A Queda da Produção Agrícola no Brasil
A situação de decadência da agricultura no Brasil é uma realidade comprovada pelas próprias repartições oficiais e está contribuindo fortemente para agravar as atuais dificuldades econômicas.
O Anuário Estatístico do Brasil, de 1946, revela que entre 21 produtos agrícolas principais, 17 tiveram o seu rendimento médio por hectare diminuído, no período de 1931 a 1944(1). A grande maioria desses produtos teve a sua área cultivada aumentada, mas, em conseqüência da queda no rendimento, a sua produção não cresceu senão em proporção mínima, insuficiente às necessidades cada vez maiores do pais. Isto significa que, apesar de termos plantado mais, colhemos quase a mesma quantidade de produtos, o que é um atestada de falência do atual sistema em que se baseia a agricultura brasileira.
Cresce este fato de gravidade quando as mesmas estatísticas oficiais atestam que a baixa no rendimento se deu principalmente em relação aos gênero alimentícios de maior consumo e aos produtos agrícolas que constituem as principais exportações do país.
O feijão, por exemplo, que é um alimento fundamental de grande parte do nosso povo, teve a sua área cultivada aumentada de cerca de 520 mil hectares em 1931 para mais de 1 milhão e 300 mil em 1944, mas o rendimento médio por hectare baixou de 1.316 kg. para 773 e, por isso, a produção cresceu proporcionalmente muito pouco, de cerca de 687 mil toneladas para 1 milhão e 42 mil e poucas. A mandioca outra comida básica das grandes massas, teve uma queda no rendimento médio de 22.939 Kg. para 12.805, e, portanto, apesar de sua área cultivada ter quase quadruplicado, sua produção apenas duplicou. A área cultivada do milho cresceu de 3 milhões e 170 mil para cerca de 4 milhões e 101 mil hectares, o rendimento médio caiu de 1.498 para 1.359 Kg. e a produção aumentou de cerca de 4 milhões e 750 mil toneladas para 5 milhões e 575 mil. Quanto à batata, apesar da área ocupada no seu cultivo ter crescido de 24 mil hectares para pouco mais de 84 mil, quase sendo quadruplicada, portanto, a produção subiu apenas de 360.797 toneladas para 462.669, porque o rendimento médio desceu de 15.033 Kg. por hectare para 5.507 Kg. A cana de açúcar não chegou a dobrar a sua produção porque, apesar da sua área plantada ter crescido de 348.450 para 675.606 hectares, o rendimento médio baixou de 47 para 37 toneladas por hectare.
Também caiu o rendimento médio do arroz, da banana e do coco, sem falar de outros produtos de menor consumo nacional.
O nosso principal artigo de exportação, o café, teve uma queda de 356 para 270 Kg. por hectare no rendimento médio da sua produção, e sua área cultivada também diminuiu sensivelmente, resultando numa baixa da produção a cerca de metade num curto período de 14 anos. O fumo e a mamona, também artigos influentes no total das exportações, tiveram queda no rendimento da sua produção, o primeiro de 1.125 para 909 Kg. por hectare, e o segundo de 1.111 em 1935 para 893 Kg. por hectare em 1944.
Sempre foi objeto de crítica, aliás, o baixo rendimento da produção agrícola no Brasil. Segundo estudos anteriores, a média da produção por hectare em nosso país, era de 1,5 toneladas. Recentemente, a Comissão de Investigação Econômica e Social da Câmara dos Deputados publicou quadros extraídos de estudos da antiga Liga das Nações sobre a produção mundial de milho, arroz e batata. Esses dados se referem ao rendimento médio em quilos por hectare, no período de 1930 a 1934. Quanto ao milho, dentre 8 países, o Brasil ocupa o último lugar, com 1.417 quilos de rendimento médio, vindo abaixo do Egito, com 2.297 Kg., a Bolívia, Argentina, Itália, Hungria, Manchúria e França. Entre 16 países produtores de arroz, o Brasil ocupa o último lugar com 1.385 Kg. por hectare, abaixo da Itália, com 4.796 Kg., o Japão, Egito, China, Estados Unidos, Formosa, Irã, Coréia, Tailândia, Malásia Britânica, URSS, Java, Manchúria, Birmânia e índia. Em relação à batata, entre 23 países o Brasil vem em último lugar com 8.643 Kg. por hectare, abaixo dos países produtores da Europa e ainda do Japão, Canadá e Chile. O maior rendimento que é o da Bélgica, é de 21.472 Kg. por hectare.
Bastariam esses exemplos para mostrar o primitivismo da nossa agricultura, o qual influi desastrosamente não só no atraso econômico e político do nosso país como, de modo mais direto e imediato, na falta de gêneros de primeira necessidade e na carestia de vida que hoje enfrentamos em todo o país.
Influência do Baixo Rendimento na Queda Relativa da Produção
Os dados estatísticos oficiais mostram também que, apesar do crescimento sensível (se bem que insuficiente para as necessidades nacionais) da área cultivada, a produção agrícola não tem aumentado na mesma proporção. Logo, a queda verificada no rendimento é um dos fatores importantes da atual escassez de produtos agrícolas, sobretudo de gêneros alimentícios.
Muito se tem falado em aumento da produção no Brasil. O Getúlio Vargas no seu último discurso de 3-8-47, no Senado Federal, procurou demonstrar que, durante o seu governo (não houve queda, mas sim aumento da produção de gêneros alimentícios, e cita dados para provar um aumento de 35% na produção de alimentos entre 1939 e 1944. Não se pode, entretanto, argumentar com este aumento, além do mais escolhendo para demonstração o período da guerra, quando houve um incremento especial, anormal, da produção de víveres, pois é sabido que as necessidades de consumo do povo brasileiro aumentaram numa proporção muito superior.
Em vez de argumentar com os números apenas do período da guerra, devemos tomar do próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística os dados referentes à produção alimentar em um período mais longo, para avaliarmos a exata proporção do aumento da produção de víveres em relação com as necessidades do consumo.
A produção dos 22 gêneros principais alcançava, em 1930, o total de 16.218.514 toneladas. Entretanto, a população do Brasil era de 35.075.980 habitantes. Em 1942, a produção dos mesmos gêneros subia a apenas 18.801.250 toneladas, o que representava em 12 anos um aumento de 15,8%, enquanto que a população crescia para 42.852.800 habitantes, com um aumento, portanto, de 22,8%.
Tomando um período ainda mais largo, os técnicos do Instituto de Serviços Sociais do Brasil e do Instituto de Geografia e Estatística, que trabalharam para a Comissão de Investigação Econômica e Social da Câmara Federal examinaram a produção de 22 gêneros alimentícios a partir do qüinqüênio 1925-1929 até 1944, chegando à conclusão de que houve um aumento de apenas 25% na produção, enquanto nesse período a população cresceu de 42%.(2)
Logo, não se pode falar em aumento da produção agrícola. Se é verdade que houve um pequeno aumento absoluto da quantidade de gêneros, não é menos verdade que houve uma considerável diminuição relativa, levando-se em conta o crescimento da população. A produção agrícola nacional baixa em relação com as necessidades crescentes do nosso povo, e nessa queda o rendimento cada vez mais miserável da nossa agricultura desempenha um funesto papel.
Causas do Baixo Rendimento da Agricultura do Brasil
Muitas têm sido as razões buscadas para explicar, e mesmo para Justificar, esse baixo rendimento da nossa produção agrícola.
Há as que dizem, por exemplo, que o baixo rendimento da nossa agricultura é causado pela “falta de braços”, pelo êxodo rural — esta é a tese de grande número de latifundiários que vivem o tempo todo comentando, através da imprensa ou do Parlamento, o abandono das suas fazendas pelos camponeses. Refletindo esta opinião, o “Correio da Manhã”, de 24 de agosto de 1947, num tópico sobre o rendimento do trabalho, dizia:
“A queda da produção agrícola é notória, não obstante todos os apelos em contrário, e a falta de braços continua a ser o mais molesto fator de semelhante situação.”
Mas, haverá realmente, de maneira tão alarmante, esse problema? Se houvesse, os salários dos trabalhadores agrícolas cresceriam de maneira sensível, porque, com a menor oferta de mão-de-obra no mercado de trabalho, a procura teria de crescer e os salários aumentariam. Isto, porém, não se verifica. Os salários nas zonas rurais (os quais na maior parte não são pagos em dinheiro) crescem muito lentamente, inclusive nas regiões mais importantes como São Paulo, e levam longos períodos girando em torno de uma média que mal dá para o trabalhador rural viver na miséria. A verdade, portanto, é que, apesar do êxodo rural, existe uma grande reserva de braços disponíveis no campo, sempre prontos a trabalhar quase de graça, recebendo em geral apenas a comida e a roupa grosseira no barracão da fazenda. Mesmo admitindo que a migração de camponeses para as cidades crie dificuldades de mão-de-obra a um certo número de fazendeiros, não podemos concluir que isto justifique a baixa no rendimento médio da produção agrícola. A história da economia mundial demonstra que o rendimento da produção agrícola começou a aumentar justamente devido à “falta de braços” nos campos. Foi na Inglaterra, quando os camponeses começaram a abandonar os campos em massa para se tornarem operários na indústria nascente, que se introduziram as primeiras máquinas agrícolas, aumentando de maneira extraordinária o rendimento da produção. Depois da Inglaterra, foram os Estados Unidos que melhor desenvolveram a maquinaria agrícola, forçados pela falta de trabalhadores e pela alta dos salários. Os dados oficiais recentes comprovam o fato de que, na Segunda Guerra Mundial, a agricultura nos Estados Unidos aumentou sensivelmente a sua produção, apesar da diminuição do número de trabalhadores, muitos dos quais foram para o serviço militar e para atender ao crescimento da produção industrial. A tão lastimada “falta de braços” devia ser motivo, portanto,, para a melhoria técnica da nossa agricultura, e para o maior rendimento da produção, e se isso não sucede é porque alguma causa mais grave e profunda o impede.
Outra tese corrente é a de que a baixa no rendimento da produção se deve à pouca produtividade do trabalho do camponês e do trabalhador agrícola, e, segundo alguns, à sua “preguiça” e ao seu desinteresse pelo trabalho. Não se pode negar, em comparação com o grau de eficiência atingido pela mão-de-obra em outros países adiantados, o péssimo rendimento do trabalho do homem do campo no Brasil. Mas esta comparação é absurda. Não se vai pôr em relação o rendimento do trabalho feito a enxada com o da mão-de-obra que emprega instrumentos e máquinas agrícolas aperfeiçoadas, nem se pode confrontar Q eficiência de um trabalhador faminto, doente e ignorante, como é o do interior, e mesmo das cidades do Brasil, com o rendimento alcançado pelo camponês europeu ou pelo assalariado agrícola norte-americano, cujo nível de vida é muitas vezes mais elevado. O brasileiro não é preguiçoso ou incapaz para o trabalho, como pensam alguns observadores superficiais, atribuindo a baixa produtividade do nosso trabalhador e do nosso camponês a questões de raça e clima. Pelo contrário, se compararmos o nível de vida do homem do campo brasileiro com o do norte-americano ou europeu, chegaremos à conclusão de que o brasileiro faz milagres conservando-se ainda em pé e conseguindo trabalhar com tanta miséria, doença e fome. É evidente que se as suas condições de vida melhorarem, o rendimento do seu trabalho também aumentará. Era o que reconhecia o jornal “Diretrizes”, de 9 de setembro de 1947, ao dizer:
“Infelizmente, entre nós, fala-se muito em aumentar a produtividade do trabalho, mas pouco se fala em criar condições para isso, proporcionando ao trabalhador a alimentação e o conforto de que ele necessita para restaurar as energias gastas em misteres muitas vezes penosos e quase sempre exaustivos”.
Portanto, a baixa produtividade do braço camponês não é a causa última da queda no rendimento da produção agrícola, porque essa baixa produtividade é já um efeito da miséria do camponês, do próprio atraso da nossa agricultura, enfim, de uma causa mais grave e profunda.
Existe ainda a teoria de que a causa do baixo rendimento da nossa agricultura é o “esgotamento” das terras cultiváveis. Ela foi expressa recentemente pelo Sr. Dutra, em seu discurso de Minas Gerais, quando afirmou:
“Tudo arrancamos do solo, pouco ou quase nada lhe devolvendo pelo nosso trabalho mal aparelhado e mal conduzido. A produtividade insuficiente, que daí decorre, reflete-se em cheio sobre o bem-estar das populações, e representa embaraço cada vez mais sensível ao desenvolvimento geral”.
Por sua vez, o Ministro da Agricultura, Daniel Carvalho, fez recentemente um discurso inócuo na I Reunião Brasileira de Ciência do Solo, sustentando que o empobrecimento do solo é “o maior responsável pela queda da produção dos gêneros de subsistência”. Não há dúvida de que existe no Brasil o fenômeno da “terra cansada”: milhares de hectares vão sendo abandonados como imprestáveis para certas lavouras rendosas, enquanto as fazendas marcham para o oeste na conquista de novas terras. Mas querer justificar o baixo rendimento da nossa agricultura pelo esgotamento das terras é um absurdo, porque muito mais velhas e esgotadas por um cultivo intensivo são as terras da Europa e da Ásia, por exemplo, e o seu rendimento médio por hectare é muito maior do que o nosso, A realidade é que nos limitamos em geral a explorar a superfície da terra com enxadas, sem usar fertilizantes, enquanto que os outros países, além de empregarem arados e máquinas modernas, fazem o cultivo racional com o emprego de adubos. Queixar-se de terras esgotadas em nosso país é uma posição falsa, pois as nossas regiões cultiváveis são das melhores do mundo se receberem um tratamento adequado. Quando, no século passado, os países europeus começaram a sofrer as conseqüências do esgotamento natural do solo, não recorreram aos lamentos nem regaram com lágrimas as suas plantações, porque isto nada iria resolver mas trataram de substituir artificialmente as substâncias extraídas da terra e, assim, ultrapassaram o rendimento anterior. O motivo fundamental da queda no rendimento da nossa produção agrícola não é, portanto, o esgotamento do solo, pois este é, por sua vez, efeito dos processos tradicionais de nossa agricultura, resulta de uma cousa mais grave e profunda.
Enfim as várias teorias invocadas para explicar o fenômeno aqui estudado são geralmente superficiais e não penetram a fundo no problema. Seus autores limitam-se a constatar a difícil situação da nossa agricultura mas não procuram descobrir as suas causas e muito menos buscar as soluções.
O problema deve ser colocado em outros termos. Porque não se combate o êxodo rural fixando o homem à terra? Porque não se empregam instrumentos aperfeiçoados na lavoura? Porque não se aumenta a produtividade do camponês, elevando seu nível de vida? Porque não se devolve a fertilidade às terras, fazendo o cultivo racional, utilizando adubos?
Responder a estas questões é buscar a verdadeira solução para o problema do baixo rendimento da produção agrícola nacional.
O Latifúndio — Responsável Pelo Baixo Rendimento da Produção
Analisando em agosto de 1945 as causas do atraso crônico em que vive nossa pátria, dizia Luiz Carlos Prestes:
“…Colocamos o dedo sobre a chaga máxima de nossa economia, causa e origem do atraso em que vivemos — o latifúndio, o monopólio da terra, que em vez de pertencer aos que nela trabalham ou queiram trabalhar, é propriedade de uma minoria, que, mesmo junto aos grandes centros de consumo, a deixa em grande parte abandonada e inútil, e que não tem em geral nenhum interesse em pôr em prática na pequena parcela que explora processos de cultura mais modernos.”(3)
Adiante, explicando a fundo o caráter atrasado e semi-feudal do latifúndio, acrescentava:
“Os trabalhadores rurais não conhecem, em boa parte, nem mesmo as trocas monetárias, porque o dinheiro não lhes passa pelas mãos. Não sabem o que seja poder de compra. O trabalho barato, a exploração semi-feudal, impede qualquer progresso técnico e concorre para eternizar o nível baixíssimo da produção. Segundo um técnico norte-americano conhecedor da nossa agricultura, não há exagero em afirmar que um “farmer” normal do Meio-Oeste consiga tirar da terra com o seu trabalho quase tanto quanto cinqüenta de nossos infelizes patrícios. É isto que determina a crônica “falta de braços” de que tanto se queixam os fazendeiros. Sempre lhes foi mais fácil e proveitoso estimular a imigração estrangeira, ou mesmo a nacional, do que resolver o problema da melhor utilização do trabalho. É sem dúvida mais barato explorar o trabalho de dez servos armados de enxada do que comprar um arado. É mais barato fazer as queimadas devastadoras do que destocar e preparar cuidadosamente a terra para cultivo intensivo. É para os grandes senhores da classe dominante sempre mais fácil e mais barato marchar para o Oeste em busca de novas terras do que fertilizar as que já utilizaram por alguns anos. É essa possibilidade: de fazer as coisas baratas pela má utilização do homem e da terra que já não pode mais continuar no Brasil.”(4)
Decorreram dois anos desde a apresentação desses argumentos e até hoje eles não receberam, como aliás não podem receber, qualquer contestação. Em seu conhecido discurso “0 Problema da Terra e a Constituição de 46”, pronunciado da tribuna da Assembléia Constituinte em julho de 1946, Prestes analisou profundamente, com farta documentário colhido em fontes oficiais, o problema do latifúndio e provou novamente de maneira irrespondível que na grande propriedade semi-feudal está a causa maior do nosso atraso e do baixo rendimento da produção agrícola nacional.
A prova de que as fazendas brasileiras têm, na imensa maioria, este caráter semi-feudal, está no resultado do Recenseamento de 1940, pelos quais se vê que os instrumentos agrícolas representam apenas 3,5% no valor total das propriedades agrícolas em nosso país. Além disso, de cerca de 1.900.000 propriedades, somente perto de 434 mil possuíam aparelhos agrícolas, ou seja, menos de um quarto do total das propriedades rurais. Ainda mais: a maior parte desses aparelhos são arados, dos quais temos apenas cerca de 500 mil, ao lado de pouco mais de 3 mil tratores e alguns milhares de outras máquinas para um total de 200 milhões de hectares cultivados.(5) Nossa agricultura feita a enxada tem, em grande parte, uma feição anterior mesmo à Idade Média. Em 1884, um cônsul norte-americano, criticando o atraso da lavoura no Sul da França, dizia em relatório ao seu Governo:
“No interior é sempre o velho arado do tempo dos romanos o universalmente utilizado, ou ao menos utilizado com mais frequência. Ela apenas arranha o solo sem realizar sulcos profundos.”(6)
Iimaginem se esse cônsul soubesse que 60 anos depois iria encontrar na América um grande país onde a agricultura está ainda mais atrasada, porque nem o velho arado emprega com frequência, existindo apenas em média 39 por mil hectares cultivados.
O caráter semi-feudal da nossa agricultura é ainda comprovado pelo fato de que na maioria absoluta dos propriedades não existe o pagamento em salários, como é próprio do regime capitalista, mas sim uma semi-servidão na qual as camponeses trabalham a terra em troca de produtos, com as características medievais da parceria que, no Brasil, assume as formas dos contratos de terça e de meação. Outra força generalizada de exploração semi-feudal, é o pagamento do arrendamento com o trabalho gratuito nas terras do fazendeiro, conhecido como as “diárias” na semana que muito se assemelham à “corvéia” feudal. Mesmo na lavoura do café, em São Paulo, a mais importante do país, os relações de produção são pré-capitalistas, porque o trabalho do colono só em parte é pago a dinheiro, sendo em parte pago pelo direito de utilizar um pedaço de terra. Onde o regime de trabalho mais se aproxima do tipo capitalista, ou seja, nas plantações de cana de açúcar e de cacau, ainda assim existe um recurso para anular o salário do trabalhador como é o “vale” para a compra de mercadorias no “barracão” da usina ou da fazenda, o que resulta na prática no pagamento em espécie.
Denunciando esse caráter retrógrado do latifúndio, Prestes fez ao mesmo tempo obra construtiva, apresentando em nome da Bancada Comunista emendas ao projeto da Constituição no sentido de estabelecer uma ampla base constitucional para a Reforma Agrária, única solução para o atraso da nossa economia e a decadência da nossa agricultura.
A Falsa Solução da “Mecanização da Lavoura”
A maioria dos “técnicos” e “economistas” a serviço das classes dominantes e muitos homens do Governo, no afã de conservar o latifúndio, não se cansam de falar em “mecanização da lavoura” como a panacéia destinada a curar os males da nossa agricultura.
O próprio general Dutra, arvorando-se a entendido, disse em seu discurso de Barra do Piraí que o Brasil é “um país agrícola que necessita industrializar-se, industrializando em primeiro lugar a sua agricultura”. Ora, nenhum país pode mecanizar efetivamente a sua lavoura sem ter uma indústria de base que produza instrumentos e ferramentas aperfeiçoados e máquinas agrícolas.
Mas não é só isso. Pensar em mecanização da agricultura antes de tratar-se da Reforma Agrária é ou ignorância ou demagogia. Aos latifundiários não interessa empregar seu capital em máquinas agrícolas, que exigem inversões vultosas e não oferecem aumento imediato de lucros, quando é muito mais fácil para eles explorar os camponeses por processos semi-feudais, pagando-lhes em espécie ou com salários de fome que são absorvidos no “barracão” da fazenda. Por isso é que o camarada Prestes, ao referir-se ao atraso da nossa agricultura, dizia:
“Sabeis o que é esse atraso: é a agricultura da enxada, agricultura semelhante à do Egito dos Faraós, da qual não podemos sair porque é impossível, éimpraticável a aplicação da técnica agrícola, enquanto existir essa massa de reserva de milhões de operários sem trabalho. Os agrônomos bem intencionados procuram a solução do problema na técnica, mas, como aplicá-la? Para que adquirir a maquinaria se o dono da terra pode fazer a colheita sem empregar um centavo do seu capital? E esse capital vai ser utilizado em outras atividades: no comércio de terras, no açambarcamento de produtos, na grilagem. O capital é levado para a usura, para os barracões dentro do latifúndio, jamais para a técnica agrícola.”(7)
O próprio Sr. Dutra já reconheceu em discurso que “a industrialização da agricultura exige grandes investimentos de capitais, em máquinas e instrumentos, para o tamanho racional das terras”. Mas, como o seu inepto Governo vai convencer os latifundiários ou os capitalistas a empregar capitais num negócio menos rendoso e de lucros menos imediatos como a lavoura, isso ele não explica, nem pode explicar.
Por isso mesmo está fadada ao fracasso toda a gritaria armada em torno da “mecanização da lavoura”, pelos falsos técnicos das classes dominantes como Apolônio Sales, que, aliás, já foi Ministro da Agricultura muitos anos, nada fazendo para o progresso da técnica agrícola. O que vimos foi o contrário, durante a sua gestão o rendimento médio da produção continuou a baixar.
O problema da agricultura brasileira não é, por conseguinte, uma questão puramente técnica, mas sobretudo social. Era o que o escritor norte-americano Duncan Aikman dizia, ao estudar a situação da economia da América Latina, em relação ao Brasil:
“Numa economia em que abunda a oferta de trabalho barato não tem sentido o emprego de máquinas para executar tarefas que as mãos podem levar a efeito sem elas”
A Reforma Agrária — Única Solução
A Reforma Agrária, solução indicada pelos comunistas, é a única capaz de dar cabo a esse “atraso progressivo” da nossa pátria e à baixa alarmante no rendimento da produção agrícola.
Dentro da Constituição vigente, (principalmente em vista dos seus artigos 147 e 156, a Reforma Agrária pode ser realizada através de diversas medidas. Mas só se tornará efetivo se resultar na entrega de terras, gratuitamente, próximas aos centros de consumo e vias de comunicação, a famílias camponesas que queiram explorá-las em seu benefício; além disso, se forem adotadas medidas complementares indispensáveis como o estímulo ao cooperativismo, auxílio financeiro e técnico aos pequenos agricultores e, se for necessário, fixação e garantia de preços mínimos para a produção aconselhada pelo Governo.
Trata-se, em suma, de iniciar a extinção da grande propriedade semi-feudal, como existe hoje no Brasil, e substituí-la pela pequena propriedade camponesa de tipo capitalista.
Só a multiplicação da pequena-propriedade poderá concorrer, nas condições atuais, para o progresso do país e uma considerável melhoria no rendimento da nossa produção agrícola, devido a uma série de fatores.
Dispondo da sua própria terra, cujos produtos serão inteiramente seus e poderá vender em seu benefício, o camponês terá perspectivas de prosperar no campo e, portanto, deixará em grande parte de emigrar para a cidade, pelo menos na proporção em que o faz atual-mente.
Além disso, o camponês estará pessoalmente interessado em aumentar a produção, porque passará a produzir na maior parte para vender no mercado, e não somente para consumir ou entregar ao senhor da terra, como acontece hoje em dia. Ora, como um pequeno proprietário raramente pode estar comprando mais terra, ao contrário do que sucede com o grande latifundiário, o camponês para aumentar a sua produção terá de recorrer ao cultivo intensivo da sua parcela, sendo obrigado a empregar meios técnicos, como instrumentos mais aperfeiçoados, arados, e também a fertilizar constantemente a terra, com a utilização de adubos. O rendimento da produção agrícola, portanto, tenderá sempre a aumentar.
Por outro lado, com a elevação do seu poder aquisitivo e do seu nível de vida, resultante da venda dos produtos no mercado, a família camponesa poderá melhorar sua capacidade física e saúde, criando condições para aumentar a sua produtividade no trabalho.
E ainda, com a penetração mais rápida do capitalismo no campo, a ampliação do mercado interno e a maior circulação das riquezas, serão criadas condições para o emprego da técnica agrícola moderna mesmo por uma parte dos grandes fazendeiros que, para não sucumbirem ao avanço do progresso, terão de eliminar as características feudais dos seus latifúndios, pagar salários, comprar máquinas agrícolas e cultivar intensivamente todas as suas terras.
Pequena ou Grande Propriedade?
Aqui é preciso rebater a tese dos defensores do latifúndio que alegam ser a pequena propriedade anti-econômica. Esses serviçais dos senhores-da-terra, como Apolônio Sales, ao tentarem mostrar a inferioridade da pequena propriedade, comparam-na à grande propriedade de tipo capitalista, que quase não existe no Brasil, em vez de confrontá-la com a grande propriedade semi-feudal, que é a realidade da nossa agricultura. Mas esta cínica distorção dos fatos não engana mais ninguém.
Há, de um modo geral, dois tipos de grande propriedade individual da terra. Uma é a grande propriedade semi-feudal, cultivada por métodos extensivos, atrasada, explorando o camponês por formas medievais; nesta, o rendimento médio da produção é baixo e, em relação a ela, a pequena propriedade camponesa de tipo capitalista representa um grande progresso, não só do ponto de vista técnico como do ponto de vista social e econômico em geral. A outra é a grande propriedade capitalista, submetida à lavoura intensiva, empregando uma técnica progressista em grande escala e explorando operários agrícolas aos quais paga em salários; nesta, o rendimento médio da produção é muito elevado, geralmente superior ao das próprias pequenas propriedades camponesas.
A grande propriedade que temos no Brasil, o “monopólio territorial” já combatido por Joaquim Nabuco e André Rebouças no século XIX, é justamente o latifúndio semi-feudal que Prestes caracterizou tão bem nos seus estudos. Em relação a ele, a pequena propriedade camponesa que a Reforma Agrária deverá multiplicar representa um tipo de agricultura cem vezes mais progressista, um grande passo à frente no desenvolvimento nacional.
Defender esse latifúndio semi-feudal em face da pequena-propriedade camponesa é o mesmo que pretender demonstrar a superioridade técnica do feudalismo sobre o capitalismo — tarefa que só pode ser aceita pelos mais estúpidos reacionários. Já Adam Smith, em fins do século XVIII, no seu livro clássico “Pesquisas sobre as Riquezas das Nações”, dizia de referência aos grandes proprietários feudais que eles raramente introduziam melhoramentos na agricultura, porque contavam com o concurso de numerosos rendeiros obrigados a pagar aforamento e prestar serviços gratuitos, e partindo daí procurava demonstrar a vantagem do estabelecimento da propriedade camponesa independente. No século passado, Kautski, em seu livro “A Questão Agrária” (escrito antes de renegar o marxismo), comprovou a superioridade da pequena propriedade camponesa sobre os latifúndios feudais, dizendo em certa passagem:
“A diferença entre a grande (Kautski refere-se ao latifúndio feudal) e a pequena exploração não consistia na superioridade da aparelhagem e num alto grau de divisão do trabalho da primeira, mas somente no fato de o camponês, coagido à corvéia, efetuar nela, de modo displicente e da pior maneira possível, o serviço obrigatório que prestava para um estranho com os mesmos meios empregados para si, mas neste caso com o zelo e o cuidado implícito num trabalho de interesse próprio e de proveito para os seus.”(8)
Entretanto, foi Lénin, o grande teórico e dirigente do proletariado, quem assinalou com mais clareza o papel da pequena propriedade camponesa na luta contra os restos do feudalismo:
“Onde o sistema de otrabotki (em russo, pagamento da renda em trabalho, equivalente à “diária” gratuita do nosso camponês nas terras do fazendeiro) predomina, a pequena-propriedade, ao libertar-se a si mesma dos otrabotki, estimula o desenvolvimento das forças produtivas, liberta o camponês da vassalagem que o liga à parcela, priva ao latifundiário de braços “não pagos”, lhe dá a possibilidade de substituir a ilimitada agravação da exploração “patriarcal” por meio de recursos técnicos, e facilita o acesso do campo aos canais do comércio.”(9)
Ao mesmo tempo em que mostra o caráter progressista da pequena-propriedade camponesa em relação com o latifúndio feudal, Lénin assinala que, após a destruição dos restos feudais, com o estabelecimento do capitalismo, a grande propriedade capitalista se torna o sistema mais avançado na agricultura, superior à pequena propriedade camponesa.
Isto significa que a pequena propriedade camponesa só é superada nos países onde o capitalismo, altamente desenvolvido, já penetrou profundamente na agricultura, e as grandes empresas, com seus enormes recursos técnicos e o emprego de vastos capitais, representam uma forma superior de economia agrícola. Este é o caso dos Estados Unidos, por exemplo, onde as grandes fazendas mecanizadas têm um rendimento muito maior que as pequenas e médias fazendas dos agricultores pequenos-burgueses. Mas nos países como o Brasil, onde a agricultura ainda é um reduto de sobrevivências feudais, o progresso está no estabelecimento da pequena-propriedade, que virá justamente favorecer o desenvolvimento do capitalismo no campo.
Algumas Provas Concretas
Não podemos limitar-nos, porém, a demonstrar teoricamente a necessidade da pequena propriedade para o maior rendimento da nossa produção agrícola. Passemos a alguns exemplos concretos, extraídos da experiência mundial e de nosso próprio país.
Depois da vitória na guerra de libertação contra o fascismo, diversos Governos democráticos populares do Leste e Sudeste da Europa realizaram Reformas Agrárias nos seus países, a fim de extirpar os latifúndios semi-feudais, bases econômicas da reação e do fascismo. Na zona soviética de ocupação da Alemanha, sobretudo na Prússia, foi efetuada uma ampla divisão dos domínios territoriais de mais de 100 hectares e de todas as terras pertencentes a militantes nazistas e criminosos de guerra. Onze mil grandes propriedades foram divididas em 460 mil pequenas explorações camponesas. A imprensa reacionária, sobretudo a das zonas anglo-americanas de ocupação, bradou logo que a reforma agrária atrasaria o desenvolvimento da agricultura, que o solo não seria cultivado, que o rendimento da produção baixaria; nestas zonas, ao contrário da zona oriental, os latifúndios foram mantidos nas mãos dos seus antigos proprietários nazistas e a idéia de uma Reforma Agrária foi rechaçada como prejudicial pelas autoridades de ocupação anglo-ianques. Qual foi o resultado? Na zona de ocupação soviética, a área cultivada em 1936 aumentou 500 mil hectares mais do que a de 1945, colhendo mais 450 mil toneladas de cereais. O rendimento médio por hectare, antes da reforma agrária, era: trigo, 16 centners; centeio, 12; cevada, 22; batata, 160 e açúcar de beterraba, 200 centners. Em 1946, depois da distribuição das terras, passou a ser de: trigo, 24 centners; centeio, 16; cevada, 30; batata, 180, e açúcar de beterraba, 280. A zona de ocupação soviética não só está se abastecendo regularmente, como também já passou a exportar cereais e outros alimentos para as zonas ocupadas pelos arrogantes “técnicos” inglêses e americanos, onde a crise alimentar continua muito séria devido, entre outros fatores, ao baixo rendimento da agricultura. Até fim de julho de 1947, seriam enviadas da Alemanha Oriental para estas, zonas nada menos de 500 mil toneladas de gêneros alimentícios.(10) As próprias autoridades do governo militar norte-americano na Alemanha, “mostraram-se profunda e favoravelmente impressionadas pelo que viram na zona russa” — diz o correspondente ianque Ernest Leiser, em despacho procedente de Berlim da agência “Overseas”, acrescentando:
“Em caráter particular, dizem que os russos parecem estar fazendo um trabalho melhor no sentido de aumentar a produção de víveres do que qualquer das outras potências de ocupação. Com a divisão das grandes propriedades, os russos tornaram possível um cultivo mais intensivo da maior parte das terras aráveis de sua zona. . .”(11)
Mesmo no Brasil, porém, vamos encontrar provas esmagadoras da superioridade da pequena propriedade camponesa sobre o latifúndio semi-feudal.
É sabido, por exemplo, que os Estados do Brasil onde a peque na propriedade independente está mais generalizada, são o Rio Grande do Sul, Paraná, e, Santa Catarina, nos quais existem zonas de colonização européia de tipo capitalista, sob a forma de granjas camponesas. Não temos dados para comparar o rendimento médio por hectare dessas zonas com o das zonas de latifúndio de outros Estados. Mas o Recenseamento de 1940 nos fornece elementos para demonstrar que, onde há pequena propriedade, o progresso da técnica agrícola é maior.(12)
Vejamos primeiro a quantidade de máquinas e aparelhos agrícolas existentes em três Estados de lavoura tipicamente latifundiária, em relação com o número de propriedades:
Agora observemos os três Estados onde, ao lado do latifúndio, existe também uma relativamente grande porcentagem de pequenas propriedades:
A proporção de propriedades que possuíam máquinas e aparelhos agrícolas era muito maior naqueles Estados onde a pequena propriedade já desempenha um papel de relativa importância.
Quanto ao número de arados, por exemplo, para positivar ainda mais a justeza da tese dos que defendem a necessidade de uma ampla reforma agrária no Brasil, eles se distribuíam da seguinte maneira na proporção de um por mil hectares cultivados:
1.° grupo: — S. Paulo.— 44,1; M. Gerais — 16,6 — Bahia, — 2,9.
2.° grupo: — Rio Grande do Sul — 168,3; Sta. Catarina, 62,5; Paraná — 33,1.(13)
Como vemos, a superioridade técnica das zonas de pequena propriedade, em relação com as de latifúndio, está fora de qualquer dúvida.
Existem em São Paulo, entretanto, alguns reacionários empedernidos da famosa “aristocracia do café” que teimam em fazer o elogio do latifúndio, considerando-o superior em produtividade à pequena propriedade existente naquele grande Estado. Analisando os dados da “Estatística Agrícola e Zootécnica 1939-40” de São Paulo, o Sr. Aguinaldo Costa(14) destruiu essa lenda mostrando que se uma parte das pequenas propriedades paulistas apresenta baixo rendimento é porque estão situadas em zonas de “terras cansadas”, enquanto que as grandes propriedades semi-feudais monopolizam as zonas de “terras boas”. Em 15 municípios da zona de “terras boas”, 0,7 dos proprietáríos (85 latifundiários) possuem 66,9% das terras, enquanto que 99,3% (11.387 pequenos proprietários) possuem somente 33,1%. Ao passo que, em 38 municípios de “terras cansadas” existem 27.636 pequenos proprietários e apenas 28 grandes proprietários, cujas fazendas, aliás, só se encontram em 12 desses municípios. Isto se explica pelo fato conhecido de que a pequena propriedade só conseguiu estabelecer-se em São Paulo nas terras “esgotadas” pela lavoura extensiva do café e que iam sendo praticamente abandonadas pelos latifundiários, sobretudo depois da crise de 1929. Além de contar com terras já exauridas, os camponeses dificilmente podem melhorar o rendimento delas, não só pelo alto preço dos adubos como também devido à falta de crédito, à sua dependência do capital usurário e à “grilagem”, que, num Estado onde o latifúndio ainda predomina, impedem o desenvolvimento da pequena propriedade.
Contudo, pode-se constatar que mesmo em São Paulo, pelo menos em certas regiões onde se apresenta em condições de igualdade com o latifúndio, no referente à fertilidade da terra, a pequena propriedade leva vantagem quanto ao rendimento de sua produção. É o que atesta o conhecido técnico Rui Miller Paiva, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, num estudo realizado a pedido daquela repartição no distrito de Ibiti(15) quando diz:
“Comparando a produção, por unidade de área, de 5 fazendas, onde o trabalho é feito por assalariados(16), com a de 20 sítios, onde o trabalho é feito pela própria família, dispondo às vezes de apenas um camarada para auxiliá-la, vemos que um alqueire do sítio produz, em média, 908 cruzeiros, enquanto que o da fazenda somente produz 492”.
Reconhecendo, portanto, a maior produtividade da pequena exploração camponesa, diz a seguir:
“Vemos, assim, que, para o Distrito, não é vantagem que as propriedades tenham 30 a 40 alqueires. Isto implica em menor riqueza para o Distrito, e em grande número de assalariados, com ordenados baixos. É aconselhável que as propriedades sejam menores, verdadeiros sítios de uma família, de modo a permitir que cada um trabalhe no que é seu. Haverá maior bem estar entre os agricultores, e maior riqueza para o Distrito em geral.”
Uma Verdadeira Reforma Agrária
Não resta dúvida, portanto, que o caminho para o progresso da nossa agricultura está na Reforma Agrária.
Os defensores do latifúndio costumam argumentar, porém, com algumas referências desfavoráveis à Reforma Agrária no México, alegando, por exemplo, que a massa camponesa mexicana, em conjunto, continua com um baixo nível de vida e que o rendimento das suas pequenas propriedades é insuficiente para um efetivo progresso técnico. Em primeiro lugar, no entanto, é preciso notar que a luta contra o latifúndio, naquele país, ainda está em processo de realização. Em segundo lugar, não se pode negar a contribuição que a Reforma Agrária tem trazido ao progresso do povo mexicano, mesmo sem ter lido ainda completada.
O exemplo do México nos mostra que, para efetuar uma verdadeira Reforma Agrária, não basta distribuir terras. Se a entrega da terra ao camponês não for acompanhada de outras medidas auxiliares, por parte do Estado, a Reforma Agrária não passará de mais uma lei demagógica destinada a ficar no papel. Era o que dizia o técnico mexicano Ignácio Maio Alvarez, da Liga de Agrônomos Socialistas, ao criticar os erros cometidos na política agrária do seu país:
“Os governos anteriores ao do general Cárdenas praticamente não acudiram em auxílio do camponês concedendo-lhe crédito, e por isso se aceitava sem discussão — tratando de resolver o problema e no entanto ignorando-o — que a revolução agrária tinha duas fases, a primeira de doação de terras e a segunda de capacitação do camponês e de organização da nova economia agrícola”. E, adiante: “Naturalmente que, se se deixa o “ejido”(17) mal constituído e pior auxiliado economicamente e, por outro lado, a agricultura do setor da propriedade privada pode organizar-se no transcurso do tempo e contar com maiores elementos, a comparação entre estas duas formas será desfavorável à primeira. Claro que sem aprofundar as causas, e só pelos efeitos, a burguesia tem usado este argumento para combater a Reforma Agrária”.(18)
Mas a prova que a Reforma Agrária se torna vitoriosa, acelera o progresso da agricultura e liberta os camponeses do semi-feudalismo, quando ela não é escamoteada e sim aplicada firmemente, está nos países da Europa libertados da ocupação fascista — Polônia, Hungria, Bulgária, Romênia e Iugoslávia. A respeito desses países, diz o conhecido economista Eugene Varga(19) que os seus governos consideram o fornecimento de auxílio e máquinas aos camponeses não como um assunto particular destes, mas como uma obrigação do Estado. Como muitas das máquinas existentes são impróprias para as pequenas propriedades, o governo vem providenciando a manufatura de outras apropriadas, ferramentas e outros meios de produção. Além disso, encoraja-se a formação de cooperativas camponesas para a venda da produçâo e a compra de artigos manufaturados, restringindo-se a ação dos intermediários e especuladores, e é assegurado crédito pelo Estado aos pequenos produtores camponeses.
Se este exemplo não bastasse, aí está o da Nova China, onde milhões de camponeses ajudam a construir o progresso de sua pátria nas áreas controladas pelos comunistas. Os resultados positivos da Reforma Agrária, em plena realização, são reafirmados por Mao Tse Tung no seu informe ao VII Congresso do Partido Comunista Chinês:
“O interesse dos camponeses pela produção aumentará desde que a reforma agrária — ou mesmo reformas preliminares tais como a redução do preço do arrendamento e dos juros — seja realizada. Gradualmente, os camponeses devem ser organizados, sobre bases voluntárias, em cooperativas de produção agrícola ou em outras cooperativas, a fim de desenvolverem sua capacidade produtiva. Essas cooperativas de produção agrícola, atualmente, só podem ser organizações coletivas de trabalho com ajuda-mútua, tais como corpos de permuta-de-trabalho e grupos de ajuda-mútua, levantados sobre a base Econômica individual do camponês (sobre a propriedade privada do camponês), mas o desenvolvimento de sua força produtiva e o crescimento da sua capacidade produtiva são assombrosos”.(20)
A experiência de outros países vem, portanto, confirmar a necessidade de que a Reforma Agrária seja acompanhada de medidas destinadas a proteger a pequena-propriedade camponesa. Por isso foi que, ao apresentar essa questão no programa mínimo sugerido pelos comunistas para resolver os problemas mais importantes do país, o camarada Prestes colocava, ao lado da exigência fundamental da entrega das terras aos camponeses:
“Estímulo e apoio ao cooperativismo livre e democrático, pelo crédito barato e, se possível, sem juros; auxílio financeiro e técnico ao pequeno agricultor e, se for necessário, fixação e garantia de preço mínimo para a produção aconselhada pelo Governo”.(21)
Uma Reforma Agrária acompanhada de medidas desse tipo modificará, de fato, profundamente, a feição atrasada da nossa agricultura, aumentará o rendimento e o volume da produção agrícola, arrancará 8 milhões de camponeses sem terra da mais degradante exploração semi-feudal e impulsionará o progresso de nossa pátria.
Notas:
(1) “Anuário Estatístico do Brasil”, de 1946, págs. 89-90 (Edição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
(2) “Problemas da Alimentação no Brasil”, Agostinho Monteiro, pág. 9.
(3) “Os Comunistas na Luta pela Democracia”, Ed. Horizonte, pg. 32.
(4) “Os Comunistas na Luta pela Democracia”, Ed. Horizonte, pg. 35.
(5) “Anuário Estatístico do Brasil”, 1946, pgs. 87-88.
(6) “A Questão Agrária”, Karl Kautski, Flama Edit., pg. 94.
(7) “O Problema da Terra e a Constituição de 46”, Ed. Horizonte.
(8) “A Questão Agrária”, Karl Kautski, Flama Edit., pg. 45.
(9) “O Programa Agrário da Social-Democracia Russa”, Lenin, 1902.
(10) “A Situação Alimentar e a Reforma Agrária na Alemanha”, G. Golovin, Tempos Novos. Moscou, 30-5-47, pg. 9.
(11) “Diretrizes”, 16-8-47.
(12) Os quadros seguintes são organizados com os dados do “Anuário Estatístico do Brasil”, de 1946. IBGE, pg. 87.
(13) “Problema da Alimentação no Brasil”, A. Monteiro, 1946, pg. 97.
(14) “Apontamentos para uma Reforma Agrária”, Edit. Brasiliense, l945, págs. 129-30.
(15) “Estudo Econômico da Agricultura no Distrito de Ibiti, Dep. Cultura, S. Paulo. 1945, pgs. 81-82.
(16) Não se trata na realidade de assalariados do tipo capitalista, mas sim de “colonos”, que recebem apenas parte do pagamento em dinheiro o têm direito de plantar um pedaço de terra da fazenda.
(17) Terras parceladas entregues aos camponeses no México.
(18) “La Burguesia y La Reforma Agraria”, México, 1940, pg. 17.
(19) “A Reforma Agrária e a democratização da vida social”, Tempos Novos.
(20) “The Chinese Communists”, Stuart Gelder, Londres, 1946. Ed. Gollancz, pg. 43.
(21) “Os Comunistas na Luta pela Democracia”, Ed. Horizonte, pg. 29.
O Imperialismo
“… Além do latifúndio, dificulta também e impede o nosso desenvolvimento econômico a dominação do capital estrangeiro. Além de semi-feudal é também semicolonial o nosso país.”
Prestes