Fortalecimento do Estado e contrabando
O mercado de cigarros no Brasil é composto de duas partes: o formal e o de produtos contrabandeados. O tamanho deste último é de 20% do mercado total. Seus cigarros são fabricados no Paraguai e vendidos no Brasil. Possuem preço acessível e embalagem de boa aparência. O cigarro contrabandeado tem baixíssima qualidade e, portanto, provoca danos à saúde de forma ampliada.
O cigarro contrabandeado não provoca somente dano ao seu consumidor. O consumo de um item contrabandeado provoca aquilo que os economistas chamam de externalidade negativa. Externalidade significa o resultado mais amplo decorrente de uma atitude isolada. Quando o consumidor adquire um produto contrabandeado avalia que ganhou (porque adquiriu um item a preço menor) e o vendedor avalia também que ganhou (porque obteve lucro extra, já que não pagará impostos). Contudo, esta transação microeconômica provoca, por exemplo, redução da arrecadação de impostos e incentiva a constituição de uma ampla rede de trabalho informal de transporte e distribuição de produtos contrabandeados no varejo. Então, diz-se que a externalidade é do tipo negativa.
Há um custo para a produção e a distribuição do cigarro contrabandeado no Brasil. Portanto, quando o preço do cigarro no mercado formal sobe, o incentivo para o contrabando aumenta, já que os itens concorrentes, cigarro legal e cigarro contrabandeado, são bens substitutos. Uma figura que pode representar essa situação seria aquela que descreve o mercado formal de cigarros como um mercado cercado por muros para impedir a entrada dos invasores. Mas, quando os preços no mercado formal sobem, é como se recebessem um cavalo vindo de Troia: seu volume de vendas diminui porque os invasores agora podem também cobrar preços mais elevados e, então, ocupam parcela do mercado exterminando a atividade formal.
Testes estatísticos já demonstraram os efeitos descritos. A elasticidade-preço da demanda do mercado formal é negativa, isto é, uma elevação do preço do cigarro legal provoca a redução do tamanho do seu mercado. A elasticidade-preço da demanda do mercado informal também foi medida por esses testes. Ela é positiva. Logo, aumentos de preços dos cigarros do mercado formal provocam um aumento do tamanho do mercado de cigarros contrabandeados. Os efeitos mais amplos decorrentes de um aumento do preço do cigarro legal ainda não foram calculados. Um possível efeito que vale a pena ser destacado: segundo dados do IBGE, o emprego formal na indústria de fumo caiu aproximadamente 30% de 2005 aos dias de hoje.
É nesse contexto que políticas antitabagistas são aplicadas. A mais conhecida política dessa natureza é o aumento de alíquotas de impostos e contribuições. A alíquota média de ICMS apresentou uma tendência de ligeira elevação entre 2000 e 2007. Em janeiro de 2000 era 25%; hoje, é 25,7%. O PIS-Cofins sofreu um aumento em 2009 de 6,36% para 10,97%. Em 2009, os cigarros mais baratos, pagavam por maço R$ 0,619 de IPI; hoje, recolhem R$ 0,764. Os cigarros mais caros pagavam naquele mesmo ano R$ 1,131; hoje, pagam R$ 1,397. Os preços médios dos cigarros do mercado formal são reajustados também como decorrência da elevação dessas alíquotas. Foram reajustados em termos reais de 2005 a 2010 mais que 40%. O resultado é óbvio: houve aumento do contrabando de cigarros.
O mercado de cigarros no Brasil possui especificidades. É um mercado que causa desconforto para aqueles que costumam aplicar teorias padrão para entender uma realidade que se tornou muito complexa. Os economistas chamados por Luis Nassif de “cabeças de planilha” certamente pensariam que: 1- uma elevação de preços em uma estrutura oligopolizada, onde duas empresas têm mais que 90% do mercado formal, não reduziria o volume de suas vendas e 2- o consumidor substitui bens que são iguais ou semelhantes (tal como a margarina e a manteiga), mas não substituiria bens de qualidade tão distintas como são os cigarros fabricados pelas empresas nacionais e os cigarros paraguaios.
Uma conclusão é que consumidores não são tão racionais como seria desejável que fossem para o bom funcionamento das economias. Nesse sentido, por qualquer motivo que se queira – proteger a arrecadação de impostos e contribuições, o lucro das empresas, o emprego formal ou aumentar a eficácia de políticas antitabagistas – somente há uma alternativa: combater o contrabando por meio da fiscalização e da atuação da polícia federal. Para tanto, para atender interesses das empresas (vendas e lucros), dos trabalhadores (empregos e salários) e do governo/sociedade (arrecadação e antitabagismo) é necessário contratar fiscais, policiais federais e equipar suas instituições para que possam reduzir o contrabando de cigarros – já que consumidores fazem a substituição que “cabeças de planilha” não acreditam.
Esse é apenas um exemplo que mostra que a qualificação do Estado é uma necessidade de todos os segmentos sociais.
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Fonte: jornal Valor Econômico