O Plano Marshall — Recuperação ou Guerra?
Os defensores do Plano Marshall alegam que ele é um programa para a recuperação mundial. Dizem que ele nos salvará de outra depressão. São estes os argumentos apresentados pelas várias pessoas encarregadas de convencer os sindicatos e o público em geral a aceitar o Programa de Recuperação Européia.
Acusam os comunistas de se oporem à recuperação mundial, motivo pelo qual se opõem ao Plano Marshall. É verdade que os comunistas, e muitos progressistas em todo o mundo, se opõem a esse programa. Mas a ele se opõem por que estão convencidos que acarretará uma crise econômica ainda mais séria, em lugar de evitá-la; porque ele serve aos interesses dos monopólios norte-americanos que procuram dominar o mundo; e porque nos levaria a guerra.
Esforços desesperados estão sendo feitos nos Estados Unidos e no estrangeiro para apresentar o Plano Marshall como um ato humanitário, destinado a auxiliar os povos famintos da Europa. Sob a pressão exercida pelo movimento do terceiro partido de Wallace, o presidente Truman procura apresentar o Plano Marshall como o único meio capaz de impedir a guerra e de assegurar a paz. Liberais e socialistas de direita, antigos adeptos de New Deal e grupos de dirigentes de sindicatos, voltando-se contra o movimento popular pró-Henry Wallace, procuram fazer aprovar o Plano Marshall como uma “política externa liberal”.
Muitas dentre essas pessoas não são inocentes políticos que se extraviaram no turbilhão e nas reviravoltas da política mundial. Nem podem alegar ignorância da verdadeira intenção do Plano Marshall. Se por acaso se deixaram ludibriar pela aparência de sinceridade do discurso pronunciado por Marshall na Universidade de Harvard em 5 de junho de 1947, no qual o Secretário do Estado oferecia assistência à Europa, já agora existem à mão, suficiente matéria oficial e suficiente evidência que lhes permitam apreciar o plano tal como ele é realmente.
I — Origem e Objetivos
Segundo os padrões correntes da oratória, o discurso de Marshall em Harvard pode ser considerado como moderado no tom, principalmente em comparação com o discurso da “doutrina” Truman pronunciado em março de 1947 e com os habituais discursos de tom “enérgico”. Algumas pessoas como Max Lerner, um dos editores do jornal PM de New York, e outros, que dividem os progressistas com seu apoio a Truman, descobriram no discurso de Marshall uma modificação básica da política da “doutrina” Truman. Querem nos convencer, mesmo agora, de que basta atentar para os nobres princípios enunciados por Marshall para se verificar a justeza básica do Programa de Recuperação Européia.
O Discurso de Harvard
Mas o discurso, ele próprio não nos oferece essa evidência. A única coisa nova no discurso foi a manobra tática empregada por Marshall. Esta consistiu na chamada maneira positiva de abordar o plano, salientando a “recuperação mundial”, a fim de evitar o protesto popular contra a doutrina Truman de apoio a regimes reacionários no estrangeiro e de descaso pelas Nações Unidas. Mas se observarmos com atenção o verdadeiro conteúdo do discurso de Harvard, verificaremos que ele deu início a um maior desenvolvimento da doutrina Truman, dotando-a com as modificações necessárias à sua aplicação na Europa Ocidental.
Marshall ofereceu assistência à Europa, com a condição de que “vários, se não todos os países europeus”, elaborassem em conjunto um programa de “recuperação” que fosse aceitável pelos Estados Unidos. Negou que seu oferecimento fosse contra qualquer país, tal como o fez Truman com sua “doutrina”. Asseverou que seu único propósito era a recuperação mundial, de natureza a “permitir o surgimento de condições políticas e sociais nas quais pudessem existir instituições livres”. A fim de não deixar a menor dúvida sobre o que realmente queria dizer ameaçou então “qualquer governo que manobre para impedir a recuperação” e “todos os governos, partidos ou grupos políticos que procuram perpetuar a miséria humana para dela se aproveitar politicamente, ou de qualquer outra forma”,
Essa era a discurseira habitual para intimidar e ameaçar a União Soviética, os novos estados populares da Europa Oriental e os comunistas e antifascistas em todo o mundo. Marshall não fez referências às Nações Unidas a respeito de seu plano de assistência. Não achou necessário explicar porque um plano para a recuperação mundial deve ser executado fora desse organismo, principalmente quando uma Comissão Econômica Européia das Nações Unidas, da qual eram membros a União Soviética e os países da Europa Oriental, já estava trabalhando nesse sentido, havia algum tempo.
Deveria ter sido óbvio para qualquer observador honesto, que o discurso de Marshall não significava uma súbita reviravolta na política, e sim o desenvolvimento e a continuação de toda a linha política que vinha sendo seguida pelos Estados Unidos. A este respeito, devemos ter em mente certas datas porque elas revelam muitas coisas acerca da origem dos objetivos do Plano Marshall.
O Plano Marshall desenvolveu-se de sua forma embrionária para seu completo amadurecimento, no período compreendido entre as duas conferências dos ministros do exterior das Quatro Grandes Potências sobre o tratado de paz com a Alemanha. A primeira realizou-se em Moscou, em março de 1947, e a segunda, em Londres, em novembro, dezembro do mesmo ano. Ao se instalar a Conferência de Moscou, o Presidente Truman apresentou sua mensagem ao Congresso, em 12 de março de 47, conhecida como a doutrina Truman. Proclamou ao mundo que a política estabelecida pelos Estados Unidos tem como objetivo barrar o comunismo em toda parte e apoiar os chamados governos livres. Escolheu como principais exemplares de “liberdade”, o regime monarco-fascista da Grécia, que foi imposto pelas baionetas britânicas, e o governo feudal da Turquia que se manteve “neutro” em favor de Hitler durante a guerra. Como se esperava, a mensagem do presidente Truman fez com que a Conferência de Moscou terminasse num impasse.
A primeira versão oficial do Plano Marshall foi submetida por Truman ao Congresso, em 19 de dezembro de 47, imediatamente após o fracasso da Conferência de Londres. Que essa conferência terminaria em fracasso, era coisa sabida de antemão, porque o Plano Marshall estava sendo preparado como alternativa, como o oposto direto à política de acordo entre os Quatro Grandes. De fato, o Plano Marshall destinava-se a substituir todos os acordos do tempo de guerra pela ação unilateral dos Estados Unidos, que assegurasse os objetivos dos imperialistas. Isto foi inteiramente provado pelos acontecimentos e comprovado pela evidência apresentada por vários políticos oficiais proeminentes.
Um mês antes de Marshall falar em Harvard, o Secretário de Estado Assistente, Dean Acheson, pôs à prova pela primeira vez o novo programa. Falou em Cleveland, Mississipi, perante o Conselho do Delta formado pelos maiores proprietários de plantações e fabricantes de algodão no Sul. Acheson propôs abertamente que a Alemanha e o Japão fossem reconstruídos como centros de “recuperação” na Europa e na Ásia. Essa declaração atrevida foi atenuada com o chamado Plano Continental para a recuperação européia, de caráter de “auxílio mútuo” e “cooperação”, que mais tarde transformou-se no tema do Plano Marshall.
Como informou a imprensa na ocasião, o discurso de Acheson foi resultado de cuidadosas deliberações dos altos círculos de Washington por ocasião da volta de Marshall da Conferência de Moscou. Essa foi a primeira declaração aberta do Plano Marshall, que o general-diplomata mais tarde envernizou em Harvard, tendo o cuidado de omitir referência à reconstrução da Alemanha e do Japão, como o centro de seu programa de “recuperação mundial”. Ninguém que ocupe cargos administrativos quer agora relacionar o Plano Marshall ao discurso de Dean Acheson. Foi considerado muito mais razoável retirar este último de seu posto no Departamento de Estado e transferi-lo para o negócio lucrativo de advogado de corporações.
Entre as alas Democráticas e Republicanas do “team” bi-partidário, houve pequena diferença no desenvolvimento da política principal, depois do impasse da Conferência de Moscou. Em maio, Herbert Hoover, em carta dirigida ao deputado Tabor, manifestou-se abertamente por uma paz em separado com a Alemanha Ocidental e o Japão. A conferência em Moscou mal terminara e já o senador Vandenberg declarava:
“Não podemos esperar muito por um programa de paz que una ao menos os que possam chegar a acordo”,
Byrnes “Fala Francamente”
Essa era também a tendência principal de pensamento dos círculos administrativos conforme revela James F. Byrnes em seu livro Falando Francamente, publicado às vésperas da Conferência de Londres. Ninguém está em melhor posição do que o ex-Secretário de Estado para revelar a essência da política efetuada, pelo Plano Marshall. Devido à sua posição oficial, abaixo apenas do presidente, teve papel destacado, nos primeiros anos cruciais de após-guerra, na reversão da política de Roosevelt. É a Byrnes que cabe a “honra” de ter violado o acordo de Potsdam sobre a Alemanha, em seu discurso pronunciado em Stuttgart, em setembro de 1946, em que denunciou esse acordo como um fracasso e propôs a fusão das zonas americanas e britânicas na Alemanha. Desse livro ressalta clara a maneira porque essa política é conduzida a fim de conseguir o controle da indústria pesada no Ruhr para os monopolistas norte-americanos. Em torno desse arsenal deverá ser construído um bloco Ocidental da Europa sob a dominação de Wall Street. É esta a razão por que a política oficial, como o revela Byrnes, se opõe ao controle quadripartite do Ruhr, das reparações e da socialização da indústria. Ele se expressa muito claramente: “O controle das indústrias alemãs deve ser devolvido aos seus antigos proprietários” — os homens que levaram Hitler ao poder.
Embora seu livro tenha sido publicado cerca de dois meses antes da Conferência de Londres, e certas partes do mesmo tenham aparecido ainda mais cedo nos jornais, Byrnes escreveu como se o fracasso de Londres fosse conhecido de antemão. Ele propôs uma conferência de paz alemã, em princípios de 1948, embora soubesse perfeitamente que essa conferência teria que se realizar sem a presença da União Soviética e dos países da Europa Oriental. Para dar uma aparência de boa fé e de justiça, insistiu para que a União Soviética fosse convidada, mas caso esta se recusasse a comparecer, uma paz separada deveria ser concluída com um estado da Alemanha Ocidental resultante da fusão da zona francesa com a bizona anglo-americana. Em seguida deveria ser exigido que todas as tropas fossem retiradas da Alemanha. Se a União Soviética se recusasse, os Estados Unidos teriam que recorrer ao Conselho de Segurança para obrigar a URSS a se retirar. Os Estados Unidos tornariam claro a todos os interessados que “empregariam todos os esforços para apoiar a ação das Nações Unidas”.
Como comentou o Times de Londres, isto é, “um pouco melhor do que uma simples receita de guerra” (16 de outubro de 1947).
O que já aconteceu é suficiente para demonstrar que a política descrita por Byrnes em seu livro é de fato uma política atuante, embora sua aplicação venha sendo consideravelmente retardada pela resistência das forças democráticas em todo o mundo. Em conseqüência de um novo acordo anglo-americano efetuado em fins de 1947, os Estados Unidos obtiveram posições dominantes em todas as agências econômicas da bizona alemã em troca do fornecimento de alimentos para as zonas ocidentais. Um outro acordo, firmado em janeiro de 1947, transformou a fusão econômica praticamente numa fusão política. Também se estavam efetuando negociações para incorporar a zona francesa a um novo estado caudatário.
Essa linha geral da política dos Estados Unidos foi oficialmente confirmada por Marshall, em sua irradiação depois do fracasso da Conferência de Londres, quando disse:
“Não podemos esperar uma Alemanha unificada atualmente. Devemos agir da melhor maneira que pudermos na área em que for possível exercer nossa influência”.
Outra informação oficial e antecipada sobre as origens e o espírito da “doutrina” Truman e do Plano Marshall foi fornecido por “Mr. X” (desde logo identificado como George Kennan, presidente do Comitê Político do Departamento do Estado), num artigo publicado em julho de 1947 na revista Foreign Affairs. Kennan iniciou suas atividades como técnico sobre a Rússia e o comunismo soviético, na fábrica de mentiras de Riga, Letônia, que inundou o mundo com suas histórias fantásticas de nacionalização de mulheres e outros “horrores” do bolchevismo durante os dias da Revolução Russa e nos primeiros tempos da República Soviética.
De qualquer maneira, suas idéias atuais, que refletem o pensamento do Departamento de Estado, têm pelo menos a virtude da simplicidade, embora lhes possa faltar uma verdadeira compreensão dos assuntos internacionais. Segundo sua opinião, e colapso interno da União Soviética seria praticamente certo se ela pudesse ser isolada por um período de 10 a 15 anos “através da aplicação hábil e vigilante de uma contra-ofensiva em uma série de pontos geográficos e políticos constantemente renovados”. Segundo seu ponto de vista, os vários problemas e fraquezas do sistema soviético terminariam em colapso total.
“Mr. X” parece não se preocupar absolutamente com o fato de que essa política já foi experimentada nos últimos trinta anos, em que se tentou toda espécie concebível de “aplicação de contra-ofensiva”, desde o isolamento político e do bloqueio econômico, até a intervenção militar aliada e a invasão hitlerista. Acha, naturalmente, que toda a responsabilidade pela execução de uma política fracassada deve ser agora assumida pelos Estados Unidos. De fato, diz ele, os Estados Unidos estão obrigados a aceitar “as responsabilidades da liderança moral e política que a História claramente lhes destinou”.
Com esses conceitos de “raça eleita”, tão semelhantes às teorias dos Herrenvolk de Hitler, nossos políticos parecem acreditar que basta apenas anunciar a liderança norte-americana para que todos os povos do mundo corram a se abrigar sob a proteção do salvador. Infelizmente, mesmo segundo as opiniões de “Mr. X”, os países capitalistas grandemente abalados, têm que ser apoiados, durante uns 10 ou 15 anos, não contra a alegada investida do comunismo soviético, mas contra suas próprias fraquezas e crises internas e contra os clamores de seus próprios povos por segurança. Esta é a tarefa que se espera que o Plano Marshall possa cumprir.
Mas a evidência revela que o Plano Marshall é a extensão da política que se vem desenvolvendo desde o término da guerra. Destina-se a apressar todos os acordos de após guerra, a dividir permanentemente a Alemanha e a transformar o Ruhr na base principal dos monopólios norte-americanos na Europa.
II — A Doutrina e o Plano
Os próprios acontecimentos demonstram que o Plano Marshall põe em prática, a “doutrina” Truman. Mesmo durante o período preliminar, antes da apresentação da versão oficial, o Plano Marshall já atuava efetivamente, como uma forma de pressão reacionária sobre a Europa. Os liberais da ala direita da Associação dos Americanos pela Ação Democrática são pelo menos conseqüentes quando apóiam tanto a “doutrina” Truman como o Plano Marshall, reconhecendo seus propósitos idênticos. Mas outros, que manifestam pendores esquerdistas, como Lerner, apóiam o Plano Marshall porque afirmam que ele representa uma melhora progressista sobre a “doutrina” Truman. Não só omitem todo o conteúdo da política reacionária em que se desenvolveu o programa, mas não enxergam nem mesmo os acontecimentos que se desenrolam diante de seus olhos. Esses acontecimentos demonstram que o Plano Marshall destina-se a obter os mesmos resultados na Europa Ocidental que a “doutrina” Truman procura conseguir na Grécia e na Turquia, e que a intervenção dos Estados Unidos espera da China. No livro de Byrnes, ele revela algo sobre as táticas empregadas na apresentação do Plano Marshall. Diz ele que o programa surgiu como resultado de discussões entre os delegados norte-americanos em sua viagem de volta da Conferência de Moscou. Parece que a bravata da “doutrina” Truman e os medidas beligerantes tomadas pelos Estados Unidos na China, na Grécia, e no Mediterrâneo, não haviam de maneira alguma “amedrontado” os russos. Por outro lado, provocou grandes protestos e oposição dentro dos Estados Unidos e em outros países. A “doutrina” Truman assemelha-se demais aos “slogans” empregados por Hitler. As viagens triunfais de Henry Wallece pela Europa e nos Estados Unidos, demonstraram a vontade dos povos de se aliarem contra a política agressora. Ao mesmo tempo, a “doutrina” Truman, não oferecia o menor pretexto plausível aos socialistas da ala direita na Europa e aos seus irmãos nos Estados Unidos, para empenhar seu apoio ao plano imperialista. Consequentemente, como foi acentuado nas conversações relatadas por Byrnes, tornava-se necessária uma “aproximação positiva”. A idéia da “recuperação mundial” com o auxílio americano deveria ser aliada a uma campanha anticomunista mais intensiva.
Os resultados práticos dessa política já se estão fazendo sentir. A expulsão dos Partidos Comunistas dos gabinetes ministeriais da França e da Itália foram as vitórias preliminares do Plano Marshall. Isso foi feito sob a pressão direta do governo dos Estados Unidos, como pagamento adiantado dos empréstimos já concedidos à França e à Itália, e dos empréstimos prometidos pelo Plano Marshall. E os acontecimentos já revelam que a intervenção americana está fazendo reviver nesses países os elementos fascistas.
Introduzindo De Gaulle
Que espécie de “recuperação” essa política poderá efetuar é demonstrada pelos acontecimentos na França. Em novembro de 1947 manifestou-se uma grande greve de três milhões de trabalhadores franceses — uma defesa poderosa e audaz de seu padrão de vida e da independência nacional contra a intervenção norte-americana. Já se ouviam rumores surdos do irrompimento de uma guerra civil contra o povo francês, à moda da Grécia. O verdadeiro caráter dos círculos da ala direita socialista e dos reacionários franceses e norte-americanos foi revelado por C. L. Sulzberger numa reportagem enviada de Paris para o New York Times. Lembrava ele que em “janeiro de 1919, Gustave Noske (líder social-democrata) salvou a democracia na Alemanha por mais 14 anos por uma ação rápida e firme, atirando sobre a multidão extra-legal” (22 de novembro de 1947).
Parece que esta linha de ação estava sendo seriamente considerada. O mesmo correspondente sintetiza o que ele define como “a opinião unânime da diplomacia em Paris” — significando sobretudo a opinião da Embaixada Americana — da seguinte maneira:
“Porque a verdadeira batalha sobre o Plano Marshall está agora no auge, os acontecimentos terão que suceder uns aos outros até que Charles De Gaulle suba ao poder.”
E esta não era apenas a opinião dos círculos intervencionistas e reacionários locais. John Foster Dulles, o político Republicano dos cartéis deixou a conferência das quatro potências que se realizava em Londres para intervir diretamente na situação francesa. Ás vésperas de sua partida de Londres, num estilo muito semelhante às negociações nazistas com a França, manifestou-se pela exclusão dos comunistas da vida política por não considerá-los “um partido político francês”. Dulles, naturalmente, considerava ter o direito inquestionável de se imiscuir na política francesa, embora não seja nem ao menos cidadão francês. E como Abtz, ou qualquer outro Gauleiter nazista, advertiu a França contra piores conseqüências:
“Uma catástrofe na França, como ele designava o possível sucesso da greve geral, seria semelhante à debacle francesa de 1940 que despertou toda a América para o perigo nazista”.
Com esses comentários preliminares Dulles foi a Paris. Então não perdeu tempo em entrevistar os dirigentes do governo, inclusive os socialistas da ala direita, como Blum e Jouhaux. Sua principal entrevista foi com De Gaulle, a fim de assegurar o seu apoio à política de garantia de controle de Ruhr pelos monopólios norte-americanos e de um bloco ocidental.
Isto foi esclarecido por Drew Middleton, correspondente do New York Times, que escreveu de Londres, depois que Dulles voltou de sua missão na França, que havia sido conseguido um acordo entre Dulles, De Gaulle e vários outros luminares do governo francês. Segundo Middleton, o acordo previa o controle do Ruhr, conforme o chamado plano francês de “internacionalização”, que significa a exclusão da União Soviética e o controle conjunto, por uma espécie de cartel, dos trustes britânicos, franceses e norte-americanos, sob a dominação dos últimos. O acordo parece que também previa a ocasião oportuna para a fusão da zona francesa com a anglo-americana, e um plano para a estruturação, de um estado alemão ocidental separado. (New York Times de 9 de dezembro de 1947).
Segundo James Reston, correspondente do Times estacionado em Washington, junto ao Departamento de Estado, o acordo efetuado por Dulles recebeu a calorosa aprovação dos círculos oficiais. Além disso, disse ele, duvidava-se muito em Washington que o auxílio econômico fosse suficiente para conduzir completamente a França para a órbita do bloco reacionário. Na sua opinião, havia em Washington uma forte tendência para o apoio militar aos governos da França e Itália contra os comunistas, bem como para o auxílio financeiro direto aos partidos anti-comunistas (New York Times de 5 de dezembro de 1947)
Pouco tempo depois que Dulles se avistou com os socialistas franceses e com seu líder Jouhaux, os socialistas dividiram os sindicatos franceses, e formaram sua própria central anti-grevista, a “Força Operária”.
Se o objetivo de incitar De Gaulle a se apoderar do poder não se realizou foi devido a firme resistência dos trabalhadores franceses que obtiveram várias de suas reivindicações econômicas e fizeram ver ao povo francês o perigo da intervenção.
A Grécia, a China e o Programa de Recuperação Européia
Qual então, a diferença entre a “doutrina” Truman na Grécia e o Plano Marshall na França? Mesmo as diferenças do tom e de métodos começam a desvanecer-se. De outro lado o Plano Marshall não está de maneira alguma atenuando a aplicação da “doutrina” Truman na Grécia, como seria de esperar se fosse exato que ele representa uma melhora sobre essa “Doutrina”.
Em seu primeiro relatório sobre o auxílio à Grécia e à Turquia, apresentado em 10 de novembro de 1947, o presidente Truman foi forçado a fazeruma confissão surpreendente. Foi obrigado a admitir, apesar dos propósitos que proclamara em março de 1947, que o situação econômica na Grécia não havia melhorado. Ainda mais, teve que comunicar o agravamento geral da situação militar, apesar do trabalho da missão militar norte-americana na Grécia, apesar dos grandes carregamentos de munições fornecidos pelos Estados Unidos, apesar da ação terrorista contra os comunistas e outros patriotas gregos. Além disso, teve que confessar que tinha poucas esperanças no sucesso imediato do programa.
E como propõe ele melhorar a situação? Com a redução, por acaso do auxílio militar, e apoiando sobretudo a reconstrução e a recuperação? O presidente Truman nos informa que as disponibilidades para o exército grego foram aumentadas com prejuízo do programa civil! A Resposta à inflação e à profunda crise econômica na Grécia é a intensificação da guerra civil! Truman desmascara assim sua própria “doutrina”. Até os precários adornos da “recuperação” da “doutrina” Truman seriam sacrificados por sua arma principal: a intervenção militar.
Nisto o presidente prova ser um homem de palavra, embora esqueça tão rapidamente suas promessas quando se trata de reforma social. O auxílio adicional norte-americano foi rapidamente arranjado para aumentar a força do exército grego. Oficiais norte-americanos entram em campo contra o exército patriótico do Governo Livre do General Markos. Mais marinheiros dos Estados Unidos, com equipamentos de guerra, foram despachados para o Mediterrâneo em barcos de invasão. Foi decretada a pena de morte na Grécia para os grevistas.
E, para cúmulo de tudo isso, em 15 de fevereiro de 1948, a respeito de seu segundo relatório sobre a Grécia, o presidente Truman comunicou que brevemente pediria ao Congresso fundos adicionais para a intervenção na Grécia e na Turquia. Ao mesmo tempo, o chefe da Missão Militar dos Estados Unidos tornou-se membro do Conselho de Defesa Nacional da Grécia, fazendo dos Estados Unidos um participante oficial da guerra civil, juntamente com os fascistas gregos. Por enquanto, suprimentos militares, auxílio naval, e oficiais norte-americanos no caráter de instrutores. Quanto tempo decorrerá até que requisitem intervenção em larga escala na forma de um exército norte-americano?
O Plano Marshall, a “doutrina” Truman e a política realizada na China, fundem-se numa única campanha intervencionista e expansionista. Os dirigentes Republicanos já vêm, há algum tempo, insistindo para que se aumente a intervenção na China a fim de equipara-la à intervenção na Europa. Aliás, Chiang Kai Chek já recebeu mais auxilio dos Estados Unidos do que a soma total projetada para o primeiro ano de Plano Marshall na Europa. E em 18 de fevereiro de 48, três dias depois de ter pedido fundos adicionais para a Grécia, o presidente Truman solicitou ao Congresso mais 570 milhões de dólares para a China, além do envio de aviões, munições e outros suprimentos tirados dos excedente», do exército americano.
Na nova proposta presidencial de auxílio para a China, desvanecesse a última distinção entre as várias fases da política intervencionista A última assistência de “emergência” à China, deverá ser administrado pela mesma agência que administrará o Programa de Recuperação Européia, segundo o presidente Truman.
Não existe diferença essencial entre a “doutrina” Truman e o Plano Marshall quanto aos seus objetivos principais. A Grécia já nos deixa antever o que o Plano Marshall causará à França e a outros países, se permitirmos que ele progrida muito mais. Quando os comunistas se opõem a esse Plano Marshall, não estão se opondo à recuperação mundial, mas lutando para salvar o mundo do caos e de uma nova guerra ,
III — Quem Dividiu a Europa?
Tentando justificar a acusação de que os comunistas se opõem à recuperação do mundo e por esta razão combatem o Plano Marshall dizem os defensores desse Plano que a União Soviética não quis aceitar o oferecimento de auxílio provocando a divisão da Europa. Vale a pena examinar os acontecimentos a fim de verificar se são exatas essas acusações.
“A Oeste da Ásia”
O discurso de Marshall na Universidade de Harvard, deveria ser o sinal para que o programa começasse a funcionar na Europa. Passada toda uma semana do discurso nem uma única capital européia havia respondido. Então, segundo dizem, por insistência de Ernest Bevin, Ministro do Exterior do Governo Trabalhista Britânico, Marshall asseverou, numa entrevista com a imprensa, que o plano se aplicava a todos os países “a oeste da Ásia”. Essa nota adicional destinava-se a desfazer a impressão óbvia e deliberada causada por Marshall em seu discurso, de que a União Soviética seria excluída. Sua frase “a oeste da Ásia” foi então interpretada como um convite à União Soviética, mas um convite de tipo especial. Como escreveu o correspondente do New York Times, em. Paris, a 18 de junho de 1947, suspeitava-se em geral, “que o objetivo era abrir-se uma porta à Rússia que Washington tinha a certeza que ela não transporia”.
Mas, esse era o truque que Bevin e os socialistas do Gabinete Francês necessitavam para lançar o Plano Marshall, devido à grande desconfiança em relação aos objetivos expansionistas norte-americanos, e à oposição de todos os povos a um bloco anti-soviético. Aproveitando-se da oportunidade do “Oeste da Ásia”, Bevin agarrou-se a esse galho tecendo os maiores elogios ao Plano Marshall, comparando aos nossos próprios Bunker Hills e Yorktowns, embora nenhum detalhe do plano fosse conhecido. Correu então para Paris, onde, justamente com o Primeiro Ministro Socialista, Ramadier, conseguiu convencer os governos Britânico e Francês a aceitar incondicionalmente o Plano Marshall — apesar de não existir um plano concreto especificando quantias e termos, Com esta grande realização a seu crédito, Bevin, e Bidault, Ministro do Exterior da França, em meio a muito cinismo e desdém, “convidaram” Molotov a se reunir a eles em Paris — dentro de uma semana no máximo — para discutir o programa.
A fim de animar Molotov, Bevin declarou no Parlamento, durante uma rápida viagem a Londres, enquanto esperava a resposta soviética, que ele estava disposto a “organizar esse negócio” com rapidez, sem se incomodar com “sutilezas, ou processos ou termos de referência”. Isto era um flagrante desafio aos russos que, não são de moldes a comprometer seu próprio país, ou os dos outros, incondicionalmente, com um plano cujos detalhes não eram conhecidos.
Então, para grande consternação das capitais ocidentais, Molotov aceitou o convite para conferenciar. Levou consigo para Paris, 89 técnicos em economia, para discutir seriamente a reconstrução da Europa, Na nota em que aceitava o convite, o governo soviético declarou: “A tarefa primordial dos países europeus é a mais rápida reabilitação possível e o maior desenvolvimento de suas economias nacionais esfaceladas com a guerra”, uma tarefa que devia é podia ser “facilitada com o auxílio dos Estados Unidos”. Foi também notado que nem a quantia, nem os termos do oferecimento de Marshall haviam sido comunicados a Moscou, aspecto esse que precisava ser esclarecido. Assim, a União Soviética não se opunha nem à reconstrução européia, para a qual já contribuirá consideravelmente na forma de fornecimento de alimentos e materiais, nem rejeitava a possibilidade de assistência econômica norte-americana, desde que esta não atingisse a soberania dos países contemplados.
Tudo indicava que houve um acordo prévio entre os governos britânico, francês e norte-americano antes mesmo de Molotov ter uma oportunidade de apresentar o ponto de vista soviético. A conferência dos três ministros do exterior foi aberta com a apresentação da proposta britânica. A esse respeito escreveu, a 29 de junho de 1947, o correspondente em Paris do New York Times:
“Sua característica principal é a maneira com que se conforma com as sugestões apresentadas pelo Embaixador dos Estados Unidos na Grã Bretanha, Lewis W. Douglas, em seu discurso pronunciado quinta-feira na Câmara do Comércio Americana em Londres. As propostas britânicas igualmente se enquadram tão bem nas sugestões que têm chegado de Washington, que se é forçado a supor que foram em parte baseadas nas conversações realizadas em Londres com William L. Clayton, Sub-Secretário de Estado, antes do partida de Mr. Bevin para esta cidade. Finalmente, o plano britânico se enquadra perfeitamente nas propostas francesas apresentadas por Bidaut e, portanto, alinha os dois países contra a União Soviética” (New York Times, 29 de junho, 1947).
A Posição de Molotov
As divergências básicas que dividiram a conferência giraram em torno do seguinte problema: deveriam os nações européias ser reconstruídas como estados soberanos, ou sob condições estabelecidas pelos Estados Unidos? Molotov propôs uma fórmula que preservaria a independência nacional dos países auxiliados. Insistiu para que cada país calculasse o que precisava, de acordo com seus próprios planos de reconstrução, e indicasse qual a assistência adicional que necessitava do estrangeiro, A conferência européia conseguiria então créditos dos Estados Unidos. Dessa maneira ele esperava que se desenvolvesse a cooperação entre todos os países europeus, bem como entre eles e os Estados Unidos, numa base de igualdade e soberania,
Bevin e Bidault rejeitaram essa fórmula, incontinente. Em seu lugar insistiam sobre a aprovação de seu próprio plano, que obviamente já havia sido sancionado pelo governo norte-americano. Vale a pena recordar a crítica de Molotov a esse plano porque os argumentos que ele apresentou em julho de 1947 foram confirmados pelos acontecimentos. Ele acusou os governos britânico e francês de procurar impor um diretório econômico aos países europeus e por cima dos mesmos, na forma sugerida pelo Comitê Steering, agora chamado Comissão Executiva do Comitê da Cooperação Econômica da Europa, Disse que a Grã Bretanha e a França dominariam esse comitê, que iria inevitavelmente interferir nos negócios internos de todos os países membros do plano. Adotando uma política de dependência primordial a empréstimos estrangeiros, em lugar de contar com os recursos internos e os esforços próprios de cada país, a Grã Bretanha e a França, denunciou ele, dariam aos Estados Unidos uma posição dominante nos negócios da Europa,
Outra objeção importante feita por Molotov à fórmula anglo francesa, referia-se ao seu plano de utilizar os recursos alemães antes da questão da Alemanha ter sido resolvida pelos Quatro Grandes e antes de terem sido pagas as reparações devidas. Em sua opinião, os países que mais sofreram com a agressão hitlerista deveriam receber prioridade em todas as formas de auxílio, particularmente na utilização dos produtos industriais alemães. Contrariamente, como ele indicou, o Plano Marshall estava sendo elaborado sobre a base da partilha da Alemanha em lugar de uma Alemanha democrática, unida, que poderia tornar-se um membro da família européia de nações. Finalmente, advertiu que o Plano Marshall provocaria a divisão da Europa e que os créditos norte-americanos seriam utilizados para levantar uma parte da Europa contra a outra.
Preveniu a Grã Bretanha e a França contra as terríveis conseqüências que elas próprias sofreriam se seguissem essa política, com o que queria se referir ao perigo para essas nações de perder sua própria independência nacional e sua posição mundial como resultado de se terem submetido ao programa expansionista de imperialismo norte-americano
Assim, não tem base o argumento de que a União Soviética rejeitou o Plano Marshall porque se opunha à reconstrução da Europa ou do mundo, ou porque rejeitasse precipitadamente um oferecimento de assistência econômica norte-americana. Opôs-se ao Plano Marshall porque este visava não a recuperação da Europa, mas sua dominação pelo imperialismo norte-americano, porque visava a reconstrução da base do capitalismo monopolista alemão, no ocidente, e a divisão da Europa em dois campos opostos.
Criticas semelhantes foram feitas pelas nações européias menores, na conferência que foi convocada às pressas em Paris, para 12 de julho de 147, dez dias depois do fracasso dá reunião dos ministros do exterior da Grã Bretanha, França, e União Soviética. Os países escandinavos e a Suíça insistiram sobre a salvaguarda da soberania nacional sob o Plano Marshall e exigiram garantias de que não seria formado um bloco anti-soviético. Confirmando as previsões de Molotov, o Comitê de Cooperação Econômica Européia instalado nessa Conferência de 16 nações da Europa ocidental, é dominado por uma comissão executiva composta de cinco países e liderada pela Grã Bretanha e pela França que podem assim impor sua política aos demais. Confirmando ainda os piores temores a respeito de Plano Marshall, o programa aprovado em Paris determinava a realização de negociações com o governo militar anglo-norte-americano na Alemanha com o propósito de trazer d Alemanha Ocidental, como uma entidade separada, para o programa de “recuperação” europeu.
É preciso ter-se em mente que o oferecimento norte-americano havia sido feito na base do “auxílio mútuo” europeu. De fato, Bevin e Bidault, juraram por tudo neste mundo, nas conferências de Paris, e em vários discursos, que nem eles, nem os Estados Unidos tinham a menor intenção de intervir nos negócios internos de qualquer país.
Na conferência das dezesseis nações, em que foi aceito o Plano Marshall e em que foram organizados comitês para redigir relatórios aos Estados Unidos, expondo suas reivindicações, a intervenção direta norte-americana foi tão óbvia que não pôde ser negada. Durante a conferência foi estabelecido em Paris um escritório norte-americano, chefiado peio sub-Secretário de Estado, Clayton. Um triunvirato de embaixadores americanos trabalhava com ele: Douglas, Caffery e Murphy, enviados, respectivamente, da Grã Bretanha, França e do Governo Militar Aliado na Alemanha. Mantinham constantemente negociações com as nações que participavam da conferência. As minute; dos relatórios elaborados pela conferência de Paris foram-lhes submetidos antes de redigidos em sua forma final. Devido à sua insistência a estimativa de auxílio requerido do estrangeiro foi. reduzida de vinte e nove bilhões de dólares em quatro anos, para vinte e dois bilhões, e muitas outras modificações foram feitas em prejuízo da expansão da indústria européia e do nível de vida dos povos da Europa.
Do momento que esse governos europeus se colocaram à mercê dos Estados Unidos, concordando antecipadamente com as concessões de auxílio, cujos termos e condições não podiam ser senão onerosos, já haviam sacrificado uma boa parte de sua independência.
Se ainda restavam algumas ilusões sabre os propósitos “humanitários” do Plano Marshall, as viagens “em comissão” dos congressistas norte-americanos para a Europa devem ter aberto os olhos de muito-; europeus. Pelo menos metade do Congresso norte-americano arrumou suas malas e partiu para uma visita à Europa Ocidental, que deve ter feito os turistas hitleristas pareceram crianças de colégio. Esses nobres senadores e deputados não hesitaram em esmiuçar todos os aspectos de governo e assuntos econômicos, nem em expressar suai opiniões arrogantes sobre sua vida política e social. Um senador norte-americano aconselhou o governo italiano a empregar metralhadoras contra os “vermelhos” e outros expressaram opiniões semelhantes na França. Isso foi uma “prova” da espécie de tratamento que se poderá esperar dos agentes norte-americanos que perambularão pela Europa sob a proteção do Plano Marshall, quando começar a ser aplicado.
Uma tal humilhação completa de nações só foi excedida pela “Nova Ordem” de Hitler na Europa. Se o povo americano se tornar insensível a essa espécie de coisas, e à degradação de nações inteiros pelos imperialistas ianques, então também teremos perdido nosso direito de nação independente e democrática.
Como se pode ver por este breve relato, toda a manobra de Marshall foi levada a efeito com extrema rapidez. Um mês depois do discurso de Marshall em Harvard, um bloco potencial anti-soviético de nações da Europa Ocidental se havia reunido numa conferência em Paris. Como Bevin declarou, “a rapidez era essencial” — principalmente porque restavam apenas alguns meses para a conferência dos Quatro Grandes, programada para tratar da questão alemã em Londres. Era necessário apressar a elaboração do programa que substituía o Acordo de Potsdam, a fim de erguer a estrutura de uma política inteiramente oposta, que fosse efetuada ser a participação da União Soviética e dirigida contra esta.
A Europa Oriental
Indubitàvelmente um dos objetivos da manobra de Marshall durante sua fase inicial foi o de separar as democracias da Eu topa Oriental da União Soviética, na esperança de que a situação política desses países pudesse transformar-se, e de que o velho cordão hostil pudesse ser restabelecido nas fronteiras do estado soviético Esta fase de Plano Marshall teve fracasso prematuro e completo. Em um ou dois países houve certa confusão devido à rapidez dos acontecimentos Mas foi apenas uma questão de dias até que os Estados da Europa Oriental rejeitassem o convite. Tinham boas e suficientes razões próprias para fazê-lo. Esses países já haviam realizado a virada decisiva pura a extirpação do capitalismo, e estabelecido a base para sua marcha para o socialismo. Todos eles tinham seus próprios planos de reconstrução e recuperação para a fundação da nova sociedade que estavam criando. Planos de dois, três e cinco anos lá estavam sendo executados, sendo seu principal objetivo o rápido desenvolvimento de suas economias dentro dos princípios do socialismo. É verdade que eles necessitavam então, e ainda necessitam hoje, de toda sorte de assistência estrangeira que os auxilie e estabelecer uma indústria moderna e os aprovisione com as matérias primas necessárias. Mas não planificam sua reconstrução na base primordial do auxílio estrangeiro; este é considerado um suplemento aos seus próprios esforços.
Apóiam-se fundamentalmente nas grandes energias criadoras de seus povos desenvolvidas pela revoluções havidas em seus países, Apóiam-se uns nos outros e na União Soviética quanto à assistência econômica da natureza a estimular seu desenvolvimento progressivo São os últimos a fechar as portas ao intercâmbio numa base comercial com a Europa Ocidental e os Estados Unidos. Mas certamente não aceitarão o auxílio estrangeiro ao preço. de minarem suas novas sociedades, de restaurarem em seus países o jugo imperialistas e de serem arrastados a uma combinação contra a União Soviética. Por estas razões não demoraram a perceber os perigos inerentes ao Plano Marshall, e a rejeitá-lo como uma ameaça ao seu próprio progresso e independência futuros.
Os povos que acabaram de emergir da escravidão fascista, que lutaram tão valentemente por sua libertação nacional, e que “sacudiram até os céus” com revoluções que estão reconstruindo suas terras, não são facilmente enganados, quer pela chantagem da bomba atômica, quer pelas seduções mais sutis do Plano Marshall.
IV — Termos e Condições
No fim de 1947 as características específicas do Plano Marshall tomaram forma. Até então, mesmo os países que o haviam subscrito permaneciam no escuro quanto ao que iriam receber dos Estados Unidos.
Vários comitês haviam sido formados pelo presidente Truman para preparar as medidas. O mais importante deles era o Comitê do Presidente sobre Assuntos Estrangeiros, sob a presidência de W, Averell Harriman, Secretário do Comércio. Do Comitê também faziam parte, justamente com chefes de corporações e alguns professores, James B. Carey do CIO e George Many, do AFL, que se tornaram logo ativos na campanha de defender o programa perante os trabalhadores nacionais e estrangeiros. A maior parte das recomendações desse Comitê, bem como as dos outros, foi resumida pelo presidente em sua Mensagem ao Congresso, em 19 de dezembro de 1947, e incorporada no projeto da Administração apresentado ao Congresso quando este voltou a se reunir em janeiro de 1948, Foi esta a primeiro apresentação do Plano Marshall, ou do Programa de Recuperação Européia, como ele é oficialmente conhecido.
A mensagem do presidente Truman e os volumosos documentos relativos aos aspectos detalhados do programa, são suficientes para satisfazer o mais exigente estudioso de negócios públicos com provas de que as principais acusações contra o Plano Marshall são inteiramente justificadas.
Como se esperava, o presidente compôs sua mensagem sobre o Plano Marshall no mesmo estilo político do seu discurso sobre a sua “doutrina”. O objetivo do Plano Marshall é restaurar as sociedades “livres” tradicionais (leia-se: o capitalismo decrépito, ameaçado pela crise) da Europa Ocidental e resguardá-las contra o “totalitarismo” (leia-se: a democracia popular e o socialismo). Truman verberou as “atividades agressivas dos comunistas e dos grupos inspirados pelos comunistas que visam diretamente impedir a recuperação da Europa” — o que quer dizer quem quer que se oponha ao Plano Marshall.
Ele garantiu ao Congresso, como ficou claro desde o início, que “nosso programa de auxílio dos Estados Unidos também inclui a Ale manha Ocidental”. E de novo salientou a conhecida tese dos monopólios de que a capacidade produtiva da Alemanha Ocidental (nota: sempre Alemanha Ocidental e não Alemanha em geral) deverá ser o centro da “recuperação” européia.
Estabelecidas essas orientações principais — o anticomunismo e o rejuvenescimento da Alemanha imperialista, gêmeos inseparáveis cio programa reacionário — o presidente Truman expôs alguns aspectos concretos do programa.
Entregas Anuais
A primeira coisa que se nota é a imprecisão que ainda persiste a respeito da quantia total a ser concedida pelo Plano Marshall a cada país. Em sua mensagem o presidente Truman mencionou a soma redonda de 17 bilhões que deveriam ser adiantados em quatro anos. Isto já reduz em mais de 40 por cento os créditos totais que seriam necessários conforme as estimativas originais dos países europeus na Conferência de Paris.
Como acontece todas as estipulações importantes, o fato de não se especificar uma soma total está em contradição direta com os propósitos declarados do Plano Marshall. O programa foi estruturado como um plano para o “auto-esforço” e a “cooperação” européia. Mas como poderão os países do Plano Marshall planificar seu “auto-esforço” e sua “cooperação” para sua recuperação quando não sabem antecipadamente que quantidade de ajuda financeira poderão esperar dos Estados Unidos?
De fato, o projeto da Administração estabelece que, depois da verba original, votada para os primeiros 15 meses, novas verbas serão consideradas pelo Congresso numa base anual. O próprio presidente Truman expõe as razões para esse procedimento:
“Os Estados Unidos, naturalmente, manterão o direito de determinar se o auxílio a qualquer país determinado deverá continuar, caso nossa assistência prévia não tenha sido empregada de maneira satisfatória “
Em outras palavras, as concessões e os empréstimos serão suspensos a menos que os países contemplados com o auxílio norte-americano aceitem as condições políticas e econômicas impostas pelos Estados Unidos. Harriman declarou muito claramente: assim que um país passar para a “órbita” da União Soviética cessará imediatamente o auxílio norte-americano; enquanto um país aceitar a “liderança” norte-americana receberá auxílio, dentro do Plano Marshall.
A fim de assegurar essas condições, o presidente Truman estabelece que todos os países contemplados no Plano entrem em acordos bilaterais com os Estados Unidos “confirmando os compromissos assumidos com os outros países participantes e assumindo novos compromissos”. As verbas concedidas anualmente e os acordos separados com os Estados Unidos removem os últimos vestígios do pretenso direito dos países europeus de gozarem de verdadeiro “auto-esforço”, ou de cooperarem uns com os outros livremente. Raramente foram impostas condições tão humilhantes a nações soberanas.
Comércio Livre
O presidente Truman também se dá ao trabalho de especificar alguns dos compromissos e obrigações exigidos dos países do Plano Marshall. Entre esses, destaca-se o compromisso “de reduzir as barreiras ao comércio entre eles próprios e com outros países”. É a mesma condição que foi imposta à Grã Bretanha quando lhe foi concedido o empréstimo de 3,75 bilhões de dólares em 1946 — uma condição que contribuiu consideravelmente para sua crise persistente. É a exigência que os Estados Unidos têm tentado impor a todos os países que participaram das Conferências Internacionais de Comércio de Genebra e Havana, e que provocou grande resistência das pequenas nações. Se os países do Plano Marshall aceitarem essas condições, seus mercados internos serão entregues aos Estados Unidos cujos grandes monopólios poderão revender os produtos europeus a todo o mundo. Se eles as aceitarem, precisamente numa época em que não só precisam reconstruir sua indústria como também acelerar seu desenvolvimento a fim de conseguirem inteira recuperação, terão que ceder o direito de proteger e desenvolver suas indústrias internas. Além do mais, essa exigência é feita numa época em que nosso próprio governo abandona uma política de redução de tarifas, e em que os trustes dominam mais do que nunca o mercado norte-americano, tornando assim mais difícil aos outros países a exportação para os Estados Unidos que constituem o maior setor dó mercado mundial.
Essa exigência, assim, nega também o objetivo declarado do Plano Marshall de estimular uma maior produção no estrangeiro e de permitir a recuperação mundial.
Armazenamentos Para a Guerra
Outro compromisso estipulado pelo presidente é que o país beneficiado deve comprometer-se a fornecer aos Estados Unidos matérias primas especificadas para fins de armazenamento. Através do controle das principais fontes de matérias primas e assegurando para si as reservas dessas matérias que são negadas aos seus competidores, os trustes norte-americanos ficarão em muito melhor posição para do minar a economia mundial. E, colocando à mão as matérias estratégicas necessárias à indústria de guerra, esperam estabelecer completa auto-suficiência em preparação para a guerra. Como os países do Europa Ocidental controlam a maior parte do mundo colonial, que possui as mais valiosas fontes de matérias primas, os Estados Unidos poderão obter um verdadeiro monopólio através do Plano Marshall .
Esse compromisso particular foi explicado mais detalhadamente pelo Comitê Herter (Comitê Selecionado da Câmara sobre o Auxílio Estrangeiro), dominado pelos Republicanos. Num relatório especial sobre o auxílio estrangeiro e o armazenamento de matérias primas de 22 de novembro de 1947 recomendava uma investigação sistemática dos recursos de matérias primas com o fim de garantir a indenização pelos empréstimos norte-americanos, através do livre acesso às fontes estratégicas de metais e minerais. Citava especificamente depósitos de ferro na península de Lavrador, possessões petrolíferas britânicas na ‘ Venezuela e depósitos de cromo e níquel na Caledonia Francesa e com certeza tinha em mente prêmios ainda maiores na Indonésia Holandesa, no Congo Francês, na Malaia e Birmânia Britânicas, e em várias outras colônias.
Naturalmente, algumas pequenas inconveniências precisam ser afastadas. Lavrador, por exemplo, é parte da Terra Nova que por sua vez é uma colônia britânica. Mas isso pode ser facilmente remediado. Segundo o Comitê Merter, poderia conceder-se à Terra Nova a categoria de domínio ou alguma espécie de sociedade com o Canadá, “a fim de que a participação nesses recursos possa ser estabelecida como garantia a um empréstimo dos Estados Unidos à Grã Bretanha”.
Mesmo o Comitê Herter tem que admitir a contra gosto que essa simples solução de completa transferência de colônias pode não ser sempre possível. Neste caso ele oferece uma alternativa:
“Onde não for possível, por questões políticas ou outras, aplicar-se essa solução direta de aquisição de direitos sobre minerais, uma combinação de capitais particulares norte-americanos a serem aplicados com garantia parcial do governo, e de remessas de matérias para armazenamento durante um período de 25 anos, seria uma boa forma de indenizar alguns dos empréstimos do programa Marshall e de obter cobertura de juros sobre adiantamentos anteriores”.
Como poderão os países beneficiados pelo Plano Marshall conseguir jamais sua recuperação, se, além de garantirem livre acesso aos seus mercados para os monopólios norte-americanos, ainda lhes transferem o controle das matérias primas necessárias ao desenvolvimento do indústria? Isto parece mais um saque do que uma recuperação.
Ainda outros compromissos foram exigidos pelo presidente Truman para facilitar o controle direto dos Estados Unidos sobre a economia do pais beneficiado. Assim, um país do Plano Marshall deve comprometer-se a fazer “uso eficiente” de seus próprios recursos e “tomar as medidas necessárias para assegurar a utilização eficiente” de todos os suprimentos norte-americanos. O auxílio norte-americano, portanto, significa conferir ao Governo dos Estados Unidos o direito de submeter todas as medidas econômicas de um país beneficiado ao “test” de “eficiência” como a compreendem os administradores norte-americanos da “livre iniciativa”.
O presidente Truman evitou fazer restrições à nacionalização e outras reformas sociais, e o projeto da Administração não inclui essas restrições. Estas foram emitidas em deferência aos social-democratas da ala direita, que ficariam numa posição insustentável se o Plano Marshall exigisse abertamente a proibição dessas medidas. Mas a intenção de impedir a nacionalização é claramente revelada em todos os debates do Congresso. O Plano Marshall agirá contra a nacionalização e outras medidas do estado progressistas, assim como a política de empréstimos anterior levou a um recuo na nacionalização da indústria do aço na Grã Bretanha e à cessação do processo de nacionalização na França.
O relatório do Comitê Harriman, sobre o qual se baseiam as propostas do presidente Truman, também foi muito cuidadoso ao abordar essa delicada questão. Embora a livre iniciativa seja o melhor sistema, admite modestamente, que o programa de auxílio estrangeiro não deve ser empregado como um meio de forçar outras nações a adotá-lo, desde que suas próprias medidas “sejam conseqüentes com os princípios democráticos básicos”. E depois de fazer esse cumprimento polido a social-democracía, continua o relatório:
“Seja qual for nossa atitude em relação à planificação e à livre iniciativa, é universalmente reconhecido que uma verdadeira recuperação econômica depende da libertação das energias individuais (capitalistas, naturalmente) e da redução de regulamentações que atrasam a produção e a distribuição”.
Eis ai a definição de “eficiência”. A “regulamentação da produção e da distribuição” tem efeitos “retardatários” sendo, portanto, ineficiente. E como poderão os países devastados pela guerra, e sofrendo ainda as conseqüências de um longo período de estagnação e deterioração econômica, conseguir uma chance sequer de recuperação estável sem adotarem medidas democráticas de regulamentação e controle?
Esta é pois uma outra contradição básica entre o objetivo declarado do Plano Marshall de estimular medidas cooperativas e planificadoras entre os países europeus, e as restrições que faz na realidade a certas regulamentações que iriam interferir com o dominação econômica desses países pelos trustes norte-americanos.
Controle Monetário
Outro compromisso exigido pelo Plano Marshall revela que as chamadas doações ou concessões (calculadas entre 60 e 80 por cento de provável auxílio norte-americano) fornecerão um meio especial para o controle direto da economia pelos Estados Unidos, Nas palavras do presidente Truman o país beneficiado será solicitado a “depositar em conta especial a importância, em moeda local, equivalente ao auxílio fornecido em forma de concessões e a ser empregado unicamente na maneira mutuamente decidida pelos dois governos”, Esta é uma das condições constantes dos acordos bi-laterais compreendendo todo o auxílio de meio bilhão de dólares votado em dezembro de 47 pelo Congresso para a França, a Itália e a Áustria a fim de amarrá-las até que o Plano Marshall pudesse ser aplicado.
Isso é o mesmo que uma hipoteca norte-americana sobre o país. Dá aos Estados Unidos uma ponta de lança para controlar a finança e para ditar a política monetária. Também fornece um meio efetivo para a penetração dos trustes norte-americanos na economia básica do país beneficiado. Sem prever a disponibilidade de dólares, esses fundos concedidos podem ser empregados na compra de ações e títulos nas indústrias e nos bancos. Durante o período de penetração alemã no Europa foram conseguidos resultados semelhantes com o sistema de marcos especiais de exportação, que não podiam ser empregados para a compra de produtos alemães, mas que eram empregados para comprar ações das indústrias de outros países europeus. “Ajuda mútua”? Sim, ajuda mútua para os monopólios.
Uma antevisão dos efeitos do Plano Marshall nas moedas estrangeiras foi fornecida pela desvalorização do franco francês em janeiro de 1948. Essa desvalorização teve o efeito de tornar mais baratas as exportações francesas, aguçando assim a luta dos concorrentes franceses pelos mercados estrangeiros. Também tornou mais caras as importações francesas, dando, portanto, grande vantagem aos países interessados principalmente nas exportações francesas, como os Estados Unidos, O efeito geral será o aumento do custo da vida na França sobretudo porque uma porção cada vez maior de suas mercadorias virão dos Estados Unidos, sob o Plano Marshall, enquanto o “franco de exportação” mais barato drenará as mercadorias francesas do mercado interno. A Grã Bretanha é um dos concorrentes da França nos mercados da Europa e do Oriente Médio e, portanto, foi contrária à desvalorização. Os Estados Unidos, que esperam conquistar uma posição dominante no mercado interno francês em conseqüência do Plano Marshall, apoiaram a desvalorização. Os Estados Unidos estão fazendo pressão sobre outros países beneficiados pelo Plano Marshall para que adotem medida semelhante.
Todo o programa contém medidas de fiscalização e controle que facilitarão o objetivo central: dominação dos países do Plano Marshall Todos os países são solicitados a fornecer ao governo norte-americano “informações adequados” sobre o emprego das concessões e dos empréstimos e sobre o cumprimento de todos as obrigações que subscreveram, Mas é preciso notar bem que essas informações deverão ser fornecidas diretamente ao governo norte-americano e não a um comitê gera! europeu designado pelos países beneficiados, Parece que foi falsa o impressão criada, quando foi iniciado o Plano Marshall em junho de 1947, de que os países beneficiados resolveriam eles próprios sobre o emprego dos créditos norte-americanos.
Nada foi deixado ao acaso, ou à boa fé dos países beneficiados. A agência do governo criada para administrar o Plano, quer seja ela uma parte separada ou integrante do Departamento de Estado, disporá de agentes que fiscalizarão a aplicação do Plano na Europa. De acordo com as propostas submetidos pelo presidente Truman, a agência em questão terá um representante com poderes de embaixador na organização européia dos países do Plano Marshall que atuará como uma espécie de super-lorde econômico ou pró-Cônsul, Além disso, será organizada uma rede de Gauleiters econômicos com pessoa! especializado ligado às Embaixadas Americanas nos países beneficiados pelo auxilio norte-americano.
A Disputa Sobre a Administração
As disputas sobre os, aspectos administrativos do Plano Marshall não ameaçam o princípio da supervisão. A divergência manifesta-se principalmente sobre duas questões; deverá o controle ser bastante severo, ou deverão as corporações ter um controle tão completo sobra a organização que o Programa de Recuperação Européia supere em autoridade qualquer agência do Governo Federal, inclusive o próprio Departamento de Estado? Essas divergências não são básicas. Seja qual for o plano de administração estabelecido, as corporações terão assegurado o papei central e os países do Plano Marshall serão subordinados aos Estados Unidos. Mas a disputa é importante porque, esclarece ainda mais os ambições de longo alcance dos monopólios.
Marshall e outros que apóiam a proposta de que o Programa de Recuperação Européia fique estreitamente ligado ao Departamento de Estado, argumentaram que o plano de auxílio estrangeiro deverá tornar-se o “instrumento principal da política externa”. É, portanto, necessário assegurar a completa coordenação do Programa da Recuperação Européia com a execução diária da política externa geral. Por outro lado, o Comitê Herter, o Governador Dewey, a Associação Nacional de Indústrias e a Câmara do Comércio dos Estados Unidos estão incluídos entre os que não consideraram que toda a estrutura do Plano Marshall de alto a baixo, fosse suficientemente administrada por homens de negócios.
Nos debates do Comitê de Relações Exteriores do Senado, do qual é presidente o Senador Vandenberg, este criticou as propostas do Departamento de Estado sobre a administração porque, em sua opinião, não continham “um novo elemento de responsabilidade comercial” que assegurasse que o Plano Marshall fosse “administrado de maneira comercial”. Ele queria ter a certeza de que o Plano possuísse “um sistema de fiscalizar nossos dólares no estrangeiro a fim de verificarmos se estamos obtendo lucros”. Marshall e o “administrador geral” do Plano Douglas, ele próprio um homem de negócios de não pouca importância, manifestaram-se favoráveis às duas propostas.
O que o Senador Vandenberg tinha em mente é o plano que foi submetido pela Câmara do Comércio dos Estados Unidos, por inspiração de Winthrop Aldrich, presidente do Chase National Bank. Esse plano é apoiado pelo Comitê Herter. A proposta estabeleceria uma corporação separada, dependente do Congresso e não do Departamento de Estado, para controlar e administrar as concessões e os empréstimos. Seus funcionários seriam escolhidos entre “os mais destacados líderes da indústria”. Corpos de síndicos seriam organizados, em cada país beneficiado pelo Plano Marshall, pela corporação.
É difícil imaginar-se um programa mais efetivo para a completa fusão dos trustes e do Governo para o fim específico de estender os monopólios norte-americanos por toda a Europa. Mas também é óbvio que dessa maneira o Plano Marshall tornar-se-ia um instrumento demasiado claro dos trustes norte-americanos. Mesmo os pretextos transparentes de recuperação e auxílio desapareceriam por completo.
Talvez o melhor comentário sobre esse programa seja o editorial do New York Times em defesa das propostas originais de Marshall: “Que melhor proteção poderíamos desejar? Dificilmente poderíamos ir mais longe sem nos apoderarmos dos governos dos dezesseis países beneficiários” (6 de janeiro, 1948).
Em fevereiro foi conseguido um “acordo” no Comitê de Relações Exteriores do Senado, pelo qual a agência do Plano Marshall seria colocada na categoria de um departamento do governo. Uma nova agência independente seria criada, chefiada por um único administrador equiparado aos Secretários. Este teria amplos poderes para conceder empréstimos, sem o veto do Secretário de Estado ou de qualquer departamento do governo. Um conselho consultivo bi-partidário deveria ser nomeado. A agência teria seu próprio Embaixador na organização formada pelos países do Plano Marshall. Uma missão do Plano seria enviada a cada país participante, chefiada por um Ministro, com autoridade inferior apenas ao Embaixador regular. Para fiscalizar toda a administração seria formado um comitê fiscalizador conjunto do Congresso. Esse comitê decidiria se a nação contemplada estava ou não cumprindo suas obrigações e se fazia jus á novo auxílio. Para garantir a adoção de orientações satisfatórias, sob todos os aspectos, a reação e aos monopólios, o Senador Vandenberg sugeriu que Herter fosse o presidente do comitê conjunto.
Enquanto isto, cresce o movimento tendente a colocar a nova agência como encarregada de todas as concessões e empréstimos também a países fora da Europa. Numa carta endereçada a Vandenberg, em 21 de janeiro de 1948, Hoover propôs que todos os países que recebem auxílios dos Estados Unidos fossem colocados sob a administração dessa agência. Herter foi da mesma opinião. Truman já havia proposto que o auxílio à China fosse incluído e, já que a agência também fiscalizaria as compras do Canadá, da América Latina e de outras áreas, tornar-se-ia uma verdadeira Junta de Diretores mundial Isto é essencial para criar uma espécie de Departamento de Negócios Expansionistas, na forma de um super-gabinete de trustes, armado de grandes poderes dentro do governo norte-americano.
Harry F. Byrd
As objeções levantadas pelo chamado bloco econômico, chefiado pelo Senador Taft e pelo deputado Tabor no setor Republicano e por homens como o senador Harry F. Byrd no setor Democrático, também são divergências mais de ordem tática do que de princípios. Num ano de eleições não é pouco comum a utilização demagógica da impaciência popular com a permanência dos altos impostos. Os membros do bloco econômico estão principalmente preocupados em reduzir ainda mais os altos impostos das corporações e dos grupos que auferem grandes lucros, e para conseguir isto estão dispostos a fazer algumas concessões aos grupos de menor rendimento. Mas esta é apenas uma das razões menos importantes das exigências da “oposição” no sentido de reduzir as quantias estabelecidas para o Plano Marshall.
Outra razão, mais importante, foi dada pelo senador Tom Connally, membro do Comitê de Relações Exteriores do Senado, que estourou impacientemente durante os debates sobre o Plano, “Nós não podemos continuar a manter esses povos durante o resto de sua vida. Por que tem que ser de nossa responsabilidade elevar o seu nível de produção acima do nível de antes da guerra? Não é nossa obrigação restaurai todos seus investimentos estrangeiros”. Apesar de todos os controles e restrições de que está citado o Plano Marshall teme-se ainda que “demasiado” auxílio possa talvez levar ao reerguimento de potências rivais.
Outros motivos ainda são revelados pela atitude do senador Taft, para reduzir os dotações do Plano Marshall. Num discurso pronunciado no Senado sobre o projeto de auxílio total, em 28 de novembro de 1947, em que pediu que a soma fosse drasticamente cortada, o Senador declarou que os bilhões de auxílio já concedidos pelos Estados Unidos eram grandemente desperdiçados, pois que eram utilizados para “elevar o padrão de vida” dos povos europeus, e em “experiências socialistas”. Refletiu também a grande preocupação reinante entre os círculos monopolistas e dirigentes a respeito do que ele classificou de “dissipação dos recursos dos Estados Unidos” em várias partes disseminadas do mundo. Em sua opinião, “a única maneira de se obter algum progresso contra a Rússia será através da conservação da economia dos Estados Unidos numa posição firme e em que esteja sujeita a escoamentos como os que nos ameaçam se continuarmos nosso distribuição pródiga de dólares norte-americanos por todo o mundo”.
Muitas pessoas cometem, o engano de confundir essa atitude com o antigo isolacionismo, Não é isto. Taft receia facilitar com os social-democratas europeus, que estão sendo pressionados pelos trabalhadores, ele quer manter a assistência num nível que não dê à Grã Bretanha, a principal rival comercial do imperialismo norte-americano, a menor oportunidade de recuperar algumas das posições perdidas. Receia que concessões muito amplas e “generosas” da assistência norte-americana desperdicem sem necessidade fundos que poderiam ser empregados na expansão do estabelecimento militar norte-americano nos Estados Unidos e no estrangeiro.
O Bloco Guerreiro Ocidental
Outros receiam que a Administração esteja deixando escapar uma oportunidade de ouro para adquirir mais bases no ultramar em troca dos fundos do Plano Marshall. Assim, o senador Alexander Wiley, Republicano de Wisconsin lembrou, ao General Marshall que lugares como a Islândia e as ilhas Caraíbas estavam à espera de que alguém as ocupasse. O Secretário da Defesa, Forrestal, nos debates do Senado ligou o Plano Marshall tão estreitamente a um programa para a aquisição de novas bases que provocou consultas aflitivas do estrangeiro.
De fato, Marshall teve que afirmar oficialmente que o Plano “não estabelece nem pretende estabelecer a aquisição de bases militares”. Mas na mesma declaração oficial, o Secretário de Estado afirmou que não há contradição entre o Plano Marshall e o ponto de vista de Forrestal de que novas bases eram “essenciais à defesa nacional”. Realmente, no mesmo dia, isto é, em 17 de janeiro de 1948, anunciava-se que a Grã Bretanha tinha concordado em permitir aos Estados Unidos re-instalar a grande base aérea de Mellaha, na Líbia, perto de Trípoli. Essa base comanda o Mediterrâneo central e oriental, e fica a 900 milhas das capitais da Itália, Iugoslávia, Albânia, Bulgária e Grécia, para não se falar na sua proximidade com o mar Negro. Isto foi seguido, em 2 de fevereiro, pela prorrogação da concessão para as bases militares aéreas nos Açores, uma possessão de Portugal que é um dos países do Plano Marshall.
Como exigência de uma corporação do Plano a solicitação da bases em troca de concessões, revelaria muito claramente os verdadeiros objetivos do Plano Marshall. Como disse Marshall em resposta ao senador Wiley, “é muito importante que nada seja introduzido nesse sentido porque provocaria uma propaganda violenta da parte dos que se opõem a este programa”. O general-diplomata é um homem de tato.
À medida que as coisas avançaram tornou-se ainda mais claro que o Plano deverá ser empregado para estimular a formação de uma aliança guerreira da Europa Ocidental, sob o controle dos Estados Unidos. Em 20 de janeiro, John Foster Dulles propôs pela primeira vez em relação ao Plano Marshall, um pacto de defesa regional, nos moldes do bloco Inter-Americano. Esse pacto deveria incluir a “integração econômica” (um termo muito do agrado dos cartelistas) da Europa Ocidental através de uma união monetária e alfandegária. A extensão do auxílio para qualquer país seria então calculada conforme o grau de cooperação desse país com os Estados Unidos, dentro do bloco. Dulles propôs que essas disposições fossem incluídas em todos os tratados resultantes do Plano Marshall.
Dois dias mais tarde, numa apreciação da política externa no Parlamento, Bevin propôs a organização das “almas irmãs do Ocidente”. Tratados com a França e os países de Benelux — Holanda, Bélgica e Luxemburgo — deveriam formar “um núcleo importante na Europa Ocidental”. A União Ocidental incluiria a Itália e todos os outros países europeus do Plano Marshall, juntamente com seus territórios de ultramar. Assim, nas palavras de Bevin, seria formado um bloco que se “estenderia através da Europa, do Oriente Médio e da África até o Extremo Oriente”.
Só restava que Churchill se manifestasse no dia seguinte para definir com maior precisão os propósitos do bloco. Endossando inteiramente a política de Bevin como continuação da sua própria, também elogiou os Estados Unidos por terem “adotado amplamente os pontos de vista que expressou em Fulton há cerca de dois anos atrás e por terem, de fato, sob muitos aspectos, ido muito além”. Relacionando a União Ocidental com sua própria tirada guerreira de Fulton, Churchill insistiu então para que a Grã Bretanha, juntamente com as “outras democracias ocidentais” “levassem as coisas a termo com o Governo Soviético”, a fim de que se pudesse chegar a um “acordo” antes de que a União Soviética possuísse a bomba atômica.
Muitos assuntos se chocam na União Ocidental, como rivalidades entre a Grã Bretanha e a França, e entre esses dois países e os Estados Unidos. Mas a essência do projeto foi habilmente colocada por Herbert Hoover no discurso do aniversário de Washington, no qual ele endossou a idéia de uma “aliança militar” com uma União Européia Ocidental a fim de garantir aliados para os Estados Unidos na próxima guerra.
O projeto todo tornou-se oficialmente parte da legislação proposta para o Plano Marshall. O Comitê de Relações Exteriores do Senado introduziu no projeto os dispositivos para uma União Ocidental em 12 de fevereiro, aniversário de Lincoln.
Assim, à medida que o Plano Marshall toma forma oficial, seus termos e condições revelam claramente que é um plano para a dominação da Europa e de áreas coloniais, na África e na Ásia, dependentes dos países da Europa Ocidental. Não tem nada em comum com auxílio ou recuperação. É um plano guerreiro.
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“Menos frases pomposas e mais trabalho cotidiano e modesto. Me nos alarde político e maior atenção aos fatos mais simples porém vivos”.
Lenin