Bolhas abalam economia e nem sempre trazem inovações
Por Carlos Drummond
Por Carlos Drummond, de Campinas (SP), na Terra Magazine
À luz da história das crises financeiras, a taxação recente das aplicações externas no Brasil para evitar a formação de bolhas – como justificou o ministro da Fazenda, Guido Mantega – é correta . Toda bolha financeira é, por definição, insustentável e quando estoura, isto é, quando chega ao fim, prejudica sempre com maior intensidade os grupos sociais mais fracos. Mas nem toda bolha resulta em inovação tecnológica, novos ativos produtivos ou melhora da infraestrutura.
As bolhas são caracterizadas por mudanças relativamente rápidas das condições de funcionamento do mercado, provocando um distanciamento incomum entre os preços dos ativos – ações, imóveis ou outros bens – e as suas médias históricas. A alteração expressiva de preços em curto espaço de tempo costuma produzir euforia e o abandono, pelos participantes do mercado, da análise racional de risco.
Sob entusiasmo contínuo dos aplicadores, o mercado parece ter um só lado e uma única opinião. Há uma indiferença à razão, nas palavras do jornalista financeiro Roger Lowenstein. O risco aumenta e o tamanho do desastre cresce na mesma proporção.
A crise financeira e econômica detonada no final de 2008 nos Estados Unidos assinala o desfecho de duas bolhas consecutivas de hipervalorização: de ações de tecnologia e de imóveis, ambas acompanhadas de manipulações, falcatruas e falências de empresas e de indivíduos. O final repetiu o script de todas as bolhas: desemprego, despejo e dilaceração da base da sociedade.
A bolha das ações de empresas de tecnologia (ou empresas “ponto com”) na década de 1990 produziu a expansão da internet ao custo de uma recessão de média intensidade e teria sido mais positiva que negativa. A bolha das hipotecas subprime, detonada no ano passado, deixou apenas um rastro de destruição.
A formação de uma bolha de aplicações financeiras externas hoje no Brasil dificilmente teria consequências positivas além da valorização dos papéis, benéfica para os seus detentores. Diferente é o efeito dos investimentos estrangeiros diretos encaminhados para inovações tecnológicas, ampliação de capacidade produtiva ou de oferta de serviços. Esses não foram atingidos pela taxação.
A sucessão mais recente de bolhas tomou forma em meados da década de 1990, no governo de Bill Clinton, que definiu a meta de cortar o déficit do Tesouro. A medida resultaria em redução das taxas de juros, que conduziriam a um aumento do consumo de bens duráveis como carros e eletrodomésticos, construção de residências e investimentos empresariais.
Com juros baixos, a economia passou a crescer mais rapidamente. Eram os primórdios da chamada Nova Economia, impulsionada pela difusão do uso de computadores e da internet, marcada por uma ascensão vertiginosa seguida de uma queda arrasadora do mercado das ações “ponto com”, das empresas do setor.
O índice da National Association of Securities Dealers Automated Quotation System – NASDAQ, bolsa de negociação das ações de empresas de tecnologia da Nova Economia, subiu 42% em 1995 e 22% em 1996, ano em que Greenspan comentou a “exuberância irracional” do mercado de ações.
A onda altista continuou após a reeleição de Clinton. O NASDAQ subiu mais 22% em 1997 e 40% em 1998.
A transição da bolha estourada das ações para a do mercado imobiliário foi rápida. Quando os preços das ações subiram, muitos investidores usaram os ganhos obtidos para adquirir casas. Como o estoque de residências era relativamente estável, o aumento das aquisições pressionou os preços para cima.
Este foi um dos fatores que permitiu passar-se, quase sem interrupção, de uma bolha para outra. O Fed teve um papel fundamental no processo. Depois da queda da bolsa, reduziu-se as taxas de juros para o seu ponto mais baixo em 50 anos, o que contribuiu para sustentar a alta de preços no mercado de residências, que já estava supervalorizado.
No seu depoimento ao Congresso em 2002, Greenspan assegurou que inexistia uma bolha no mercado imobiliário. Os números evidenciavam uma outra realidade. Os preços nesse segmento, que entre 1953 e 1995 haviam acompanhado a inflação, de 1995 a 2006 subiram mais de 70%, descontada a inflação.
As importações da Ásia, em especial as da China, mantinham a inflação baixa. O Fed garantia juros baixos. O mercado financeiro havia criado um arsenal de instrumentos inovadores. Tudo concorria para manter o crescimento do mercado imobiliário. A bolha continuava inchando. Muitas autoridades – a começar por Greenspan -, empresários e economistas sabiam que um dia estouraria, mas agiam como se a bonança aparente pudesse perdurar por tempo indefinido.
Enquanto as remunerações milionárias dos dirigentes das instituições permaneciam intocadas, as famílias estadunidenses perdiam perto de US$ 5 trilhões, cerca de US$ 70 mil por proprietário de residência, em consequência do estouro da bolha. Entre 2002 e 2006 os preços reais das residências estavam nada menos do que 70% acima da média dos últimos 100 anos.
Os Estados Unidos, “a terra das bolhas”, segundo o escritor e banqueiro Charles A. Morris, conhecem esses movimentos pelo menos desde o século 19, quando surgiram várias delas na esteira de inovações tecnológicas e de avanços da economia.
Carlos Drummond é jornalista. Coordena o Curso de Jornalismo da Facamp.