3 – O Novo-Desenvolvimentismo como proposta de Política Econômica (continuação)

Mais abrangente que a noção de “estabilidade monetária”, o conceito de “estabilidade macroeconômica” visa à redução de incertezas relativas à demanda futura, criando um ambiente estável para a tomada de decisões de investimento privado. Isso inclui tanto a regulação estatal das taxas de juros, do câmbio e dos salários, quanto a redução da vulnerabilidade externa para defender a economia de choques externos e da volatilidade dos fluxos de capitais estrangeiros mediante uma taxa cambial administrada e a imposição de controles de capitais, caso necessário (“blindagem da conta de capital”) (sobre câmbio e fluxos de capitais, ver Sicsú, 2006). Esses objetivos só podem ser alcançados por políticas com objetivos múltiplos e pela complementaridade entre as políticas monetária, fiscal, cambial e salarial para influenciar os “grandes preços” da economia: as taxas de juros, de câmbio, de salário e de inflação (Bresser-Pereira, 2003: 281). As novas políticas macroeconômicas restabeleceriam a condição soberana da ação do Estado de controlar sua moeda e sua política fiscal, permitindo a adoção de uma política industrial de defesa da competitividade e da equidade (2005: pp. xl-xlviii).

Uma novidade significativa dessa formulação de política econômica por autores keynesianos brasileiros é o destaque atribuído à dimensão política do processo de desenvolvimento, incluindo como condição necessária a existência de um projeto nacional, “que expresse o sentimento de nação”. Essa dimensão política se baseia na experiência histórica dos países hoje desenvolvidos e de seus sucessores leste-asiáticos, tendo como diretiva que a ligação entre os mercados nacionais e os internacionais deve trazer ganhos substanciais em termos de divisas, conhecimentos, empregos e bem-estar para o país. Para os autores, a globalização “é um projeto de desintegração nacional e enfraquecimento intelectual, econômico e cultural de todos os segmentos de uma sociedade”. Sem superar esse déficit do estado-nação, mediante a adoção de um projeto nacional, mesmo as políticas econômicas alternativas fracassarão (2005: XLVIII-L) (1).

Bresser-Pereira (2006) oferece outra síntese do novo-desenvolvimentismo, que é apresentado como um “terceiro discurso” (2): uma estratégia nacional de desenvolvimento alternativa ao “populismo” latino-americano e à ortodoxia convencional, representada pelas análises, diagnósticos, reformas e políticas do Consenso de Washington. Essa nova estratégia seria também “uma retomada da ideia de nação no Brasil e nos demais países da América Latina”. Isso reafirma a importância da dimensão política do Estado-nação para o novo-desenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que se delineia a América Latina como área geopolítica de sua aplicação, seguindo a referência tradicional do pensamento estruturalista-cepalino (3).

Ao diferenciar entre o “velho” e o novo desenvolvimentismo, Bresser-Pereira repete o argumento da competitividade visto acima, mas desloca seu enfoque para a necessidade de adoção do modelo exportador seguido pelos países do Leste Asiático. Desse modo, o novo-desenvolvimentismo rejeita o protecionismo perene e o crescimento via demanda oriunda de um déficit público crônico. Para o autor, tais características do “velho” desenvolvimentismo não teriam sido defendidas por seus formuladores, Presbisch, Furtado e Ignacio Rangel, mas por seus epígonos. Já a “ortodoxia convencional” é definida como uma representação da “hegemonia ideológica dos EUA sobre o resto do mundo … na verdade, o braço e a fala do neo-imperialismo” (2006: 17).

O autor resume assim as diferenças entre a “ortodoxia convencional” e o novo-desenvolvimentismo quanto ao “tripé do desenvolvimento” (2006: 19):

“Ortodoxia convencional”:
Um país irá se desenvolver impelido pelas forças do mercado, desde que:

(1) mantenha a inflação e as contas públicas sob controle;

(2) faça reformas microeconômicas orientadas para o mercado;

(3) obtenha poupança externa para financiar seu desenvolvimento, dada a falta de poupança interna. 

“Novo-desenvolvimentismo”:
Um país se desenvolverá aproveitando as forças do mercado, desde que:

(1) mantenha a “estabilidade macroeconômica” (4);

(2) conte com instituições gerais que fortaleçam o Estado e o mercado e com um conjunto de políticas econômicas que constituam uma estratégia nacional de desenvolvimento;

(3) seja capaz de promover a poupança interna, o investimento e a inovação empresarial.

A dependência da poupança externa (déficit em transações correntes) deve ser evitada, e os ingressos de divisas decorrentes de investimento estrangeiro direto devem se destinar a atender a demanda cambial do investimento nacional no exterior ou para o aumento de reservas (ver também Bresser-Pereira, 2007, 2011). Para alcançar seus três objetivos, o novo-desenvolvimentismo deve (a) controlar as despesas e os déficits do governo, logrando uma poupança pública para financiar o investimento estatal; (b) dotar o Banco Central de um duplo mandato, adicionando ao controle da inflação o equilíbrio do balanço de pagamentos, e empregando, para tanto, dois instrumentos, a taxa de juros e a taxa cambial; e (c) administrar a taxa de câmbio de modo a dar competitividade às exportações e controlar as importações; os controles de capitais serão impostos quando necessário.

O grande ausente na literatura novo-desenvolvimentista é a ênfase na ampliação do mercado interno, um dos mais destacados pilares do estruturalismo cepalino. Essa ausência é contraposta pelo realce dado ao comércio externo e à competitividade internacional. Essa abordagem aproxima o novo-desenvolvimentismo do pensamento neoestruturalista presente na literatura da Cepal nos anos noventa, sendo justificada pela emergência de uma nova revolução tecnológica e da globalização (cf. Rodriguez, 2006: 377 et passim).

Notas:

(1) Esse argumento tem uma relação direta com as teses sobre a inadequação das políticas econômicas sugeridas pelos países capitalistas centrais (e pelas instituições multilaterais por eles controladas) para as economias periféricas, elaboradas por Amsden (2001, 2007) e Chang (2002).

(2) O terceiro discurso se opõe ao “primeiro discurso ortodoxo convencional” (do Consenso de Washington), “da direita neoliberal e cosmopolita”, e ao “segundo discurso da esquerda burocrático-populista” (Bresser-Pereira, 2006: 13).

(3) O recorte regional para a América Latina decorre da concepção cepalina de que essa região, devido ao seu processo histórico comum de formação econômica e de criação de seus Estados nacionais, possui uma singularidade própria, de natureza estrutural, caracterizada pelo desenvolvimento dependente.

(4) Ver o conceito de “estabilidade macroeconômica”, mais acima.