Sociólogo critica política externa brasileira; assessor da Presidência rebate
Em seminário sobre a política externa brasileira, o sociólogo Demétrio Magnoli classificou a política externa nacional de ideológica e partidária. “A partidarização da política externa no Brasil explica a substituição do interesse nacional pela ideologia e tem um efeito de erosão moral”, disse o sociólogo. As críticas foram rebatidas pelo chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia.
Demétrio Magnoli citou uma série de posicionamentos brasileiros no cenário internacional que podem ser classificados como ideologização. Uma delas seria a visão brasileira de que o Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representaria uma aliança de polos voltada para a construção de um mundo multipolar, com reconfiguração do cenário internacional em substituição dos centros de poder tradicionais.
O assessor do Governo não perdeu tempo com essa visão unilateral de ideologia que desconsidera o padrão ideológico de direita para as relações exteriores que vigorava nos governos de FHC, por exemplo. Para ele, “nós nos esforçamos” para conquistar o governo e implementamos nossa política externa. “Se ele quer uma política externa diferente, que batalhe como nós batalhamos durante décadas para chegar ao governo”, resumiu Garcia.
Segundo Marco Aurélio, essa é uma visão ultrapassada, e o Brasil está apenas constatando a existência de uma nova configuração do mundo. “A polarização política e ideológica da guerra fria não mais existe”, disse o assessor da Presidência. Para ele, Magnoli como expressão intelectual da oposição ao Governo, chama de ideologia tudo aquilo que não se opõe a sua ideologia de governo e seus interesses e de seus grupos políticos para o país.
Mercosul
Magnoli rejeita a nova configuração mundial de polos de poder, em especial os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e defende que o Brasil volte a se aliar ao “centro tradicional de poder” composto por EUA e Europa Ocidental. Do mesmo modo, avalia o Mercosul a partir de uma perspectiva em que o bloco solidário de países vizinhos ao Brasil não tem qualquer importância na conjuntura global de comércio.
À observação de Magnoli de que o Brasil precisa se inserir com competitividade no fluxo de mercadorias e capitais da globalização, Marco Aurélio Garcia respondeu que o Mercosul tem proposta pronta de acordo para fazer à União Europeia, mas que os países europeus ainda não têm nada a dizer aos sul-americanos. Toda e qualquer propos vinda daqueles países em profunda crise econômica visam a subordinar o Brasil a uma lógica que os tirem da recessão.
Para Magnoli, no entanto, essa proposta é baseada no protecionismo argentino. “Há o risco de que o Mercosul se transforme em uma fortaleza”, argumentou Magnoli, ignorando que a Europa sempre foi uma fortaleza protecionista.
O embaixador José Botafogo Gonçalves, vice-presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e ministro da Indústria no governo de Fernando Henrique Cardoso, acredita que o bloco já funcionou bem, mas que agora se encontra em um “momento de estagnação”. “A lógica de integração regional através de esquemas preferenciais se esgotou. Não dá mais, é insuficiente”, disse ele, para quem o mercado mundial é quem dita regras dos mercados regionais, assumindo claramente o papel subordinado a que o Brasil deveria se sujeitar na ordem mundial.
Flexibilidade
O presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que sugeriu o debate, defendeu mais flexibilidade para o bloco. “Nos últimos tempos, tem se revelado a incapacidade de os membros do Mercosul cumprirem acordos comerciais. Tal dificuldade aponta para falhas do desenho institucional e de decisões tomadas”, avaliou o parlamentar.
Na outra ponta, o membro do Conselho de Administração da Sul América S.A. Roberto Teixeira da Costa defendeu o Mercosul e a Argentina. “A Argentina foi uma parceira da maior relevância nas relações comerciais do Brasil, importadora de produtos para os quais não havia outros mercados”, observou. Costa disse acreditar na negociação de uma abertura maior para o bloco, fortalecendo-o.
América Latina
A integração entre os países da América Latina foi ponto de consenso no seminário. Sobre isso, Marco Aurélio Garcia informou que está em andamento um processo de aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, bloco formado por países latino-americanos do Pacífico. “Esperamos que até 2016 todas as restrições tenham sido removidas do comércio exterior na América do Sul”, disse o assessor.
Na visão de Eduardo Barbosa, tal integração pode abrir o mercado da Ásia para os países do Cone Sul.
Em relação a acordos bilaterais que teriam sido rechaçados pelo Brasil, o assessor da Presidência disse que foram rejeitados os tratados que representavam riscos. “Esses acordos foram vistos como neocoloniais, pois produziriam consequências negativas para a indústria brasileira”, havia dito Magnoli anteriormente.
Direitos Humanos
Demétrio Magnoli criticou ainda a forma de o Brasil se posicionar em relação à violação dos direitos humanos. Um desses episódios envolveria a condenação por parte do Brasil de ataques israelenses na Faixa de Gaza, em contraposição ao silêncio no que diz respeito ao lançamento de foguetes pelo Hamas contra alvos civis israelenses. Marco Aurélio Garcia respondeu que houve sim críticas ao lançamento de foguetes.
O assessor disse ainda ser “irritante” confundir posicionamentos brasileiros com propostas de diálogo com terroristas. “É um pouco irritante que se venha a confundir a condenação aos ataques unilaterais no Oriente Médio a uma proposta de diálogo com os terroristas. Ficou claro nos discursos de Dilma e nas entrevistas que não havia nenhuma proposta, que havia um repúdio claro, mas que as potências realizassem um diálogo entre si para ver o melhor encaminhamento da questão”, disse Marco Aurélio.
O embaixador do Governo FHC, Luiz Felipe Lampreia, foi tão radicalizado em sua posição sobre a política externa que não mereceu resposta do representante do Governo. Ao apoiar a declaração de Magnoli de que o Itamaraty sofre uma “erosão moral” e afirmar que a instituição está sendo “depenada”, Lampreia ouviu de Garcia que esta afirmação ultrapassa uma fronteira que ele prefere não comentar.
Com infos da Agência Câmara Notícias