Etanol brasileiro emite 61% menos gases estufa que gasolina
A análise final da EPA abre caminho para o Brasil exportar, até 2020, entre 15 e 40 bilhões de litros de etanol para o maior mercado consumidor de combustíveis do mundo. A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), que reúne o setor sucroalcooleiro nacional, influiu no resultado que consta do RFS2 por meio de documento enviado à agência durante a fase de consultas. Com a decisão da EPA, o esforço do setor deve agora se concentrar na remoção da tarifa de importação de US$ 0,54 por galão (cerca de R$ 0,25 por litro) que o etanol exportado pelo Brasil paga para entrar nos EUA.
Até 2022
A classificação do etanol está contida nas revisões finais do RFS2, que definiu a produção e o uso de biocombustíveis nos Estados Unidos e estabeleceu metas de consumo de 2010 até 2022 para o país. O vasto e exaustivo documento ― só a Análise Final do Impacto Regulatório tem 1.120 páginas ― estudou detalhadamente biocombustíveis celulósicos, diesel produzido a partir de biomassa e os chamados combustíveis avançados. Estes últimos são definidos pela RFS2 como outros combustíveis que não o etanol produzido a partir de milho cujas emissões de gases de efeito estufa equivalham a no máximo a metade das do combustível que substituem ― no caso do etanol de cana-de-açúcar, a referência é a gasolina.
O estudo, explica o anúncio da norma, "incorporou novas definições e novos critérios para os combustíveis renováveis e para a matéria-prima de que são produzidos, incluindo novos limites de emissões de gases de efeito estufa conforme determinado pela análise do seu ciclo de vida". Com os novos critérios, que levam em conta também o manejo da terra, o etanol de cana-de-açúcar emite ― do plantio até a saída de gases do escapamento do veículo abastecido com ele ― 61% menos gases de efeito estufa que a gasolina, segundo a EPA. Essa cifra supera com folga os 50% mínimos exigidos dos combustíveis classificados de avançados, e é bem superior a uma avaliação anterior da própria EPA que estimara a redução das emissões de GEEs do etanol de cana-de-açúcar em somente 26% em comparação à gasolina. O resultado a que chegou a agência, explica o documento, é o ponto médio entre uma redução mínima das emissões de 52% e máxima de 71%, ambas encontradas nos calculadas pela agência, de acordo com cenários diferentes. A título de comparação, o etanol de milho passou raspando: a EPA estabeleceu para ele 20% de redução das emissões de GEEs em relação à gasolina como limite mínimo, e, na avaliação, concluiu que, se for produzido com a tecnologia mais moderna existente hoje em dia, suas emissões são 21% menores que as da gasolina. Os Estados Unidos são o maior produtor mundial de etanol de milho e o produto é beneficiado por subsídios volumosos, que protegem os agricultores locais contra o concorrente brasileiro, mais barato e mais eficiente.
No documento, a EPA determina que em 2022 os EUA consumam 136 bilhões de litros de biocombustíveis, dos quais no mínimo 80 bilhões devem ser de combustíveis avançados. Já em 2010 os EUA deverão consumir 48,8 bilhões de litros de biocombustíveis, 3,6 bilhões deles ― 8,25% ― de combustíveis avançados. O Brasil não poderá tirar proveito da abertura do mercado norte-americano imediatamente. Por um lado, porque a tarifa de importação sobre o etanol de cana-de-açúcar brasileiro ainda está em vigor e o torna pouco competitivo ― só 7% das exportações do Brasil do produto podem entrar nos EUA livres da taxa, mas para isso antes têm de fazer escala em um dos 24 países-membros da Iniciativa da Bacia do Caribe (CBI, na sigla em inglês), o que também aumenta seu custo. "Acho difícil ocorrer muita coisa este ano, até porque tivemos uma quebra de safra de 4 bilhões de litros de etanol", disse Marcos Jank, presidente da Unica, em entrevista publicada em dia 4 de fevereiro por O Estado de S.Paulo. A entidade montou escritórios nos Estados Unidos e na Europa para defender os interesses dos produtores brasileiros de etanol, e vieram dela várias das informações sobre o produto usadas no relatório da EPA.
O diagnóstico que a EPA fez do etanol brasileiro
Para a agência ambiental norte-americana, o Brasil é chave no futuro do etanol como uma das alternativas aos combustíveis fósseis. "Boa parte do potencial do etanol importado vai depender da capacidade do Brasil de abastecer de etanol os Estados Unidos e outros países. Isto porque o Brasil vem sendo um grande produtor e é o maior exportador de etanol do mundo", explica o documento. "Na verdade, muitos países estão interessados no etanol de cana-de-açúcar produzido pelo Brasil porque se trata do método menos custoso de se produzir etanol", afirma a EPA.
O desempenho do País no aumento da produção de etanol para suprir a demanda mundial também é objeto de análise. "Há muita especulação sobre a capacidade do Brasil de aumentar a produção", diz o texto. "As estimativas sobre a produção futura de etanol do Brasil variam bastante." Segundo a EPA, o governo brasileiro pretende triplicá-la até 2020. "Isso significa uma capacidade total de 12,7 bilhões de galões [48 bilhões de litros], a ser alcançada por meio de uma combinação de ganhos em eficiência, projetos inéditos e expansão da infraestrutura. As estimativas sobre o investimento necessário variam de US$ 2 bilhões a US$ 4 bilhões anuais." O estudo menciona outras estimativas, que indicam, com base nos atuais projetos, a necessidade de investimentos entre US$ 3 bilhões (R$ 3,6 bilhões) e US$ 4 bilhões (R$ 7,2 bilhões) por ano na expansão da capacidade brasileira. "Se a demanda global crescer muito além do que o que o Brasil planeja, a capacidade teria de aumentar ainda mais e investimentos ainda maiores seriam precisos", afirma a agência.
Infraestrutura, P&D e educação
A análise da EPA aponta para a necessidade de o País melhorar a atual infraestrutura de distribuição de etanol. "O sistema de transportes do Brasil é predominantemente rodoviário. A infraestrutura ferroviária e o sistema hidroviário são deficientes, e a disponibilidade de terminais multimodais é muito restrita", afirma o texto. "A logística representa aproximadamente 22% dos custos de exportação e é uma das áreas cujos custos precisam ser reduzidos para que o etanol brasileiro se torne mais competitivo no exterior", sentencia a agência, que destaca os planos da Petrobras de expandir a rede de dutos e investir mais de US$ 1,6 bilhão (cerca de US$ 2,9 bilhões) em melhorias da infraestrutura de logística para o transporte de etanol.
De acordo com o texto, para atender a demanda mundial por etanol o País também vai ter de investir em pesquisa e desenvolvimento e em educação. O Brasil, afirma a EPA, forma somente 0,08 engenheiro por 1.000 habitantes, enquanto que nos EUA a proporção é de 0,2/1.000, na União Europeia de 0,33/1.000, e na Coreia do Sul de 0,8/1.000. "Como certos tipos de educação (por exemplo, o treinamento científico) requerem um tempo longo de formação, o Brasil terá de continuar a investir em treinamento e desenvolvimento profissional de mão de obra para poder atender a crescente demanda da indústria de biocombustíveis", alerta o relatório.
Mercado interno, mercado externo
A EPA também destaca que, para poder exportar etanol, o Brasil terá de antes abastecer seu mercado interno. "Em algum ponto do futuro, a frota brasileira de veículos leves flex, em contraposição aos movidos a gasolina, poderá ficar saturada. Se isso ocorrer, espera-se que a taxa de demanda doméstica por etanol comece a diminuir. Assim, alguns especialistas acreditam que, quando a demanda doméstica passar a se estabilizar, há uma possibilidade significativa de as exportações se tornarem mais relevantes em termos de market share", afirma o documento.
Sobre o potencial de exportação no futuro, o relatório diz que somente três das fontes que utilizou fazem prognósticos. Segundo o relatório, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) [do governo federal] e a Unica avaliam que as exportações brasileiras de etanol de cana-de-açúcar poderiam totalizar de 13,4 bilhões a 15,9 bilhões de litros no período 2020-2022. Já a projeção para as vendas internacionais de etanol da consultoria brasileira Datagro [fundada em 1984 pelo economista Plínio Nastari], especializada no mercado sucroalcooleiro, é de 25 bilhões de litros em 2025. "O Brasil é provavelmente o único país capaz de fornecer volumes significativos de etanol para os EUA", afirma a EPA. "Enquanto o etanol importado for competitivo em comparação à gasolina em termos de custo haverá demanda por ele."
A agência lembra que o destino das exportações brasileiras de etanol vai depender das tarifas e dos impostos que os importadores impuserem. "Especificamente", diz o relatório, "os EUA impõem uma tarifa de US$ 0,54 [por galão] sobre todo o etanol importado". Segundo a EPA, essa tarifa foi estabelecida para compensar o subsídio que a gasolina misturada a etanol recebe do governo norte-americano, equivalente hoje a US$ 0,45 por galão (R$ 0,21 por litro) de etanol puro. O texto esclarece que a análise partiu do pressuposto de que a tarifa e o subsídio vão continuar em vigor no futuro.
Já a quantidade de etanol brasileiro disponível para exportação direta para os EUA futuramente vai depender das normas e metas para biocombustíveis que outros grandes consumidores determinarem para si ― o estudo cita especificamente a União Europeia, o Japão, a Índia e a China. "Nossas estimativas mostram que poderia haver um potencial de demanda desses países por etanol importado entre 4,4 bilhões de galões [16,6 bilhões de litros] e 14,3 bilhões de galões [54 bilhões de litros] em 2020/2022. Portanto, a menos que o Brasil e outros países aumentem sua produção de biocombustíveis significativamente, poderá haver uma oferta limitada de etanol importado para satisfazer todas as normas e metas de países estrangeiros."
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Fonte: Boletim Inovação/Unicamp