fan, em www.capitalismhitsthefan.com .
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/2010/wolff290710.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .