Por Elias Jabbour*

Publicado na Edição nº 31 (novembro de 2008) da revista Carta Escola

Avançar, avançou. Mesmo que num ritmo lento as desigualdades sociais e regionais em nosso país deram mostras de uma mudança qualitativa. É o que sugerem os dados amplificados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2007. Porém, uma análise mais rígida da pesquisa encomendada pelo IBGE demonstra – entre outras coisas – uma verdade que grita: apesar da unidade lingüística, dentro do Brasil pode ser encontrado vários “Brasis”.

Um Brasil que cresce, mas que ao mesmo tempo concentra renda (Região Centro-Oeste). Um país que utiliza mais computadores, porém mais da metade de seus usuários moram na região mais rica do país (Sudeste). E quem mora na Região Sudeste com um mínimo de dignidade, não imagina que na Região Norte somente uma em cada 10 residências é dotada de serviços como o de saneamento básico. Você sabia que as mesmas regiões conhecidas e reconhecidas como as mais pobres do país são ao mesmo tempo onde se registra compras de aparelhos celulares acima da média nacional? Pura verdade, por mais paradoxal que pareça. Tão paradoxal quanto se descobrir que na região onde a renda é melhor distribuída (Região Sul), somente três de cada 10 residências tem acesso a redes de esgoto.

Pontos de convergência à análise

Convenhamos que não é tarefa das mais fáceis a análise desse emaranhado de dados dispostos a partir da citada pesquisa. Logo, o que devemos em primeiro lugar é destacar o que é essencial dentro do conjunto. Daí, podemos tirar algumas conclusões a respeito de forma que possamos – inclusive – conhecer melhor o país em que vivemos. Vamos lá.

O primeiro ponto de convergência reside no lento, porém avanço em alguns indicadores, principalmente os relacionados aos serviços públicos, saneamento básico e mercado de trabalho. Por exemplo, em um ano o número de trabalhadores com carteira registrada aumentou 6,1%. Melhor, desde a década de 1990 ultrapassou a marca de 50%, sendo mais exato 50,7% das pessoas. Outro exemplo está claro no aumento, acima da média nacional, da renda na Região Centro-Oeste: passou de 1.055 reais em 2006 para os atuais 1.139 reais. Cabem mais exemplos, como o relacionado com a abrangência da cobertura de rede elétrica que chegou aos 98,2% das residências do país, o que demonstra, por outro lado, que se trata de um serviço público de altíssima excelência no Brasil.

Outro ponto de convergência está no resultado de mais de duas décadas de crescimento econômico quase pífio no âmbito geral da economia, porém com grande crescimento no setor da agropecuária. Como os números do IPAD registram esse fenômeno do ponto de vista do desenvolvimento regional? A grande maioria dos que acompanham os noticiários econômicos dão conta de uma grande expansão na área cultivada, sobretudo de soja e, sobretudo na região centro-oeste. Outro exemplo convergente pode ser o da região nordeste. Os dados do PNAD demonstram aumento no uso de celulares no Brasil como um todo aumentou, mas em duas regiões em especial ele cresceu acima da média: Norte e Nordeste, justamente as duas regiões onde o governo federal centrou fogo com programas de complementação de renda.

Mas o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste por mais que se diferenciem – das demais regiões – no que tange a expansão da renda, ao mesmo tempo continuam e de certa forma reproduzem aumento de diferenciação entre os mais ricos e os mais pobres. Nem tudo são flores.

Em suma muitos pontos de convergência são encerrados na lenta inflexão recente de nossa histórica desigualdade social e regional. Tratam-se de convergência perceptivelmente “regionalizaveis”, logo tratando-se de um “prato cheio” à uma boa aula de geografia.

Mas não paremos por aqui. Vamos conversar um pouco mais sobre economia…

Investimento, crescimento e planejamento

Os dados da pesquisa demonstram que apesar da recente inversão na tendência de aprofundamento das desigualdades, nosso país ainda é tremendamente desigual e injusto. Ora, como já colocado acima, apesar dos espasmos de melhora em alguns indicadores sociais, o preço cobrado por duas décadas perdidas seguidas ainda é muito caro. Qual o principal meio ao real enfrentamento dos problemas brasileiros? Eis uma questão cuja resposta não passa somente por políticas de complementação de renda ou melhora em serviços de utilidade pública. E como acreditamos que analisar os dados não é algo que se encerra em si mesmo, e sim temos de sugerir meios e maneiras para que os óbices sejam superados, colocamos que pelo menos três passos são ultranecessários à superação dos problemas implícitos e explícitos na leitura dos dados: investimento, crescimento e planejamento.

Não tenhamos ilusão que esse quadro se inverta de vez a favor do Brasil e de seu povo, longe da retomada de um processo acelerado de crescimento econômico, capaz de gerar renda e riqueza; processo tal que seja gerado partindo de outros patamares de investimentos produtivos e calculado por um planejamento eficaz e capaz de mediar uma melhor distribuição territorial da renda.

Mas o que é o ato de investir? Saindo do ardil do conceito, investir é sinônimo de transformação de uma grande renda (investida em obras de grande porte, por exemplo) em uma miríade de rendas (afinal grandes obras demandam emprego, que sua vez gera renda e assim sucessivamente). Claro que distribuir dinheiro público em determinados programas sociais cumpre seu papel, mas não necessariamente redunda em uma distribuição de renda mais eficaz.

Abrindo parêntese, nesse aspecto (relação entre investimento e geração de renda) é preciso colocar o “dedo na ferida” de determinados problemas entre eles o relacionado ao fato de que 35% do orçamento da União estar comprometido com juros da dívida interna. Assim, aqueles que vivem custas de tais juros (além dos bancos, cerca de 40.000 famílias, sendo que 91% delas residindo na Região Sudeste), “ajudam” a manter um quadro de desigualdade expresso, por exemplo, no fato de metade das residências providas de um computador estarem na Região Sudeste. Essa política de transferência de renda da União ao sistema financeiro – além de ser elemento concentrador de renda – é incompatível com uma política séria de retomada de investimentos capazes de gerar renda em outro patamar.

Crescimento econômico é conseqüência direta da variável investimento. O que significa mais empregos gerados, maior fortalecimento industrial e – na esteira – maior envergadura muscular não somente ao governo federal, mas também aos governos estaduais e municipais, na medida em que crescimento gera aumento de arrecadação, para que mais e melhores investimentos “no social” sejam possíveis redundando em serviços públicos mais dinamizados e competentes de maneira que mais e mais brasileiros aufiram maior dignidade, alto estima e que veja no Estado Nacional um espelho de seus interesses gerais e específicos. Esse é um lado, melhor dizendo, um grande lado da questão que se relaciona diretamente com a “questão social” em si. Mas não é o todo, e sim parte de um conjunto que envolve a tomada de uma política que possibilite às regiões mais pobres do país uma condição menos desfavorável em nossa divisão social do trabalho. Daí entra a questão da necessidade de se planificar tal política.

Continuando, Ignácio Rangel, o mais brilhante economista produzido por nossas bandas tupiniquinenses, já dizia que o planejamento pode ser concebido como a mais importante de todas as artes e de todas as ciências de nosso tempo. Por quê? Porque somente este instrumental foi capaz de sistematizar o enorme – e histórico – acúmulo teórico e científico produzidos pelo homem. Descendo ao concreto, uma coisa é planejar, utilizar todo o acúmulo produzido pela humanidade, no âmbito das pequenas nações, como Israel, em que a problemática regional inexiste. Já para países continentais como o Brasil ou a China em que as diferenças de desenvolvimento intra-regionais podem servir de condição objetiva a desordens de ordem política e social. Logo, planejar é imperativo de primeira ordem para nós, imperativo à própria unidade e soberania nacionais. De forma objetiva, o planejamento pode ser o principal mediador á políticas de implantação de novas infra-estruturas, que por sua vez são essenciais à interconexão entre pequenos mercados regionais de forma que um grande mercado se forme e seja utilizado à alocação de novas cadeias produtivas. Em outras palavras, novos mercados formados em novas regiões redundam – objetivamente – em meio à transformação industrial e territorial em nosso país.

Enfim…

O PNAD 2007 pode ser visto como uma radiografia da nação; demonstrativa dos problemas nacionais, de nossos avanços e recuos. Mas a análise dos dados, por mais importante que seja não pode encerar-se como algo em si mesmo. Podemos comemorar o fato do início de reversão de um ciclo histórico de desigualdades em vários campos, porém um longo caminho a ainda de ser percorrido.

É sobre o caminho a ser percorrido e seus meandros é que deve centrar o debate acerca dos dados expostos. Discutir o futuro de nosso país, de nossos filhos.

Eis o “x” da questão.

Sugestão de atividades em sala de aula

– Iniciar uma discussão aluno/professor acerca dos fatores histórico/geográficos que levaram nosso país ser marcado por uma imensa desigualdade social;

– Sugerir aos alunos uma atividade de grupos em que cada grupo poderá representar uma região do país e em seguida organizar uma exposição geral em que cada grupo demonstre dados gerais como mortalidade infantil, natalidade etc. Assim poderá ficar claro aos alunos o fato deles estarem em um país marcado por desigualdades, mas também por potencialidades de futuro;

– Atividade semelhante poderá ser feita entorno das potencialidades de cada região e de nosso país no conjunto.

Bibliografia sugerida:

Avanços de tartaruga. Carta Capital – 27 de setembro de 2008, p. 23.

Veja os principais pontos do PNAD de 2007. Jornal “O Estado de São Paulo” – 18 de setembro de 2009. Acessível eletronicamente em: http://www.estadao.com.br/economia/not_eco244015,0.htm

Mais de 50% dos trabalhadores contribuem para a previdência. Portal do IBGE, acessível eletronicamente em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1230&id_pagina=1
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*Doutorando e mestre em Geografia Humana pela FFLCH-USP, membro do Conselho Editorial da revista Princípios, autor do livro China: infra-estruturas e crescimento econômico” (Anita Garibaldi) e pesquisador da Fundação Maurício Grabois.