Noturno em Brasília
Faz frio e estou insone.
Estou sempre insone e vou dormir quando as vozes estão em recolhimento. Há muito venho à Brasília, aliás, nasci em Brasília.
Esta cidade, com suas dimensões e imenso céu, deveras atua sobre mim de uma forma diferente e não é apenas porque deixei por aqui meu umbigo, como dizem os mais velhos quando tratam de nascimentos.
A cidade de Lúcio Costa e Niemayer tem as extensões dos brasileiros por todos os horizontes onde se lançam as vistas de um passante curioso, seja pela arquitetura, seja pelas pessoas.
Mesmo com as atividades mais intensas, a atmosfera do planalto central faz com que sempre a gente ache um jeito de caçar uma boa ideia, uma reflexão refletida.
Lugares amplos ajudam os pensamentos, assim é comigo e acho que deva ser com todo mundo. Não sei, nunca perguntei.
As vistas, em festa, querem criar identidade própria e insurgem-se aos rigores daquilo que se vê muito e que pouco sente. Vemos muito e sentimos pouco. Devemos ter um olhar mais generoso.
Não sei se estou me rebelando ao cara-crachá desta terra de poderes centrais brasilianos com essa coisa toda de portarias e elevadores inteligentes. Sim, porque nas portarias é um tal de deixar digitais, tirar o óculos, bater foto, botar o óculos e ver as gentes enforcadas em gravatas.
Isso sem falar que circulamos de lá para cá com adesivos, vários, multicoloridos. Têm até um que é lilás.
Fiz o comentário e um amigo, destes do trabalho, me disse que tínhamos matéria para uma boa crônica. Mas não é o que pretendo. Não quero expor as vísceras de um mal literata.
O que pretendo mesmo é apenas ver e sentir onde nasci, apenas isso. E também dar uma trégua, pequena, é verdade, aos duros temas que venho cuidando nesta fase da vida.
Isso não é nenhuma traição ao paraensismo em tempos onde se invoca o fatiamento do imenso e desconhecido Grão-Pará. Todos, aliás, podem tudo, menos fatiar pessoas. Mas também o que escrevo na alta madrugada não pretende tratar do assunto, por mais importante que seja.
Quero mesmo é sentir o frio.
O mesmo frio que partiu os sonhos de Anhanguera pelos sertões centrais, entre índios e aguardentes.
Quero mesmo é ver espaços que já não cabem aos olhos.
O mesmo espaço que fez saltar da ousadia de Juscelino, das pranchetas do arquiteto comunista e dos candangos, por suas mãos e sangues, a reunião das vidas que aqui, por seus monumentos e periferias, vivem.
Somos todas as vidas deste imenso céu, porque largo, sempre, é o destino.
*Paulo Fonteles Filho é escritor e pesquisador