Rio-Pará: nacionalização da Babel
A fim de nacionalizar a Amazônia tapuia
E amazonizar desde aqui o gigante Brasil
Do Oiapoque ao Chuí
As amazonas chegaram virgens da Capadócia
Naturalizaram-se brasileiras: Salve, Salve!…
Vieram de mala e cuia, como se diz nestas paragens
Parauras do Grão-Pará
Imigraram pra cá na comitiva dos turcos encantados
Sob a bandeira de São Jorge guerreiro
Na luta universal contra o Dragão da maldade.
Terminaram todas em embaixada de Cobra Norato
Na cidade maravilhosa de São Sebastião
Do Rio de Janeiro no carnaval.
No Novo Mundo os turcos encantados
Vieram anunciar a segunda vida de Dom Sebastião
Na figura idolatrada de Jorge Amado da Bahia
O escritor queridinho do Brasil varonil
Amante de Dona Flor
E Gabriela cravo e canela
A tropicalização radical da língua
De Fernando Pessoa
Mundialização da libido afro-brasileira.
As amazonas na travessia do Mar Tenebroso
Perderam a pose e cairam dos cavalos marinhos
Toparam com as caravelas de Colombo
A caminho das Antilhas
Pela altura das Grãs Canárias
Antes da Estrela Polar desaparecer no horizonte
Como uma estrela do mar caída.
Chegaram ao Amazonas à frente de Orellana
No embalo das ondas
Aportaram na ilha Marinatambalo
Apelido do Marajó ainda sem fama e nome
Saíram do Oceano num dia torrencial
De chuva
Nos campos de Cachoeira
Resto imodesto do Dilúvio.
Elas deram com os costados na beira do rio
Ao pé da árvore de Folha-Miúda
Num teso de terra alagada
Perto do chalé chuvoso de Dalcídio Jurandir.
Vinham já em montarias a remo
Como negros da terra carregam drogas do sertão
Chegaram muito cansadas
Como o menino Alfredo
Na volta dos campos queimados
Que nem os dois mil navegantes negros
Em caiaques da imemorial expedição mandinga
D'el-rei Gao, o Africano; muito antes de Colombo
Passando pelas ilhas do Pará-Amazonas
Oiapoque e Orenoco para ir sossegar lá no Haiti
Com os voduns da antiguidade sagrada.
Com um seio amputado na guerra
Do outro mundo
As amazonas aposentaram arco e flecha
Trocaram tudo pelo lago encantado Espelho da Lua
Escolheram a hora da sesta pra fazer festa do amor.
Nas ilhas filhas da Pororoca
As ditas amazonas sobretudo amaram
O boto tucuxi que foi pai das amazônicas
Amazonas paridas no país da Cobragrande
Primeira geração filha das despeitadas guerreiras
Na terra Tapuia elas fizeram a paz e não a guerra.
Naturamente as filhas do boto
Nasceram dotadas de par de peitos
Sem nenhum defeito
Redondinhos e duros
Que nem fruto de tucumã maduro
O Jurupari pai do mato seja louvado
Aquele ser safado que fala e ri
Pela boca torta do Pajé.
Assim na boca do Amazonas
A história foi direita e refeita muitas vezes
E aí e aí…
A filha da Cobragrande se casou
De véu e grinalda abençoada com Te Deum
Oficiado pelo payaçu Antônio Vieira
Os sete caciques Nheengaíbas por padrinhos
O noivo era tapuio comedor de peixe-frito
E farinha d'água que só vendo!
Fiado só amanhã na História do Futuro
Depois que clarear o escuro
Da Primeira Noite do Mundo.
Foi deste temerário engenho tropical
Na Contracosta marajoara
Que se surdiu o primeiro operário colonial
Escravo a bordo do navio negreiro de Pinzón
O primeiro seringueiro marinheiro da belle époque
Pequeno Atlas cabeça chata a sustentar no cangote
O Ver-O-Peso
E a universal potoca de frei Gaspar de Carvajal
À ilharga do enganado Índio de Cristóvão Colombo
Fazendo fita no país do carnaval.
Mas porém, a pisada amazônica ensina
Que termina a claudicante carreira
Da mentira ultramarina
Com Alfredo sem medo e Dalcídio Jurandir
A seguir a bordo do “Ita” para o Sul
O gaúcho Raul Bopp vindo ao Extremo-Norte
Desinventar no Xingu lendário
Maldades mil de Maria Caninana
Cobra Norato sentando praça no Rio de Janeiro
Fevereiro e Março
Vivas ao Glorioso Dom Sebastião!
Quinto império do samba
No vasto mundo de Drummond
Estácio de Sá no palco encantado
A dançar só no circo da chuva
E desfilar na Marquês de Sapucaí:
Taí no que deu o frade abrir a boca
Inventar na pressa o que não viu no velho rio
Babel do manauara emérito Professor Bessa.
Belém, 16/09/ 2007