Saúdo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência pela iniciativa deste evento e agradeço à Fundação Maurício Grabois pelo convite para participar dessa mesa, que evoca o legado de um importante personagem da política brasileira do século XX.


Estas minhas breves palavras não são de historiador ou de biógrafo, mas de quem trabalhou com o Ministro Renato Archer e teve a oportunidade de testemunhar sua grande vocação de homem público.

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A característica que ressaltava de imediato em sua personalidade era o carisma. O Comandante Renato Archer, como costumava ser chamado (devido ao tempo em que serviu na Marinha), tinha uma grande capacidade de cativar seus interlocutores e de angariar apoios.


Sua trajetória política, sobre a qual outros falarão com mais propriedade, ilustra isso. Quando fui seu assessor no Ministério da Ciência e Tecnologia, entre 1985 e 1987, assisti às muitas articulações políticas que realizava, frequentemente acompanhado de Pedro Simon, Waldir Pires e do Dr. Ulysses Guimarães, bom amigo com quem mantinha relação de lealdade política inquebrantável.


Consciente de seu papel como quadro partidário, sabia sacrificar seu gosto pessoal à necessidade política. Foi o caso de sua saída do Ministério da Ciência e Tecnologia rumo ao Ministério da Previdência, maior em recursos e em influência, mas, para ele, menos atraente sob o ponto de vista do desafio intelectual.


O convívio com Renato era extremamente enriquecedor. Aprendia-se com suas qualidades não apenas na prática de negociações e decisões, como também pela riqueza de sua experiência. Recordo-me de ouvi-lo sobre as discussões com Juscelino, João Goulart e Lacerda para a Frente Ampla; sobre as ocasiões nas quais, em decorrência dessas atividades políticas, foi preso pelo regime militar, e depois cassado (embora estivesse muito longe de ser, na linguagem da época, um militante “subversivo”).


Renato Archer tinha, claramente, uma visão estratégica para o Brasil, na qual as políticas externa, de defesa, e de ciência e tecnologia, entre outras, integravam-se em prol do desenvolvimento nacional.
Sua experiência nessas áreas não foi pequena. Como deputado federal e colaborador na obra pioneira do Almirante Álvaro Alberto, bateu-se pelo desenvolvimento autônomo da capacidade brasileira de utilizar pacificamente a energia atômica. Feito representante do Brasil junto à Agência Internacional de Energia Atômica no fim dos anos 1950, opôs-se resolutamente aos projetos que importariam na internacionalização dos minérios brasileiros.


Como subsecretário parlamentar de San Tiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores no gabinete de Tancredo Neves, contribuiu para a execução da Política Externa Independente, um marco histórico da inserção soberana e universalista do Brasil no mundo.
Como primeiro titular da Pasta da Ciência e Tecnologia, organizou a estrutura do Ministério, conduziu a política de informática, criou um setor especializado em biotecnologia, promoveu a pesquisa em novas tecnologias e patrocinou o primeiro grande aumento de bolsas do CNPq, medida precursora do programa Ciência sem Fronteiras que constitui hoje uma das prioridades do Governo da Presidenta Dilma Rousseff.


A cooperação internacional na área de ciência e tecnologia, em que o assessorei diretamente, foi uma das prioridades de sua gestão. Ao mesmo tempo em que manteve laços históricos, como por exemplo com a França, diversificou nossas parcerias externas – decisão naturalmente tributária da lógica pluralista da Política Externa Independente. Com a Argentina, a cooperação nas áreas de informática e de biotecnologia ajudou a adensar a agenda que, mais tarde, daria vida ao Mercosul. Buscou parcerias inovadoras com países como Alemanha, Rússia e Japão.


Foi com a China que veio a surgir o fruto mais vistoso dessa política. Fizemos uma viagem a Pequim Archer, eu, Mauro Vieira, seu secretário particular (hoje Embaixador em Washington), Marco Antônio Raupp, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (hoje Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação) e Crodovaldo Pavan, presidente do CNPq. Foram exploradas várias áreas, e nasceu a idéia da construção conjunta de um satélite, que tornou-se realidade e veio a ser conhecido como o Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres, o CBERS.


Hoje em dia isso pode parecer corriqueiro, mas não havia nada de trivial em meados dos anos 1980 em ir à China para fazer um satélite! Durante muitos anos, esse foi o maior projeto de cooperação Sul-Sul do mundo (naqueles tempos, ao menos, a China era indiscutivelmente parte do Sul global).


Já que falamos do legado mas também da atualidade de Renato Archer, é justo observar a grande importância que ele teve tanto para o programa aeroespacial quanto para o programa nuclear brasileiro, incidentalmente duas dentre as três áreas que a Estratégia de Defesa Nacional define como estratégicas para a Defesa Nacional do Brasil no século XXI.


Gostaria de concluir com um comentário. Anos depois do meu tempo com Archer no Ministério da Ciência e Tecnologia, quando eu já ocupava o cargo de Chanceler do Governo Itamar Franco, voltamos a ter contato próximo já que ele presidia a Embratel. Falava-me com animação sobre a necessária independência do Brasil na área de telecomunicações. Pude constatar o mesmo entusiasmo pelo trabalho, a mesma dedicação integral à missão que lhe fora entregue. Ainda mais tarde, quando eu morava em Nova York, servindo na Missão do Brasil junto às Nações Unidas, conversei com Renato em sua condição de diretor do comitê que trabalhava pela realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro em 2004. Novamente percebi dedicação e entusiasmo.


Um de seus discursos na Câmara dos Deputados traduz de modo muito singelo e verdadeiro esse seu infatigável empenho patriótico. Ao defender-se de ataques desferidos por opositores de suas posições nacionalistas na área nuclear, afirma: “está claro, Sr. Presidente, que a força da verdade e a marcha do destino brasileiro não podem ser facilmente fulminados. E aqueles que se colocam na defesa dos legítimos interesses desse país têm de ver as suas ideias transformadas em ações, na medida em que expendem os seus pontos de vista com a devida compreensão dos rumos deste país”.
 

Para Renato Archer era natural que a combinação de razão e patriotismo resultasse em transformação, para melhor, da realidade brasileira. Creio que, ao lado das qualidades humanas de que todos os amigos nos beneficiamos, seja esta a herança mais inspiradora que nos deixou.


Brasília, 23 de julho de 2012