Como a (mesma) BP também envenenou a democracia no Irã
O boicote tem realmente alguma serventia? Provavelmente, não. Afinal, muitos dos postos de gasolina da BP são propriedade de terceiros, não da própria corporação. Além do que, ao abastecer o carro num posto da Shell ou da ExxonMobil, ninguém, de fato, experimenta alguma sensação moral de triunfo. Mesmo assim, faço questão de jamais abastecer em postos da BP, e, isso, desde muito antes do vazamento no Golfo do México.
Minha decisão de não entregar meu dinheiro àquela empresa foi tomada quando eu soube do papel que tivera em outro tipo de ‘envenenamento’, de tipo completamente diferente – a destruição da democracia iraniana, há mais de meio século.
A história da empresa que hoje conhecemos como British Petroleum acompanha, ao longo dos últimos cem anos, o arco do capitalismo transnacional. Começa nos primeiros anos do século 20, quando um aventureiro rico e bon vivant chamado William Knox D’Arcy decidiu, encorajado pelo governo britânico, começar a procurar petróleo no Irã. Conseguiu um acordo de concessão, dado a ele pela dissoluta monarquia iraniana, usando o sempre eficaz expediente de subornar os três funcionários iranianos com os quais negociava.
Sob a garantia desse contrato, que ele mesmo redigiu, D’Arcy tornar-se-ia proprietário de todo o petróleo que encontrasse no Irã, mediante pagamento ao governo de apenas 16% dos lucros – e sem jamais permitir que os iranianos examinassem sua contabilidade. Depois do primeiro poço do qual o petróleo jorrou, em 1908, tornou-se único proprietário do oceano de petróleo sob o qual navega o território iraniano. Ninguém mais podia pesquisar, perfurar, refinar, extrair ou vender o petróleo “iraniano”.
“Quis a fortuna premiar-nos com riquezas além de nossa mais feérica imaginação”, escreveu Winston Churchill, que mais tarde seria o First Lord do Almirantado em 1911. “O controle, premiando a audácia.”
Pouco depois, o governo britânico comprou a concessão de D’Arcy, criando uma empresa chamada Anglo-Persian Oil Company. Essa empresa construiu a maior refinaria do mundo no porto de Abadan no Golfo Persa. Entre os anos 1920s e 1940s, o alto padrão de vida dos britânicos foi sustentado pelo petróleo do Irã. Carros, caminhões e ônibus eram abastecidos por petróleo (iraniano) barato. Fábricas em toda a Grã-Bretanha eram movidas a petróleo (iraniano). A Marinha Britânica, que levou o poder britânico a todos os cantos do mundo, abastecia seus navios com petróleo iraniano.
Depois da II Guerra Mundial, os ventos do nacionalismo e do anticolonialismo sopraram por todo o mundo em desenvolvimento. Arrastado por essas paixões, o Parlamento iraniano, dia 28/4/1951, elegeu, para o posto de primeiro-ministro, seu mais apaixonado campeão e empenhado defensor da nacionalização do petróleo, Mohammad Mossadegh. Dias depois, em sessão histórica, o mesmo Parlamento aprovou, por unanimidade, a lei que nacionalizou a Anglo-Persian Oil Company. Mossadegh prometeu que, daquele dia em diante, os lucros auferidos do petróleo seriam usados para desenvolver o Irã, não para enriquecer a Grã-Bretanha.
Aquela empresa de petróleo era a mais lucrativa empresa britânica do planeta. Para os britânicos, a nacionalização soou, no primeiro momento, como uma espécie de gigantesca piada, tão absurdamente contrária às regras não escritas que regiam o universo, que, simplesmente, não podia ser verdade. No primeiro momento, os diretores da Anglo-Iranian Oil Company e seus parceiros no governo britânico decidiram a estratégia: nenhum mediador, nenhuma concessão, não aceitar a nacionalização, como se não tivesse acontecido.
Os britânicos tomaram vários passos com vistas a obrigar Mossadegh a desviar-se de sua trilha nacionalista. Retiraram todos os técnicos da refinaria de Abadan, bloquearam o porto, cortaram todas as exportações para o Irã, de artigos essenciais à sobrevivência e tentaram arrancar resoluções anti-Irã na ONU e no Tribunal Internacional. A violência da campanha só conseguiu intensificar a determinação da resistência iraniana. Por fim, os britânicos recorreram diretamente a Washington e pediram um favor: que os norte-americanos derrubassem o governo daquele maluco, para que os britânicos pudessem recuperar sua empresa de petróleo.
O presidente Dwight D. Eisenhower dos EUA, encorajado pelo secretário de Estado John Foster Dulles, representante vitalício do poder das corporações transnacionais, acolheu o pedido dos britânicos e mandou a CIA ao Irã, para depor Mossadegh. A operação durou menos de um mês, no verão de 1953. Foi a primeira vez que a CIA derrubou governo eleito, no mundo.
À primeira vista, pareceu ter sido operação excepcionalmente bem-sucedida: o Ocidente depusera líder político que não lhe interessava manter, e o substituíra por um perfeito governo fantoche – Mohammad Reza Shah Pahlavi. A empresa inglesa de petróleo voltou a reinar soberana.
Considerada porém de uma perspectiva histórica, é visível, hoje, que a Operação Ajax, como foi chamada, teve efeitos devastadores. Derrubou o governo de Mossadegh, sentou o Xá no “Trono do Pavão” e, também, matou a democracia que começava a brotar, no Irã. Depois, foram os desmandos do Xá e a repressão brutal a qualquer oposição, que levaram à eclosão, no final dos anos 1970s, da revolução que entronizou no poder o Aiatolá Khomeini – e seu regime amargamente anti-ocidente que lá está, até hoje.
A empresa de petróleo foi rebatizada “British Petroleum”, depois “BP Amoco” e afinal, em 2000, “BP”. Durante décadas, no Irã, tem operado como bem entende, praticamente sem qualquer atenção às condições da população local. Essa é a única tradição corporativa da BP que jamais foi alterada, ou fraquejou.
Hoje, os norte-americanos supreendem-se com as imagens assustadoras do petróleo que não para de vazar do poço Horizonte de Águas Profundas, nas águas do Golfo do México. Os que conhecem a ação da mesma empresa no Irã e conhecem a história iraniana surpreenderam-se menos.
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Fonte: Tom Dispatch
http://www.tomdispatch.com/post/175267/tomgram:_stephen_kinzer,_bp’s_first_”spill”/
Tradução: Caia Fittipaldi