Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Comunicação

    O Sonho do Prisioneiro

    As madrugadas e as noites aqui mal se distinguem. O ziguezague dos estorninhos sobre as torres de guarda nos dias de luta, minhas únicas asas, um fio de ar polar, o olho do carcereiro pela portinhola, o escalar de nozes esmagadas, um oleoso chiar de fritura vindo das caves, algum assado no espeto real ou […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    As madrugadas e as noites aqui mal se distinguem.

    O ziguezague dos estorninhos sobre as torres de guarda
    nos dias de luta, minhas únicas asas,
    um fio de ar polar,
    o olho do carcereiro pela portinhola,
    o escalar de nozes esmagadas, um oleoso
    chiar de fritura vindo das caves, algum assado no espeto
    real ou suposto – mas a palha é ouro,
    a lanterna vinosa uma lareira
    se adormecendo me imagino a teus pés.

    A pena dura desde sempre, sem um porquê.
    Dizem que quem renega e assina
    pode salvar-se deste extermínio de gansos;
    que quem se acusa a si mesmo, mas atraiçoa
    e vende a carne de outros, agarra o mexedor
    em de vez terminar mexido no pâté
    destinado aos Deuses pestilentos.

    Incapaz de pensar, chagado
    pelo enxerga que me fere, confundo-me
    com o vôo da traça que minha sola
    esfarinha sobre o chã,
    com os furta-cores quimonos de luz
    que a aurora estende dos torreões,
    senti no ar o cheiro morno
    das roscas vindo dos fornos,
    olhei em volta, conjurei
    arco-íris nos horizontes de teias
    e pétalas nas treliças de minhas grades,
    me vi exalçado, e recaí
    nas profundezas onde o século é o minuto –
    e os golpes se repetem e os passos,
    e continuo a ignorar se estarei no festim
    como estufador ou estufado. A espera é longa,
    e o meu sonho de ti não tem fim.
     

    Eugenio Montale Poesias
    Seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti
    Prefácio de Luciana Stegagno Picchio
    Editora Record – Edição Bilíngüe, 1997