O Existencialismo, Filosofia Antidemocrática
A palavra existencialismo designa um movimento filosófico e literário que apareceu na França nos últimos anos que antecederam a última guerra mundial. Essa movimento exprime-se através de estudos filosóficos, o mais importante dos quais é “O Ser e o Nada”, de Sartre; através de romances, os mais característicos dos quais são “Os caminhos da Liberdade”, de Sartre, o chefe da escola; através de obras dramáticas e na revista “Os tempos modernos”, a qual nos fornece seguramente o aspecto mais revelador e significativo do movimento.
Os existencialistas são, na sua maioria, diplomados em filosofia ou literatura; muitos deles são antigos alunos da Escola Normal Superior; quase todos foram professores do ensino secundário. Oriundos, em geral da burguesia média e liberal, esses jovens, coroados de diplomas, convencidos de que eram a elite da França e que sua formação “humanista” os destinava ao papel de dirigentes da sociedade, arrastados por um orgulho desmedido, chocaram-se, depois da formatura, com decepções cruéis na vida prática.
O magistério, desvalorizado voluntariamente, na França, não permite que os professores participem dos privilégios das classes possuidoras; permite-lhes, apenas, uma vida decente. E essa contradição entre a consciência de seu valor individual e o sentimento de sua inferioridade social é grande e dolorosa para os jovens ambiciosos. O herói dos romances de Sartre, Matheus, que tem necessidade de espetáculos, coquetéis, champagne e “boites”, e de férias na “Cote d’Azur”, é nos apresentado com o professor mal vestido e desorientado, sem dinheiro que vai mendigar empréstimos a seu irmão, advogado, ou a seus alunos, ou ao Banco dos funcionários.
Sendo professores contra a sua vontade, e impacientes por abandonar uma profissão que rende bastante, cheios de desprezo pelos colegas que aceitam uma situação subalterna, os existencialistas descobriram o existencialismo para abrir-se um caminho ao sol do regime capitalista. O existencialismo foi a sua empresa comercial.
A Clientela
Hoje, Que o Existencialismo Está na Moda
Quem dissse isto? O próprio Sartre. Foram eles que consagraram à sua moda, a sua voga, e que fizeram alguns acreditarem que verdadeiramente isso havia acontecido. . . A partir da libertação, o rádio francês fez ouvir com insistência os nomes, as entrevistas, as frases felizes dos existencialistas. Acaso é de admirar, quando os sucessivos ministérios da Informação continham sempre alguns amigos fiéis de Sartre? Um dos mais notáveis existencialistas, Aron, foi Chefe de gabinete do Ministro Malraux. Assim, a propaganda pôde ser bem feita e sabiamente orquestrada.
Na realidade, que é o que há debaixo dessa moda, e quem, na França, lê as obras existencialistas?
No que concerne às obras filosóficas, como “O Ser e o Nada”, pode-se dizer que ninguém as lê. Os discípulos tentaram interpretá-las e esgotaram-se nessas tentativas. Somente a adoração pelo mestre pôde sustentá-los nesse esforço. Nem mesmo na Universidade oficial encontrou “O Ser e o Nada” o crédito que esperava. Não há um curso sobre o existencialismo nessa Sorbonne que os existencialistas fingem desprezar, mas que se teriam anexado com muito prazer. Seu vocabulário confuso repugna decididamente aos franceses.
Eis aqui, para que nossos leitores sintam bem essa verdade, um parágrafo do livro de Sartre:
“Examinemos mais de perto a possibilidade da questão metafísica. O que nos aparece primeiro, é que o ser para outrem representa a terceira “ek-stase” de por si mesmo. A primeira “ek-stase” é com efeito o projeto tri-dimensional de por si mesmo em marcha para o ser que ele quer ser a maneira de não ser. Ela representa a primeira fenda, a “nadificação” que o por-si mesmo deseja ser ele próprio, o desenraizamento do por si mesmo, de tudo o que ele é, na medida em que esse desenraizamento constitui o seu ser. O 2.° “ek-stase”… é desenraizamento desse mesmo desenraizamento. A cissiparidade reflexiva corresponde a um esforço inútil para adquirir um ponto de vista sobre a “neautizativas” que o por-si mesmo quer vir a ser…” (“O Ser e o Nada”, pág. 359).
O livro tem 800 páginas e todas nos oferecem essa mesma confusão.
Os romances tiveram mais sucesso: um sucesso de escândalo, Sartre sente prazer em descrever as noites de Montmartre, as “boites” de Montparnasse, os Cassinos da Cote d’Azur, os costumes dos invertidos, os episódios eróticos… E como ele não poupa nenhum detalhe, compreende-se que ele tenha sonhado com a glória. Para atrair mais seguramente a clientela rica, seus livros foram vendidos em conta-gotas e quase sempre no mercado negro. Era necessário tentar substituir Freud e obter o sucesso que tinha obtido na França, por volta de 1930, a psicanálise:, então a burguesia tinha-se deliciado com os “complexos” e suas tenebrosas revelações.
Mas Sartre não teve êxito nessa empresa. Primeiramente, esses romances filosóficos exigem um esforço paciente do leitor — e o processo “simultaneista” desgosta à clientela. Um mesmo parágrafo contem os pensamentos e as maneiras de conduzir-se de quatro personagens — dos quais um está em Praga, o outro em Juan-bi-Pins, o terceiro em Paris e o quarto em Munique. Algumas vezes, os sujeitos da frase não estão indicados claramente e o leitor perde-se completamente entre Praga, Juan-bi-Pins, Paris e Munique.
Por outro lado, a burguesia capitalista desconfia dessa literatura equívoca: para salvaguardar seus privilégios, ela tem necessidade de roubar, senão a família, pelo menos seu quadro, suas formas exteriores; é preciso que o patrimônio seja transmitido através de herança justa. Os romances existencialistas que respiram o desdém da família, o horror do casamento, os costumes “livres”, podem exercer uma ação dissolvente sobre a juventude. Segue-se daí que a principal clientela dos livros existencialistas na França é presentemente constituída pelos jovens colegiais que lêm Sartre sob a mesa de estudos, às escondidas dos pais.
Apesar disso, é um fato que existe entre nós, numa parte da universidade e principalmente no ensino secundário, onde atuam alguns professores existencialistas, uma tendência filosófica que é antidemocrática e que poderia envenenar os moços e as moças das classes superiores de nossos liceus.
OS Cartazes de Reclame do Existencialismo
Logo depois da libertação da França, o existencialismo apresentou-se como um movimento de resistentes; na verdade, a maioria de seus representantes tinham aderido mais ou menos tardiamente aos movimentos de resistência; Sartre, e outros tinham dado sua adesão à Frente Nacional. Os “Tempos Modernos” consagraram um lugar importante para as recordações dos “maquis”, a memória dos deportados. Sartre levou ao teatro os sacrifícios dos guerrilheiros; era um reclame magnífico para atrair os filhos dos patriotas.
Assim, sendo resistentes, os existencialistas insistem em apresentar-se como antifascistas e democratas: seus romances narram os feitos de armas dos republicanos espanhóis. O último romance de Sartre, “Le Sursis”, denuncia as manobras de Munique e verbera a covardia da burguesia francesa. Num de seus últimos números os “Tempos Modernos” levanta um protesto indignado contra a guerra na Indochina. Tal é a insígnia luminosa da casa.
Insígnia luminosa é também essa simpatia que os existencialistas apregoam as vezes pelo marxismo, os marxistas e a União Soviética.
Sartre diz e escreve “Aderimos a muitas descrições do marxismo” e os “Tempos Modernos” consagram sempre algumas páginas a literatura soviética. Muito próximo, pois do marxismo, segundo dizem, os existencialistas são também os campeões orgulhosos do ateísmo. “Eu suprimi o Deus pai”, tal é a fórmula admirável de Sartre!
E para tentar reunir a clientela dos jovens intelectuais franceses, o existencialismo vai apresentar-se com uma filosofia “humanista”: o homem é um valor absoluto — nos dizem. O homem é respeitável porque é livre, e todo atentado à liberdade do homem, toda opressão é um crime. Nas obras literárias, o humanismo se exprimirá pela vontade tenaz de viver com todos os homens, de segui-los simultaneamente, de encontrar a voz unânime da França. E Sartre, que sempre teve a palavra “proletário” sob a pena, tem o cuidado de fazer estar nas cenas de seus romances, em quantidade, metalúrgicos, ajustados em macacões azuis; ele tenta mesmo evocar (não sem dificuldade) carreteiros e camponeses.
Compreende-se assim que os leitores apressados, ou moços inocentes tenham tomado o existencialismo por um movimento “de esquerda” e progressista. E como esses filósofos persuadem a seus discípulos de que são livres, responsáveis pelo caminho que escolheu, por seus projetos; de que sua grandeza está em fazer-se, em construir-se pela libertação do quadro sufocante da família, de todas as obrigações sociais, de todos os preconceitos, os existencialistas lisonjeiam assim o orgulho dos jovens intelectuais. No mesmo tempo, eles exploram a confusão deste último com a promessa duma “salvação” “converter-se” ao existencialismo — Tal é a tabuleta da loja.
Uma Filosofia Idealista
Qual é a mercadoria existencialista que “salvará” a juventude? Primeiramente, trata-se de produtos, mais ou menos rejuvenescidos, renovados à moda do dia. Não há uma só idéia nova na filosofia, existencialista. Seu trabalho é uma casa de antiguidades, constituída de empréstimos pedidos a Platão, aos estóicos, aos epicuristas, a Descartes, Kant, Hegel, Maine de Birau, Marx, Fichte, Husseil, tudo isso bem ou mal costurado. É um exercício de “compiladores bem preparados” para esse método detestável da Universidade oficial, que consiste em amalgamar todos os sistemas em um sistema incoerente. A forma foi tomada como empréstimo aos mestres da filosofia existencial: o vocabulário, especial, é de Kieckegaard e de Heidegger. Esses dois mestres obscurantistas são os verdadeiros pais dos existencialistas. O dinamarquês Kieckegaard ensinava que o essencial, na vida humana, é o medo diante do incompreensível e do que não se pode conhecer. E essa filosofia acompanhava-se dum ódio violento contra o povo! depois de 1848, “aterrado”, Kieckegaard escrevia: “Agora o povo deve ser esmagado”. Heidegger, esse, pensa que o sentido de vida humana é a angústia que precede a morte. A existência autêntica é a “corrida para a frente em direção à morte”. Essas meditações sobre o Nada acompanham os prédicos de Heidegger por uma submissão cega à força nazista, por uma fé ardente no poder mágico do “fuerher” da grande Alemanha.
Se se põe de lado todo o aparelho escolástico dos discípulos franceses de Heidegger, que resta de seu pensamento?
1.°) — é um movimento metafísico, uma filosofia que pretende procurar e encontrar o absoluto.
Como toda a metafísica, o existencialismo pretende ultrapassar a aparência, o que é objeto de observações e experiências, para descobrir não intuição de adivinho o que é mais profundo, mais real e mais verdadeiro que a aparência. O existencialismo distingue o ser da existência. É necessário, para atingir esse absoluto que é a liberdade, ou a existência, desnudar o ser, arrancar o ser. Que quer dizer isso? “Desnudar” o ser é arrancar-se ao mundo, a sociedade, ao seu passado, a tudo o que está definido, classificado, claramente delimitado. Então se encontrará a existência, sem artifícios, pura. Que é a existência absoluta É a “falta de ser”, o “não ser”.
2.°) — Essa metafísica obscurantista, apesar de querer passar por uma idéia nova, nada mais é que um aspecto disfarçado de idealismo filosófico. A diferença entre eles não é maior que a que existe entre “um diabo amarelo e um diabo azul” como dizia Lénin; é sempre, segundo a expressão deste, a mesma “decomposição ideológica”.
“É necessário partir da subjetividade”, escreve Sartre. Está aí o seu postulado inicial. A existência absoluta reside na vontade de uma consciência que assume a sua própria liberdade. Existência e vontade, existência e pensamento, existência e consciência são pois uma só e única coisa; e é sempre, enfim de contas, o primado do pensamento sobre a matéria.
Idealistas, os existencialistas o são ainda pelo julgamento que fazem das ciências e dos conceitos científicos. Lénin escrevia, quando denunciava o fideísmo dos partidários de Mach:
“o fideísmo contemporâneo não repudia absolutamente a ciência; ele só repudia as suas pretensões excessivas, a saber, a pretensão de descobrir a verdade objetiva”.
É essa tradição de Bogdanov, Bazarov e outros “machistas” que os existencialistas retomam em mãos. Sartre escreve: “As ciências são abstratas, elas estudam as variações de fatos abstratos… e não a causalidade real”. A existência ignora a ligação interna e necessária entre os fenômenos, sua dependência de causa e efeito, sua identidade; a existência escapa a toda lei.
Se a ciência tem a esperança de significar alguma coisa, e manifestar a liberdade humana, é preciso que ela não pretenda atingir o objetivo real, que ela se separe de suas aplicações práticas. Aliás, estas, as técnicas, não estão justificadas na vida objetiva. O progresso das técnicas não melhora o homem. S. de Veauvoir escreve que “é uma tarefa bem fácil demonstrar que os aviões, as máquinas, o telefone, o T.S.F.[telégrafo sem fio], não fazem os homens de hoje mais felizes que os de antigamente”.
E está aí como o idealismo dos existencialistas dá como resultado final as afirmações mais vulgares dos reacionários mais retrógrados.
O Anti-Marxismo
Na revista americana “Life”, há um artigo consagrado a Sartre afirmando que esse filósofo é, na França, “o principal inimigo do marxismo”, na frente ideológica.
Recebendo Sartre com as maiores considerações, as Universidades Americanas não se enganaram nesse ponto: compreendiam o significado de classe do existencialismo e seu destino social. Como todas as formas de idealismo, essa filosofia tem por objetivo frear o ímpeto das forças progressistas e contrabalançar a influência do materialismo.
Em sua obra intitulada: “O Existencialismo É Humanismo”, Sartre, repete, contra o materialismo, este argumento demasiado conhecido: o materialismo trata os homens como se eles fossem mesas ou pedras. . . e Sartre opõe então a esse descobrimento o seguinte: “Queremos constituir o reino humano como um conjunto de valores distintos do reino animal”.
Aqui, a má-fé de Sartre é evidente; ele não pode ignorar que Voltaire, Diderot, Helvetius, tanto e tão bem como Marx e Engels, distinguiram o homem da pedra, e trabalharam para desenvolver os valores humanos. Essa má-fé recorda as ignorâncias fingidas por Leon Blum nas suas tentativas revisionistas: trata-se de desacreditar a todo o preço o materialismo histórico.
E os “Tempos Modernos”, e os romances existencialistas, agitam no aro espantalho dos intelectuais burgueses: o marxismo, que reduz o homem ao estado de “sujeito passivo”; o marxismo, que é um fatalismo.
É lamentável para Sartre que o texto admirável de Stálin seja hoje em dia muito conhecido dos franceses: “É então que aparece de forma surpreendente o papel imenso das novas idéias sociais.”
O idealismo existencialista tende a provar que a qualidade é estranha a quantidade e que a necessidade, ligada a quantidade, é estranha a qualidade. Resulta disso que, no domínio da qualidade, tudo é contingente. Ora, que é o domínio da qualidade? É o reino humano, é, por exemplo, a história. A causalidade histórica é uma miragem marxista, e a história é um amontoamento de contingências. Sartre prevê tranqüilamente que amanhã, ou qualquer dia no futuro, a França e a Europa venham a tornar-se fascistas: pode-se saber o que será o dia de amanhã? E que importância tem isso? “O homem é sempre o mesmo…”
O Anti-Comunismo
Não se deve acreditar que a ofensiva existencialista se reserve ao plano filosófico: o ataque é dirigido muito precisamente contra o Partido Comunista, por estes filósofos que professam estar acima dos partidos e que têm por missão julgar aos partidos. Há, para começar, nos romances de Sartre, pérfidas sugestões, alusões venenosas: o herói, Mateus, sonhou na sua juventude em aderir ao Partido: “isso tentava, como o sono”. Dominou-se a tempo, despertou a tempo, mas tem amigos comunistas. Como são eles? Brunet, o intelectual do partido, “renunciou à sua liberdade”. Ele é apresentado como um sargento que faz o recrutamento, que cata a força os aderentes, é um sonhador à espera da “hora de quebrar tudo”… Ele se sente distante dos operários, pois não tem o mesmo objetivo que eles.
Os existencialistas insistem muito sobre esse tema, que é necessário pregar aos intelectuais jovens, de uma separação radical e fatal entre os intelectuais e o proletariado. No “Moral da Ambigüidade”, Simonne de Beauvoir (que conhece muito bem ao Partido Comunista) escreve que o partido “desconfia dos intelectuais”…
Ao lado de Brunnet, La Gomez, o comunista que se foi bater nas fileiras das Brigadas na Espanha. Sartre finge apresentá-lo com simpatia, mesmo com admiração. Mas é para apontar melhor sua flecha envenenada: “A Europa se tornará fascista — diz La Gomez — levianamente. Não é uma preparação má para o comunismo”… “É bela, a guerra!”
Assim, os comunistas são, ao mesmo tempo, sonhadores e bebedores de sangue. Segundo Simonne de Beauvoir, eles são o tipo do “homem sério”, quer dizer, o “lógico do sub-homem”. O “homem sério” perde-se dentro da coisa, destrói sua subjetividade, aniquila-se, afasta-se de si mesmo. “Então explode o absurdo duma vida que procurou fora dela as justificações que só ela podia se fornecer; separados da liberdade que os teria fundido de modo autêntico, todos os objetivos procurados aparecem arbitrários e inúteis.”
E na “Moral da Ambigüidade” ela mesma ataca com violência a palavra de ordem de produção: “exército, marchas, revolução, produção, tornam-se ídolo inumanos aos quais não se hesitará a sacrificar o próprio homem”.
É fácil adivinhar a conclusão de tudo isso, é preciso que se chegue a apresentar comunismo e fascismo como coisas iguais. “O fanatismo político que esvazia a política de todo conteúdo humano e impõe o Estado não para os indivíduos, mas contra eles.” Assim, não há separação entre o sentido das obras de um Koestler e a significação social do existencialismo: são uma coisa só. Mas Koestler foi mais sabido. Ele se dirigiu diretamente a burguesia capitalista. Ele desdobrou amplamente a bandeira do anti-comunismo. Por terem querido conquistar, ao mesmo tempo todas as clientelas, os existencialistas perderam todas as clientelas, e, no mercado capitalista, foi “o zero e o infinito” quem ganhou.
Filosofia Anti-Democrática
Entretanto os existencialistas alegarão ainda que foram anti-fascistas e resistentes. Bastará então, para arrancar-lhes a máscara, opor-lhes os ensinamentos de suas obras recentes.
Em sua classificação dos tipos humanos, S. de Beauvoir coloca o “aventureiro” acima do homem sério, o aventureiro que se atira a empresas sucessivas sempre com mesmo ardor, sem esperar das coisas a justificação da escolha que fez. É o aventureiro quem está no caminho da salvação, da verdadeira liberdade, ele prepara o “homem autêntico”. Tal como Goering, que no processo de Nurenberg, exercia uma certa sedução sobre os juizes, por causa da vitalidade que emanava da sua pessoa”. Tal como Hitler, sem dúvida, o qual é elevado sobre um verdadeiro pedestal no romance de Sartre, “Le Sursis”. Todas as linhas do romance convergem para um cestro que é o discurso de Stuttgard. Todas as personagens estão diante dos aparelhos de rádio, todos esperam. Ouve-se o rumor da sala, o ruído do mar. O Fuehrer fala e sua voz não lhe pertence mais, ele se tornou a existência de milhões de homens, que tem esperança e tem medo. E entre todos esses homens imperfeitos e miseráveis, que não sabem entregar-se totalmente a escolher, Hitler é o único que escolheu, o único que “tomou posição”. . .
É verdade que outras obras de Sartre exaltam a grandeza da Resistência, o heroísmo dos “maquisards”. Mas é fácil demonstrar que essa exaltação é de fato uma traição ao espírito da Resistência. Os guerrilheiros de Mortos Sem Sepultura não suportam as torturas para salvar, por seu silêncio, a camaradas responsáveis; eles não morrem para que a França viva, não sacrificam sua juventude para a construção de um futuro melhor. Sua morte significa apenas a afirmação da sua liberdade individual. Eles desejam calar-se para serem fiéis até o fim a “um compromisso”, uma espécie de aposta, gratuita.
Mortos Sem Sepultura propunha-se atrair pela exploração dum tema popular por excelência, uma juventude que era necessário converter ao individualismo burguês e reacionário. Seria necessário acrescentar que a juventude francesa não se deixou esganar e que ninguém se deixou converter?
Se ele tivesse alcançado seus fins, esse esforço de conversão tentado pelos existencialistas junto à juventude teria tido como efeito afastar a juventude da obra coletiva de restauração da democracia.
Em que consiste, com efeito, essa liberdade, essa liberdade que é o objetivo do existencialismo, e que constitui a salvação, o acabamento moral do homem?
Há em cada um de nós uma espontaneidade, uma liberdade que é possibilidade de aspiração e de escolha. Partindo dessa espontaneidade, podemos edificar ou não edificar nossa liberdade moral. Nos o construímos através da nossa entrega total a essa aspiração: se não temos um objetivo fixado, nossa liberdade se dissipa inutilmente. Mas se nós assumimos um compromisso total, então nossa liberdade se sufoca.
Ser livre, é guardar as mãos livres para o futuro, é continuar disponível. Os heróis de romance abrem caminho à liberdade treinando-se através de atos desnecessários: eles se obrigam a afogar seus gatos quando os adoram, a tornar-se ladrões sem interesse, a casar-se com mulheres que não amam e a que nunca amarão, a recusar-se a desposar as mulheres a que amam de fato. E a liberdade é sentida em toda a sua plenitude num momento eterno, por ocasião duma mobilização, de uma ameaça de guerra iminente cuja significação escapa ao herói e que o deixa indiferente, quando o homem morre, quando, no dizer de Sartre, não há mais causa, mais razão, mais passado, mais futuro. Então, a liberdade é sentida como uma alegria, uma alegria “que se transforma em seguida numa angústia esmagadora”.
Tal é o objetivo que os existencialistas propõem à juventude. Um deles, o Sr. M. Camus, exprimiu seu pensamento numa fórmula lapidar: “Só há um problema filosófico verdadeiramente sério, é o suicídio”.
Quem não está vendo que uma tal doutrina é diretamente contrária à educação que deve formar os cidadãos duma verdadeira democracia? O respeito e o gosto, da responsabilidade coletiva, o culto da ciência, a fé na inteligência humana e em suas descobertas, a vontade de realizar, não uma liberdade metafísica, mas liberdades que se chamam liberdade de viver, de pensar, de se instruir, de trabalhar, de ter férias. Todas essas virtudes de que necessita a juventude para edificar uma França democrática, o existencialismo escarnece delas.
Mas a juventude de nosso país não se deixa enganar. E se vemos, nos cafés de Saint-Germain, ao redor da mesa do mestre, gruparem-se alguns discípulos, vemos também, e cada vez mais, os estudantes das classes superiores dos ginásios e das universidades se gruparem nos círculos da União da Juventude Republicana.
Armados com os exemplos daqueles que se bateram alguma coisa, eles nada têm a fazer do abandono, da angústia, da disponibilidade existencialista. Eles sabem que na URSS, na Polônia, na Tchecoslováquia, na Iugoslávia, os jovens tomaram parte na construção de verdadeiras democracias e entendem entregar-se a fundo e sem reserva ao combate contra as forças anti-democráticas.
A resposta magnífica ao chamado das “sirenes” existencialistas é a massa de estudantes que desfilou a 1.° de maio de 1947, da República a Concórdia, sob a bandeira da União da Juventude Republicana da França, cadenciando a sua marcha com a proclamação da sua vontade:
“Façamos fracassar De Gaulle! “Os ociosos ao trabalho!”