Tirando o capuz
Nos porões do Doi-Codi
o batismo de sangue
dos padres dominicanos.
O horror era medido
pela qualidade do grito:
os que eram produzidos
por espancamento,
por mais bárbaro,
eram diferentes dos berros
produzidos pelo choque elétrico:
estes, relatam os sobreviventes
daqueles tempos sombrios –
vinham de dentro das entranhas,
pois a dor era tamanha
que superava a capacidade humana
de suportar o sofrimento.
Tempo sombrio, violento
de uma ditadura
que tendia a se transformar em duas
golpe dentro do golpe que multiplicava
a crueldade. Nestes dias sombrios
em que jornalistas, intelectuais,
professores e clérigos
eram encapuzados e torturados
em furor insano e sombrio
Wladimir Herzog foi assassinado
depois de sofrer bárbaras sevícias.
Tudo em nome da histeria anti-comunista,
que servia de pretexto
para a insanidade dos golpistas.
um culto ecumênico
visto como afronta ao regime
deu início à resistência
da brava gente brasileira
até então anesteziada
pelo poder de compra que lhe dava
o milagre brasileiro.
Deu-se então, que ao cair
da fantasia, os que nada viam
passaram a escutar
os gritos e os gemidos
nos porões da ditadura.
Vlado foi o cordeiro inocente
imolado sem motivo
– se foi bárbaro o sacrifício
não foi inútil: fez acordar
os adormecidos, e
despertou da letargia
um povo iludido
com falsas vitórias
– uma “pátria de chuteiras”
campeã moral em ser
a nação dos falsos começos
– a que avança aos trancos,
vencida pelo jeitinho brasileiro
com que vai empurrando
seus problemas com a barriga
sem nada saber de si mesma
e sem por termo à farra cívica
de seus eternos erros.
Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.