Mais avançam os processos da modernidade, e mais as pessoas estão a correr, às tontas, como galinhas em pânico. Vivendo à orla de seus desejos vazios, não sabem onde querem ir – então todos os ventos lhes são desfavoráveis. Enclausurados nas torres do auto-engano, diz a psicóloga junguiana Rai Barros – de vez em quando saem da clausura em que vivem, “para dar uma remodeladazinha nas pelancas da normose. Então botam um botox na infelicidade, ou fazem uma lipo em sua alma desidratada”.

      No entanto, resulta inútil maquiar corpos e mentes defuntos – cadáveres não podem voltar a ser vivos – apenas se tenta disfarçar as cicatrizes do desastre. Mas o espírito não dá retífica. Para as lesões e feridas da alma não há prótese. Isto Sêneca já sabia. Pois que antes mesmo de nascer na Galiléia o nazareno cristificado, falava sobre o prêmio da paz, que alcançam os que vivem em vidas retiradas e verdadeiras: “Com razão, se não me falha a memória, Cúrio Dentato dizia ser preferível estar morto a viver como morto. O pior dos males consiste em deixar de integrar os vivos antes da morte.

      Apesar disto, se te coube viver numa época em que os assuntos políticos são de difícil manejo, então trata de dar mais espaço ao repouso e aos estudos. Tal como o marujo numa travessia perigosa, multiplica as escaladas. Sem esperar que os negócios nos licenciem, saibamos nos desprender deles”. Devemos não dar escuta ao rugido dos equívocos aplaudidos. Milhões escolhem ouvir o que o mundo insano grita, em vez de escutar a voz silenciosa da sabedoria eterna. Dito de outro modo: quem dedica longas horas ao ócio criativo não precisa botar botox no espírito.

      No livro Ócio criador, trabalho e saúde (Editora Claridade) Em lúcida e profunda reflexão sobre o suplícito de Tântalo em que vivem os viciados em trabalho, Viktor D. Salis assinala: “Fausto mostrou-nos como os homens são capazes de vender a alma ao Diabo, para conseguir sucesso, dinheiro e poder. Talvez não haja fraqueza humana maior que a vaidade, e ela acaba se tornando um cadafalso. Vender a alma não é mais do que alienar-se de si próprio, entregando-se ao jogo das aparências sociais. Abrimos mão de nós mesmos para sermos aceitos e conseguir o que desejamos, sendo esta a mais grave falsificação do Ser”.

      Outro auto-engano ou tapeação, em que as pessoas geralmente incorrem, é o de se dedicarem à filantropia por motivos egoísticos, de auto-engrandecimento, compra de indulgência, financiamento de salvação eterna, ou fantasias do gênero. “A vida toda é servidão”, escreveu um filósofo da antiguidade. Mas só o é para os que servem com o ego – e assim des-servem aos outros, e a si mesmos; servindo com avareza e egoísmo, seu conceder é um mau serviço – não tem verdade nem viço.

      Assim como é preciso saber viver a felicidade, é necessário saber enfrentar a infelicidade, e estar prontos para quando cheguem. Sêneca nos ensina a conquistar, apesar de tudo, a felicidade pessoal: “Basta saber acomodar-se à própria condição, e fazer de seus limites pessoais a fonte perene de conforto”.

      Vivem em serenidade e paz interior os que buscam ter uma vida retirada (mas não isolada dos demais viventes). O mesmo não acontece com os que vivem ansiosos e aflitos, em eterno movimento de fome ou fuga, avareza e posse, prisioneiros da caverna da ignorância, acomodados à falsa felicidade da zona de conforto em que jazem, em caixões de gelo, como a Bela Adormecida.  

 

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 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.