Foro de São Paulo antecipou nova política externa
A quarta-feira (17 de julho) intensa da Conferência Nacional 2003-2013: Uma nova Política Externa, ocorrida na UFABC, de São Bernardo do Campo, marcada por 13 mesas de diálogos, muitas delas em horários simultâneos, foi a oportunidade para aprofundar temas mais específicos da política externa. Discutiu-se desde regiões específicas do globo, como o Oriente Médio, até subtemas das relações internacionais, como a cooperação internacional, passando pelo papel das prefeituras e a questão do meio ambiente. Em meio a tudo isso, uma das últimas mesas previstas, promoveu um diálogo com partidos do Foro de São Paulo (FSP), considerada a principal articulação de partidos de esquerda do mundo, atuando desde 1990, com partidos progressistas de todo o continente.
Com a dificuldade de alguns representantes de partidos comparecerem em São Bernardo do Campo, o esforço de atender à lotação do anfiteatro Olga Benário foi de Ricardo Alemão Abreu, secretário de Relações Internacionais do PCdoB, e Valter Pomar, secretário-executivo do FSP e dirigente nacional do PT, ambos partidos que compõem a executiva do Foro, num debate sob a coordenação do professor da UFABC, Gilberto Maringoni. Desta forma, participantes da Conferência e estudantes da UFABC se entusiasmaram para participar do XIX Encontro do Foro de São Paulo, que ocorre na capital paulista, entre 31 de julho e 4 de agosto (www.forodesaopaulo.org.br).
“Muito da política externa brasileira e dos países que compõem essa instância, foram formuladas nos debates do Foro”. Com essa definição, Alemão revela o acerto que significou a iniciativa de organização desses partidos para a integração latino-americana e para o papel que o continente passou a cumprir no mundo, a partir da ascensão de quadros dessa esquerda aos governos centrais daqueles países. “Ali se criou a política interna desses países”, acrescentou, referindo-se aos inúmeros partidos de praticamente todos os países da América Latina e Caribe, que compõem o FSP, hoje.
Alemão ressaltou, no entanto, que o PCdoB tem aspectos da nova política externa em seu programa. Não se trata de geração espontânea ou de uma autonomia do Itamaraty para definir uma mudança tão significativa na política externa brasileira. Muitos atores contribuíram para que ela se efetivasse, como revela o programa do PCdoB, os debates no FSP, entre outros documentos que nortearam o governo. “As diretrizes basilares das políticas alternativas de integração mais avançadas fazem parte do legado do Foro, nesses mais de vinte anos”, diz o dirigente comunista.
“Todos que estão nos governos mais progressistas da América Latina faziam parte do Foro e participavam dos debates sobre política externa, antes de serem eleitos ou assumirem cargos”, ressalta Alemão, lembrando que Rafael Correia, presidente do Equador, era famoso por dar palestras de economia no FSP.
O dirigente do PCdoB contou que é possível observar nas embaixadas, quadros de carreira, cuja referência está no PT, PCdoB ou PSB, por exemplo, não no PSDB e no DEM.
A disputa ideológica
Alemão se surpreende com o pouco tempo necessário para uma consolidação da pauta socialista no horizonte dos países latino-americanos. “Em pouco mais de vinte anos, vimos uma tragédia histórica como o fim do campo do socialismo”, lembra ele, citando a queda do muro de Berlim em 1989. Ele alerta, no entanto, para o “grande risco da reversibilidade” dessas políticas de integração regional, caso oposições derrotem os atuais governos de países como Brasil e Argentina, por exemplo. A disputa pela hegemonia ideológica é acirrada, embora as conquistas populares tenham sido profundas.
Parte dessa disputa ideológica se revela na jornada de manifestações juvenis, ocorridas em junho no Brasil, com expressões progressistas, mas também reacionárias. Alemão avaliou o longo processo de ataques infligidos aos partidos políticos pelos poderosos meios de comunicação controlados pela direita. “Uma campanha que, tanto bate, até que fura, contra partidos políticos, descritos como algo negativo, sujo e ligados aos interesses privados de seus dirigentes”, descreveu. Em sua opinião, existiu muita coisa avançada e progressista nas manifestações juvenis, “mas a direita conseguiu impor muitas de suas bandeiras”.
Conforme ressaltou Alemão, o principal alvo são os partidos revolucionários, visando criar na juventude uma opinião de que não há alternativa por esse canal institucional. “Busca-se atingir, especialmente, a juventude mais rebelde que desperta para a luta anticapitalista”, lamentou. Segundo ele, trata-se de uma campanha sistemática para vincular os partidos de esquerda à corrupção e ao “poder pelo poder”, “quando nascemos justamente da possibilidade de mudar essa lógica de governo para as maiorias oprimidas”.
“A política é a arte de tornar possível o que parece impossível, mas depende da correlação de forças”, disse Alemão. Em sua opinião, não haveria esta celebração sobre o sucesso da política externa, se não houvessem alianças. “O que mede a coerência das alianças é o programa”, definiu. No entanto, o dirigente comunista afirma que não dá pra esperar só do parlamento e da ação do governo a realização do programa. “Sem mobilização nas ruas não dá. O povo na rua é a força motriz”.
“Este sistema, para sobreviver, tem que fazer esse tipo de coisa, o controle das informações privadas”, disse Alemão, ao comentar as denúncias de espionagem dos EUA contra o resto do mundo, feitas pelo agente Edward Snowden. O tema sensível nos últimos dias foi amplamente debatido. “O Brasil é muito vulnerável e o ministro da Defesa Celso Amorim prepara-se para reagir a isso, como já fazem outros países dos Brics”, disse ele, citando iniciativas fortes da China na área da segurança cibernética.
Elementos fundamentais da integração regional que não podem ser ignorados são as questões da cultura e da comunicação. Em sua opinião, nenhuma região do mundo tem tanta homogeneidade cultural quanto na América Latina. “Este é um aspecto central que não é subestimado pelos EUA. Há mais conexões entre Cia e Hollywood que entre Snowden e a Cia”, ironizou ele.
Sem democratização da mídia é muito difícil mudar esse quadro de hegemonia ideológica, de acordo com o comunista. Para a eleição de 2014, na opinião dele, fica mais difícil reagir com um programa sintonizado com as ruas. “Vamos precisar de muita maturidade, unidade e compreensão das esquerdas no Brasil”. Para ele, as disputas mais delicadas se encontram no Brasil e na Argentina, sendo que a direita pressiona o presidente recém-eleito na Venezuela, Nicolás Maduro, tentando fazer perder um processo avançado de relações regionais.
Pluralidade de alianças
Valter Pomar procurou pontuar sutilezas que muitos desconhecem nas relações internas do FSP. Ele revela, por exemplo, que entre os partidos que compõem a instância, a diversidade no espectro ideológico é tal que inclui partidos de oposição ao Governo Dilma, como o PPS, por exemplo. Houve uma preocupação de agregar uma pluralidade de forças e ideias, desde o seu início. Desta forma, as políticas de governo e as relações internacionais discutidas ali refletem essa multiplicidade ideológica.
Pomar critica os reducionismos em que a esquerda é dividida em “radical carnívora e moderada vegetariana”. Para ele, quando a esquerda assume essa divisão, fragiliza a esquerda e ajuda a direita. “Não sobreviveríamos sem apoiar uns aos outros e não teríamos sucesso em tantos países diferentes”, diz ele, enfatizando que, embora haja esse esforço da “opinião publicada” em dividir a esquerda, a prática revela uma capacidade de união com a qual a direita tem dificuldades para lidar.
Dentre as contradições dessa “pluralidade” na política externa, estão posições que se conflitam com os partidos do Foro, como a presença militar brasileira no Haiti, a omissão em relação ao povo saharawi, a política brasileira na OMC, só pra pontuar algumas. “A nova política externa não é petista, mas o encontro de duas tradições que já existiam, uma do Itamaraty e outra da esquerda”, disse o petista, mencionando ainda o reflexo que tem nas relações exteriores o governo de coalizão, em que partidos fisiológicos ligados a interesses privados também impõem suas demandas.
O Brasil é uma potência média que atua em situação de conflitividade, admite ele. Apesar disso, os partidos de esquerda se reconhecem em grande parte da política externa do governo brasileiro.
Pomar diz que o PT atua para defender a política externa e evitar que predominem interesses privados. Valores que permeiam o debate no Foro, buscam reafirmar uma caracterização imperialista das metrópoles desenvolvidas, construir um papel internacionalista nas políticas locais, e articular a política externa com os objetivos de alcançar uma sociedade socialista.
Na opinião de Pomar, há uma inflexão na política externa, depois dos oito anos de governo Lula e chancelaria de Celso Amorim. Ele ressalta, no entanto, que não se trata de alteração, apenas inflexão. O Brasil deixa de ser expressão da América Latina e Caribe e passa a priorizar cúpulas com maior capacidade de diálogo com os países desenvolvidos, como os Brics, assim como reforça-se um vínculo maior com os EUA. O ambiente mais conflituoso que se vive com a crise econômica dos países centrais, demanda uma política mais forte e audaciosa, na opinião do petista. “Estamos com um perfil político mais baixo, quando precisaria ser mais alto. Não é uma questão de trocar ministro, é uma inflexão que tem que mudar. A saída é radicalizar aquilo que tem sido feito, sem aspas”, afirmou.
“A demora de posicionamento sobre o ato de pirataria contra o avião de Evo Morales só não foi pior, porque a própria presidenta emitiu nota dura e forte”, exemplificou Pomar, citando a dificuldade do presidente da Bolívia em pousar em território europeu, devido à submissão daqueles países à ameaça dos EUA contra quem abrigasse o agente da NSA, Edward Snowden. Embora o avião do boliviano não estivesse transportando o espião, vários governos impediram a escala em seus países, criando uma crise diplomática que gerou reações nervosas de governos latino-americanos.
Como dirigente do principal partido do governo, Pomar disse estar otimista sobre as manifestações juvenis de junho. “É um chacoalhão bem vindo, que demanda uma autocrítica que compete ao PT”, declarou ele, lembrando que o PT foi nos anos 80 o portavoz do tipo de indignação popular que se expressou nas últimas manifestações. “Nos últimos anos, deixamos nos contaminar pela burocracia institucional e perdemos radicalidade, capilaridade social e capacidade de ser voz dessa insatisfação”.
Na opinião de Pomar, os partidos não são nem devem querer ser os únicos meios de organização da sociedade. “Uma multidão desorganizada é controlada por quem tem meios. Os partidos têm que ajudar a sociedade a se organizar para que ela se governe”, analisa ele. Ele diz que o estado é um espaço em disputa e os setores sociais têm direito de incidir nessa disputa. “A direita investe tudo que pode na batalha cultural, porque perdeu a eleição, mas se eles falam de corrupção, vamos falar de corruptores. Vamos disputar para que as mudanças continuem”, sugeriu ele.
“O que me deixa tranquilo, foi a reação da presidenta Dilma ao saudar as manifestações, dialogar com os manifestantes e apontar uma agenda de atendimento às demandas”, afirmou Pomar. Para ele, o governo deu uma demonstração de que está disposto a estimular uma sociedade rebelde. “Se amortecer os interesses das pessoas, vai prevalecer os interesses conservadores.” Para ele, existe, sim, uma insatisfação nessa fase recente, e tem que ser dita para que possa prevalecer um rumo de mudanças.
Na avaliação de Pomar, vai ser uma disputa política muito boa em 2014, embora com cenário muito conflituoso. “Agora, o PT vai ter que repactuar pela esquerda, propondo mais política social e mais democracia”, disse.
Pomar opinou sobre a controvérsia do Arco do Pacífico, acordos bilaterais encabeçados pelos EUA, agregando países de governos de direita, que demandam uma reação do Brasil. “O PT tem uma avaliação crítica, estritamente na operação contra o Mercosul e a Unasul, visando dividir o processo de integração”, enfatiza. Pomar observa que o processo de integração regional estava tão avançado, que mesmo governos de centro-direita estavam obrigados a participar da Unasul, da Celac e do Mercosul. O Arco do Pacífico é uma tentativa de formatar uma alternativa.