Das qualidades do silêncio
O silêncio, em si mesmo, é neutro: tem as cores e paisagens nele impressas por nossas emoções e sentimentos, nossa tensão ou calma.
Nós é que nele imprimimos as tintas de nossa persona, visto que só vemos a realidade com as máscaras que usamos para viver entre os demais mascarados.
Nossa mente é que o qualifica, e lhe dá as qualidades com que é percebido; cores e sons que passa a exercer influência sobre tudo o que nos rodeia, impregnando com seu bom ou mau perfume tudo o que somos.
O silêncio compassivo é humilde e sem escolha, e não vê senão o seu dom de proteger e cuidar de toda vida que de amor e cuidado precisa.
O silêncio misericordioso não tem lembrança de não ter sido bondoso e humilde em ação curadora, junto aos que sofrem.
O silencioso bilioso é figadal, e tem orgulho de ser tenebroso. É insano, mortal e mortífero, como um cão raivoso.
O silêncio de amor louco só em fazer loucuras é dadivoso. Nos cegos de paixão torna-se tão a-celerado que suas vítimas deveriam ser despojadas da carteira de motorista.
O silêncio apaziguado em serenidade é capaz de tornar-se sábio. Mesmo não sendo santo, sua santidade reside em apresentar-se como humildade.
O silêncio iracundo é capaz de atear fogo no mundo – incendeia a sua casa (corpo onde residem mente, alma e espírito) – e faz que o incêndio se alastre para as casas dos vizinhos.
O silêncio da projeção ilusória produz na mente imenso e continuado barulho, em forma de inútil e contumaz distúrbio de-mente.
O silêncio do ansioso vive no passado, e só sabe criar futuro. Não acrescenta um côvado à sua estatura, e produz, ele mesmo, o sofrimento que o mata. Desconhece o que seja o fulgor do presente.
O silêncio carrancudo tem peso de chumbo. Já o silêncio do enfezado sempre está cheio de fezes.
O silêncio dos assassinos é povoado de medo e culpa. Leva a morte nos olhos, e diuturnamente escuta os gritos de suas vítimas.
O silêncio do poeta acessa uni-versos do Verbo. Na alquimia da palavra criadora, sente que vive no paraíso, e a bem-aventurança lhe é concedida.
O silêncio do asceta é tão profundo que abarca a alma do mundo. Já o silêncio dos inocentes tem a leveza dos pássaros em liberdade.
O silêncio em tudo atua – no cosmos infinito, como música das esferas, na canção da Vida, que vibra em tudo, sendo presença de Paz e Conforto, ou como ausência sofredora do Amor que é sem escolha.
O silêncio, em si mesmo, é inocente dos maus usos que dele fazem as mentes em tumulto. Nós é que o sufocamos. Na insanidade com que aumentamos com nosso barulho de-mente as dores do mundo.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.