“É fundamental discutir um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, uma vez que o que estamos presenciando é o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, como diria José Ruy Mauro Marini”. A frase, do economista Paulo Passarinho, que é conselheiro do Corecon-RJ, resume bem o objetivo do encontro realizado no Clube de Engenharia do Rio por ocasião do lançamento do site Rumos do Brasil. Na oportunidade, além de Passarinho falaram o professor Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, que também já foi reitor da UFRJ, e José Carlos de Assis, assessor da presidência do BNDES, cuja palestra apresentamos nesta primeira reportagem sobre o evento.

Maior crise do capitalismo

Para José Carlos de Assis, a crise está em pleno andamento e é a maior da história capitalista. “Para os EUA e Europa não há nenhuma estabilização a vista. De todas as crises passadas, inclusive da Grande Depressão, esta crise é diferente, por causa do impacto na funcionalidade do sistema bancário. Nos anos 30, quebraram seis mil pequenos bancos, que eram regionais, municipais. Entre os grandes não quebrou nenhum. Desta vez, 19 grandes tiveram que ser salvos pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano), e pelo Tesouro”, lembrou, acrescentando que faliram também a maior seguradora e as duas maiores ofertadoras de crédito imobiliário do mundo, também salvas pelo governo, além das maiores montadoras norte-americanas.

“Mudou a funcionalidade do sistema bancário. O banco de depósito à vista (comercial) capta recursos de curto prazo e empresta a longo prazo. Com o processo de financeirização, os bancos passaram a captar a curto prazo e a emprestar também a curto prazo”, criticou. Para Assis, isto fez com que a economia internacional virasse um “jogo de pôquer” que, na hora da fiscalização, muitos jogadores não tinham cartas.

A saída, segundo o economista, foi deixar os títulos podres nas carteiras, sem contabilizá-los como prejuízo, para que os bancos tivessem tempo de lucrar e honrar esses títulos gradativamente. “Mas para fazer isso, os bancos têm que operar no curto prazo, obter lucro rápido para poder dar baixa nesses títulos podres, evitando que eles afetem o seu capital. Mas isso nega recursos às pequenas empresas, que geram 64% dos empregos nos EUA. O resultado é que ano passado houve contração de crédito nos EUA de 7,5% e, neste ano, 5,5%.”

Nova (des) regulação

Assis avalia que o sistema não volta a operar funcionalmente nem com a regulação que está sendo feita no congresso americano. “A única coisa que forçaria sistema a operar funcionalmente seria a adoção da regra Volcker (Paul Volcker, ex presidente do Fed e atual gestor do comitê anti-crise), mas ela foi desfigurada no congresso”, comenta. A regra Volcker proibia os bancos comerciais de operar com capital de terceiros para negócios próprios. “Então, supostamente, não poderiam usar depósitos a vista para operações de interesse próprio, evitando por exemplo, atuação no mercado de câmbio, que gira US$ 3 trilhões por dia e dá lucro rápido”.

Sem separar a atuação dos bancos comerciais das operações típicas dos bancos de investimento, não há crescimento, na visão do economista. “A economia americana está virtualmente estagnada. Em junho 125 mil pessoas a mais ficaram sem emprego, os índices de manufatura caíram, as vendas de automóveis caíram de 16 milhões, no mês anterior, para 11 milhões. De mês para mês, variam os índices. Há um sobe desce na bolsa”, pondera.

Mas o quadro na Europa é pior. O continente, segundo Assis, tem fixação ideológica em programas restritivos, tanto que chamou o FMI para dar lastro, algo que jamais faria, “até por orgulho”, disse. O programa imposto à Grécia, Portugal, Espanha, não tem como funcionar, na sua visão. “Então, temos os EUA numa recuperação volátil e a Europa caminhando para a depressão. O Japão procura se recuperar graças à força da economia asiática. Ou seja, essa crise é para durar muito tempo”.

A saída da crise, na opinião do economista, seria um programa fiscal conjunto, dentro da idéia de uma política coordenada entre os países. “Não vai acontecer tão cedo, mas não acredito que os países avançados conviverão indefinidamente com recessão prolongada e crise social.

Como fica o Brasil?

Nesse contexto, Assis defende que o Brasil busque na integração regional a defesa para sua economia. “A China não vai puxar o mundo sozinha. É uma economia de US$ 5 trilhões não pode compensar a estagnação de EUA, Europa e Japão, cujos PIBs somam US$ 35 trilhões”, disse, ressalvando que a China ajuda o Brasil enquanto importadora de commodities, mas, com a crise mundial os países estão empenhados em expandir exportações. “É o caso americano que colocou como objetivo estratégico dobrar exportações em cinco anos. Nós vamos continuar com a concorrência chinesa, apesar das exportações daquele país estarem crescendo menos que as importações. Então, se não tivermos uma política de proteção à base industrial, estaremos liquidados e voltaremos a ser primário exportadores”, previu.

Para Assis, um bloco econômico sul-americano pode levantar barreiras comerciais para proteger, sobretudo, a indústria de bens de capital, “mas um país sozinho não”, pondera, lamentando que muitos países da região estejam “embarcando nos acordos bilaterais com os EUA e aceitando o destino de primário-exportadores”. O assessor da presidência do BNDES informou que o banco, através do Centro Internacional Celso Furtado, terá reuniões de trabalho em agosto, no Rio, setembro, em Bogotá e Buenos Aires no sentido de integrar produtivamente a região.

Era da Cooperação

Na visão de Assis, o mundo está assistindo o colapso definitivo do neoliberalismo, que não se restringe ao campo econômico. A partir de um período caótico, “que sempre acontece nas mudanças de paradigma”, surgirá, segundo ele, uma civilização fundada no princípio da cooperação. “Estamos saindo da Idade Moderna, a era da competição, da liberdade ilimitada, para a Idade da Cooperação. O elemento que estrutura isto é a idéia de uma nova ética, que exige o equilíbrio entre a satisfação individual e a coletiva”.

Prova disso é a impossibilidade de se usar guerra como solução da crise, segundo o economista. “Hoje o mundo está nuclearizado e a guerra já não pode mais ser a “continuação da política por outros meios”. Todos os documentos do G20 apontam para a cooperação como saída da crise. EUA, Rússia, China, Inglaterra, França têm medo que arsenais nucleares caiam na mão de terroristas”, ponderou.

Também “colapsou”, segundo Assis, a idéia de que se pode produzir a qualquer custo para o meio ambiente. “Claro que há exageros, mas não há como não considerar as questões ambientais no sistema produtivo que vier a ser construído, independentemente da saída da crise”. Outro campo apontado para a cooperação é a pesquisa genética, que teria chegado ao limite ético. “São imperativos categóricos, como dizia Kant. Não é idealismo, mas a condição de desenvolvimento das forças produtivas que levou a esses impasses. O colapso que estamos assistindo é o do princípio filosófico da liberdade ilimitada, que deu origem ao liberalismo econômico. A ética de Adam Smith dizia que a busca do interesse individual promove o coletivo. Esse princípio está em colapso”, resumiu.

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Fonte: Monitor Mercantil