Eco do século XVIII ou prenúncio do século XX?

A tradição socialista apresentou a Comuna de Paris como o primeiro governo operário da história. Essa caracterização fora feita pelo próprio Karl Marx no calor dos acontecimentos, em textos reunidos posteriormente num livro que se tornou célebre intitulado A Guerra Civil na França. Marx era teórico e dirigente da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), cuja seção francesa teve papel destacado na revolução e no governo da Comuna de Paris.

Vinte e três anos antes da Comuna de Paris, Marx e Engels haviam prognosticado no Manifesto do Partido Comunista, a iminência de uma revolução operária no continente europeu. Três anos depois de terem escrito O Manifesto, Marx e Engels, nas análises e balanços que fizeram das revoluções de 1848, prosseguiram afirmando que uma revolução operária estava em marcha. Na análise que Marx faz da Revolução de 1848 na França, em seus textos O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte e As Lutas de Classes na França, o episódio da insurreição operária de junho de 1848 em Paris é interpretado como a primeira ação na qual o proletariado teria emergido como força política independente numa luta revolucionária contra burguesia. O motivo imediato dessa insurreição fora a ameaça de fechamento, pelo governo, das oficinas nacionais, unidades produtivas que o Estado francês criara, sob pressão do operariado de Paris, para propiciar emprego aos trabalhadores desempregados. Cerca de vinte anos depois, quando ocorreu a Comuna de Paris, Marx prontamente reconheceu nela a revolução operária que ele e Engels vinham anunciando há algum tempo. Na verdade, não se tratava de uma caracterização surpreendente dos acontecimentos de Paris, que pudesse ter causado muita estranheza e espanto junto aos observadores informados. O próprio Comitê Central da Guarda Nacional, órgão eleito pela população trabalhadora de Paris, ao dirigir a insurreição de 18 de março de 1871 e dar início ao governo da Comuna, proclamou, com a pompa e a solenidade que os franceses sabem emprestar a seus atos políticos, que organizava a insurreição na condição de representante do “proletariado de Paris”. Pois bem, a teoria que Marx e Engels vinham elaborando em estreita conexão com o desenrolar da história européia ter-lhes-ia permitido, desde a década de 1840, antever os fatos ou, ao contrário, eles trataram de amoldar o episódio da Comuna segundo as conveniências de numa teoria equivocada?

Não se pode ignorar o fato de que a caracterização da Comuna como um governo operário tem conseqüências políticas. Nas ciências humanas, é possível ser objetivo, mas não é possível ser neutro. As conseqüências da tese de Marx são claras. Se a Comuna foi um governo operário, isso sugere que, no final do século XIX, a classe operária podia ser considerada uma “classe social ascendente”, teria demonstrado capacidade para elaborar um programa político próprio, organizar-se em torno dele, e assumir o governo da “capital do mundo”. Significa, também, que a teoria e as teses dos teóricos e dirigentes da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) estavam corretas. É compreensível que essa análise viesse a receber boa acolhida no movimento socialista e incomodasse muito os ideólogos burgueses.

Podemos dizer, se deixarmos de lado os escritos reacionários meramente panfletários, que somente um século depois, na década de 1960, começou a se desenvolver uma outra caracterização da Comuna de Paris. O historiador francês Jacques Roguerie, pesquisando os processos movidos pelas forças vitoriosas da reação contra os communards sobreviventes, passou a sustentar a tese de que a revolução e o governo da Comuna teriam sido o último capítulo das revoluções burguesas dos séculos XVIII e XIX, e não o primeiro capítulo de um processo emergente de revolução operária (2). Essa tese empolgou o meio acadêmico; ela indicava o caminho para desconstruir o “mito socialista” da Comuna. Surgiu, também, uma bibliografia anglo-saxã, apresentando a Comuna como fruto de uma luta de alguns bairros de Paris, luta que congregaria, indistintamente, indivíduos de todas as classes sociais (3). Resumindo um pouco, poderíamos dizer que o historiador Roger V. Gould sustenta que a Comuna foi uma luta de bairros, e não uma luta de classes – uma luta travada por alguns bairros cujas populações teriam um forte sentimento identitário supra-classista (4). Para desconstruir o “mito socialista” da Comuna, contudo, a formulação que prosperou nos meios acadêmicos franceses foi a formulação colocada por Jacques Rougerie nos seguintes termos: “Comuna-crepúsculo” ou “Comuna-aurora”? E o próprio Rougerie respondeu, no Le procès des communards, que se trataria de uma revolução crepuscular, último espasmo das revoluções românticas dos séculos XVIII e XIX (5).

Negar a natureza operária da Comuna de Paris também tem conseqüências políticas, embora distintas, é claro, das conseqüências políticas da tese anterior. Essa negação significa diminuir, e muito, a presença política da classe operária na Europa do século XIX e lançar dúvidas sobre a capacidade política do operariado. Não há nada de estranho, portanto, no fato de a tese da “revolução-crepúsculo” ter sido muito bem aceita entre os liberais. Ademais, essa tese fornecia, de quebra, a base para uma crítica aos escritos políticos de Karl Marx. Os teóricos da revolução crepuscular sustentam ou sugerem que Marx distorceu os fatos relativos à Comuna para que esses pudessem caber na teoria que ele e Engels vinham elaborando.

Estamos sugerindo que cada qual deve escolher, de acordo com suas preferências políticas, a tese que melhor lhe convém? Os socialistas deveriam assumir a defesa incondicional do caráter operário da Comuna, cabendo, compreensivelmente, aos liberais a tarefa de desconstruir, a todo custo, esse “mito socialista”? Seguramente, esse modo de resolver por vias políticas uma questão historiográfica não seria um bom procedimento metodológico, ao menos para os historiadores marxistas e para os intelectuais e militantes socialistas. É necessário ter consciência das conseqüências políticas de cada tese em presença não para tomar partido arbitrariamente mas, sim, dentre outras razões, para poder controlar os efeitos de nossas preferências políticas na discussão de um tema que é antes de tudo historiográfico.

Precisamos ir além da metáfora astronômica formulada nos termos crepúsculo versus aurora. Podemos começar a sair dessa metáfora, utilizando, num primeiro momento, os seus próprios termos. O historiador francês Claude Willard, presidente da associação Les Amis de la Commune, afirmou, numa das palestras que proferiu no Brasil por ocasião do colóquio internacional 130 Anos da Comuna de Paris: a Comuna se alimentou tanto do sol poente quanto do sol nascente. A Comuna é, ao mesmo tempo, herdeira de 1789 e anunciadora das revoluções operárias dos século XX.

É herdeira de 1789 num duplo sentido. Em primeiro lugar, porque, conforme veremos, a revolução burguesa não cumprira tudo aquilo que colocara como promessa. Um movimento revolucionário que quisesse ir além das tarefas burguesas poderia se ver, e esse foi o caso da Comuna, na contingência de, numa primeira fase, realizar, sem meias palavras, essas promessas não cumpridas. Em segundo lugar, porque as tradições revolucionárias das classes trabalhadoras dos modos de produção pré-capitalistas podem, de inúmeras maneiras, serem incorporadas, no contexto de um programa novo, pelo proletariado. É sabido que a revolução de 1789 é uma revolução burguesa fortemente marcada pela luta do elemento popular. Mais ainda, nota-se a presença precoce e embrionária de um elemento estritamente proletário. Friedrich Engels sempre destacou o papel de Babeuf, dirigente da Conspiração dos Iguais, na revolução burguesa na França, e o papel de Winstanley, organizador dos diggers, na revolução burguesa na Inglaterra. Engels considerava esses dirigentes e esses movimentos a ala proletária, avant la lettre, dessas revoluções burguesas. Logo, podemos completar os termos do problema: devemos nos perguntar, não só pelo que há de burguês na Comuna de Paris, como também pelo que há de popular – passível de reaproveitamento pelo movimento socialista – e até de proletário na Revolução Francesa de 1789. As duas perguntas são pertinentes. Mas, se o sol poente e o sol nascente são sempre o mesmo e único sol, variando apenas o ponto de vista do observador, tal não se dá com as revoluções. É preciso se perguntar sobre a natureza de 1871, sobre o seu elemento dominante.
Nós entendemos que a Comuna de Paris foi, como escreveu Karl Marx, uma insurreição e um governo da classe operária, a primeira experiência de um poder operário, e, como tal, uma “revolução-aurora”, anunciadora do movimento e das revoluções operárias que iriam moldar a história dos século XX. Por que pensamos assim? Por que consideramos que a análise de Marx resistiu à pesquisa historiográfica contemporânea?

Responderemos essa questão em dois tempos. Num primeiro momento, indicaremos a situação do movimento operário na França à época da Comuna, suas idéias e organizações, e a composição social dos órgãos de poder da Comuna de Paris. Retomaremos, para tanto, algumas informações bem conhecidas, mas realçaremos também uma pesquisa pouco divulgada sobre essa matéria e que fortalece a tese do caráter operário do movimento que resultou na Comuna de Paris. Num segundo momento, indicaremos, recorrendo ao conceito ampliado de modo de produção e à problemática da transição ao socialismo, o componente socialista da Comuna de Paris, questão que é motivo de acalorada discussão entre os historiadores, e como esse componente socialista influenciou no curso dos acontecimentos. Nessa parte, indicaremos, também, qual é o conteúdo exato da tese de Marx sobre a natureza operária da Comuna, já que sobre esse ponto existem muitas incompreensões, e como esse conteúdo foi confirmado, inclusive nos detalhes e nas nuanças, pela pesquisa historiográfica posterior.

Insurreição e governo operário

Os homens e mulheres que fizeram a Comuna de Paris eram de extração social operária e vinham se organizando em torno de idéias que tendiam ao socialismo.

Os trabalhadores de Paris da década de 1870 não podem ser assimilados aos artesãos, lojistas e companheiros que compunham o movimento sans-culottes da grande Revolução Francesa de 1789. Dois terços da população economicamente ativa da cidade eram compostos de assalariados, principalmente trabalhadores assalariados manuais, e mais da metade dessa mesma população ativa trabalhava na indústria. Paris convertera-se, ao longo do II Império (1852-1870), numa cidade de assalariados e industrial. A cidade tinha um milhão de habitantes em 1850 e atingiu quase dois milhões em 1870. Em 1866, foram recenseados 455.000 operários e operárias, 120.000 empregados, 100.000 trabalhadores domésticos e 140.000 patrões. Os ramos que mais empregavam eram a indústria de roupas e confecções, a de produtos de arte e de luxo, a construção civil e a metalurgia. Grande parte desses assalariados trabalhava em pequenas empresas, mas um contingente significativo já era o típico trabalhador assalariado moderno produzido pela revolução industrial – a construção civil e a metalurgia cresceram muito sob o II Império e funcionavam em padrões capitalistas modernos para a época. Havia duas fábricas de locomotivas e de material ferroviário que possuíam mais de mil e quinhentos operários cada uma e as oficinas ferroviárias do norte de Paris eram, desde 1848, consideradas “fortalezas operárias” (6).

Em 1870, a classe operária parisiense já possuía organizações de massa e idéias próprias. Estava organizada sindicalmente na Federação das Associações Operárias de Paris que reunia então cerca de 40.000 membros (7). A seção francesa da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) tinha presença política importante nesse movimento operário nascente. A massa operária realizou grandes greves nos anos de 1868, 1869 e 1870, marcadas por enfrentamentos com a polícia imperial. A greve é um método de luta que, por definição, não pode ser usado pelos pequenos proprietários ou pela “plebe urbana”. Ademais, essa massa operária teve, no ocaso do II Império, a sua “escola de socialismo”.

Os historiadores Alain Dalotel, Alain Faure e Jean-Claude Freiermuth, usando uma documentação inédita formada por detalhados relatórios policiais, fizeram um estudo importante e cuidadoso das reuniões públicas do período de crise do regime político imperial (8). Esse estudo mostra que a oposição operária e popular ao II Império já era forte antes do desastre da Guerra Franco-Prussiana de 1870. Mostra também que o conteúdo político e ideológico dessa oposição iam muito além do republicanismo democrático-burguês. Um verdadeiro programa de construção de uma economia socialista vai se esboçando nos grandes salões de reuniões públicas dos bairros populares de Paris. Fazem parte desse programa em gestação alguns pontos fundamentais e apresentados de modo articulado: igualdade sócio-econômica, eliminação da propriedade privada dos meios de produção, a instauração da propriedade coletiva e a utilização da ação revolucionária para alcançar esses objetivos. Vê-se que se trata de um programa coletivista, que deixou para trás o igualitarismo de pequeno proprietário (= dividir a propriedade privada), típico dos sans-culottes do século XVIII.

Como a classe operária não é uma mera coleção de indivíduos que ocupam o mesmo lugar no processo de produção, mas sim um coletivo organizado de trabalhadores assalariados que luta contra o capitalismo, convém nos determos um pouco na forma como era apresentado o programa comunista que se discute e se esboça nas reuniões públicas do final do II Império. Vale a penas escutar os oradores de então.

O escritor Alphonse Humbert, blanquista, discursando em novembro de 1868 na sala Grand Pavvillon Ménilmontant afirma: “A igualdade eu a quero integral”; Gaudoin, discursando na sala Molière defende “o estabelecimento da Comuna igualitária”; Lefrançais, outro orador importante dessas reuniões públicas, demonstra, segundo consta do relatório da polícia, que “longe de destruir a igualdade humana, a Comuna revolucionária a desenvolverá” (9). Essa igualdade não é, de modo algum, pensada pelos comunistas, à maneira do pequeno proprietário, como divisão da propriedade: “O remédio é o comunismo, a propriedade coletiva.”; depois de evocar Babeuf na sala La Redoute, o orador Lefrançais “prega a substituição da propriedade individual pela propriedade coletiva.”; o vendedor de flores Louis Moreau, na sala do Vieux-Chêne, declara: “Eu sou comunista e não quero a propriedade individual. O remédio que nós propomos não é a destruição da propriedade, é a propriedade coletiva, a propriedade para todos e não a propriedade explorada por alguns às custas de outro.” O caminho para se chegar à propriedade coletiva, por sua vez, é a luta de classes: “É preciso cindir as classes.”; “O comunismo representa o futuro, ele não faz concessões nem estabelece compromissos com nossos inimigos. Com eles, guerra mortal; guerra mortal e impiedosa (aplausos).” “É necessário ser duro e suprimir a burguesia.” (10). Pode-se imaginar o efeito de discursos como esses junto à burguesia e aos policiais que acompanhavam e relatavam as discussões das reuniões públicas.

Esses salões de reuniões públicas iriam, logo após a queda do II Império e a proclamação da República em setembro de 1870, dar origem aos clubes operários e populares, muitos deles dispondo de jornais próprios, que formariam uma rede de organizações de massa dos trabalhadores de Paris. Os clubes mais ativos eram, justamente, aqueles dos bairros operários e populares de Paris, formando um arco que ia do norte ao sudeste da cidade, passando pela sua região leste: Batignolles, Montmartre, Belleville, os distritos XI, XII e XIII. Antes mesmo da insurreição de 18 de março de 1871, esses bairros e distritos, com seus clubes, jornais e batalhões da Guarda Nacional, haviam escapado da autoridade do Estado e se auto-administravam. Foi essa massa operária que fez a revolução de 1871.

O perfil sócio-econômico dos militantes e dos combatentes da Comuna prova a afirmação acima. A presença do trabalhador manual é amplamente majoritária, sendo que os novos setores tipicamente operários (construção civil, metalurgia, diaristas sem especialização) têm uma presença bem superior ao seu peso na população ativa de Paris. Durante a Semana Sangrenta e logo após a derrota da Comuna, foram presos pelas tropas de Versalhes mais de 35.000 parisienses que tinham participado da revolução. Dentre esses, mais de 5.000 eram operários da construção civil, mais de 4.000 eram diaristas sem especialização, outros 4.000 eram operários metalúrgicos, e milhares de outros eram operários de diferentes setores econômicos. Ao todo, cerca de 90% dos prisioneiros eram de origem operária e popular. Chama atenção a participação dos trabalhadores que compunham o moderno operariado de então. Os operários da construção civil, metalúrgicos e diaristas sem especialização somados representam 39% dos prisioneiros e 45% do contingente de prisioneiros que foram condenados à deportação. Esse levantamento foi feito pelo próprio Jacques Rougerie, quinze anos depois de ter lançado seu primeiro livro sobre o tema, no qual ele tinha procurado desconstruir o “mito socialista” da Comuna. Nessa nova pesquisa, Rougerie reviu, ainda que sem o dizer, sua análise anterior. Concluiu, após o exame dos dados, que a Comuna foi a “revolução da Paris do trabalho” (11).
Além da predominância nas organizações de massa e nos combates da Comuna, os operários parisienses tiveram um papel destacado na insurreição e no governo de Paris.

O órgão que comandou a insurreição de 18 de março de 1871, dando origem à Comuna de Paris, foi o Comitê Central da Guarda Nacional. Esse comitê era composto por 38 delegados eleitos nos bairros de Paris, sendo que 21 desses delegados eram operários; cerca vinte deles eram filiados à seção francesa da Associação Internacional de Trabalhadores (AIT) e às Câmaras Sindicais de Paris. Além da maioria de operários havia dez escritores, artistas e profissionais liberais, três empregados, três pequenos fabricantes e um rentista (12). Do ponto de vista de sua composição social, compreende-se que o Comitê Central da Guarda Nacional tenha proclamado que assumia o poder em nome do proletariado de Paris.

O órgão político maior da Comuna de Paris, o Conselho da Comuna, eleito em 26 de março, oito dias após a insurreição, também era composto por uma maioria de operários e de filiados à Associação Internacional dos Trabalhadores e às Câmaras Sindicais. Esse Conselho contava, nominalmente, com 79 membros, dos quais apenas cerca de 50 compareciam às sessões. Nada menos que 33 dos conselheiros eleitos eram operários; o restante eram intelectuais, pequenos proprietários e profissionais liberais. Jacques Roguerie, na obra citada mais acima, calcula que a maioria do Conselho da Comuna – cerca de 40 de seus membros – pertencia à AIT e às Câmaras Sindicais (13). O Conselho da Comuna era um conselho de trabalhadores.

Junto ao Conselho da Comuna, que era a assembléia municipal eleita pelos habitantes de Paris, operava o “braço executivo” da revolução, as comissões, que poderíamos denominar comissões ministeriais. Nesses organismos, a componente proletária era marcante. Logo abaixo das comissões ministeriais, estão os grandes serviços públicos e de infra-estrutura, onde os operários de Paris também tiveram atuação destacada. Trabalhadores assalariados manuais, membros da AIT e das Câmaras Sindicais, dirigiram as comissões ministeriais de finanças e de subsistência (Varlin), do trabalho (Frankel) e a comissão ministerial de ensino (Vaillant). Vaillant apoiou-se na atuação dos membros da AIT que ocupavam subprefeituras de distrito na cidade de Paris para iniciar a implantação do sistema de ensino público, gratuito, laico, obrigatório e aberto a ambos os sexos – as meninas encontravam-se, até então, excluídas do sistema escolar.

No primeiro corpo executivo, que se manteve até 21 de abril de 1871, data em que foi renovado, consideradas as nove comissões ministeriais, os blanquistas eram majoritários, segundo o balanço de Jacques Rougerie. Aqui, cabe uma ponderação. Essa corrente ficou marcada, na memória do movimento operário, como uma corrente pequeno-burguesa. Engels e Lenin insistiram particularmente nesse aspecto: os blanquistas defendiam como estratégia a formação de uma vanguarda muito disciplinada que tomaria, através da insurreição, o poder em nome da classe operária e em seu lugar, para governar, de modo ditatorial e centralizado, até que os operários se educassem politicamente. Essa é, de fato, a componente pequeno-burguesa do blanquismo. Contudo, Marx afirmou, em sua correspondência com Louis Watteau considerar Auguste Blanqui “a cabeça e o coração do partido proletariado na França” (14). Para que essa avaliação torne-se compreensível devemos considerar, além dos métodos de organização e de luta dos blanquistas, o seu programa econômico e social que propunha uma sociedade igualitária, sem dominação de classe, e baseada na propriedade coletiva dos meios de produção. Por isso, é incorreto identificar, a partir de semelhanças formais nos métodos de ação política revolucionária e centralizadora, os blanquistas com os jacobinos.

Vale a pena apresentar alguns fatos a esse respeito. Nas grandes reuniões públicas do final do II Império, os blanquistas eram muito ativos, principalmente nos salões dos bairros operários do norte e do leste de Paris. Falando para um público que, não raro, ultrapassava três mil pessoas, os blanquistas se autodenominavam comunistas, criticavam os socialistas pela sua posição reformista, e pregavam a necessidade da tomada do poder político para implantar a “Comuna revolucionária”. Ao contrário do que sugerem ou afirmam muitos, a proposta de lutar pela Comuna estava presente no movimento operário antes da Guerra Franco-Prussiana, foi amplamente discutida nas reuniões públicas e era entendida, ao mesmo tempo, como organização de um poder local e de uma sociedade igualitária. A proposta de Comuna revolucionária unificava diversas correntes do movimento operário francês (15). A tomada do poder era, para os blanquistas, o meio para se poder eliminar a propriedade privada dos meios de produção, transformá-los em propriedade coletiva e atingir a igualdade social. Foram esses militantes blanquistas, que muito apropriadamente se autodenominavam comunistas, que formaram a maioria no “braço executivo” do Conselho da Comuna até o final de abril (16).

No que respeita aos grandes serviços públicos e de infra-estrutura, foram operários organizados nos sindicatos ou na Internacional que administraram a Imprensa Nacional (Debock), a Casa da Moeda (Camélinat) os Correios (Theisz). Theisz foi um exemplo de talento e dinamismo, tendo garantido o bom funcionamento do serviço de correio em plena revolução e a despeito do boicote da direção dos correios, que fugiu para Versalhes, e de parte de seus funcionários (17).

A Comuna é socialista?
Economia e política no período de transição

Podemos afirmar, portanto, que a composição social dos combatentes de base e dos dirigentes da Comuna de Paris foi marcadamente operária. Não eram apenas operários. Os profissionais liberais, pequenos proprietários, lojistas e artesãos, que eram muito numerosos na população de Paris, tiveram, como indicamos de passagem, participação importante nos órgãos de governo da Comuna. Aliás, Marx fala em “governo essencialmente operário”, e não em governo operário sem mais. Continuando. Pelos dados apresentados, também é legítimo dizer que os operários estavam absorvendo e desenvolvendo, com a intervenção, principalmente, das vanguardas blanquista e internacionista, da AIT, uma concepção de mundo anticapitalista na conjuntura da crise do II Império e se valendo da extraordinária experiência revolucionária dos trabalhadores de Paris. Essas duas constatações são fundamentais, tendo em vista a atual operação de “desconstrução” do “mito socialista” da Comuna. Mas elas não encerram a questão. Pois resta saber o que foi a política implementada pela Comuna de Paris. Ela foi pura e simplesmente uma política republicana burguesa? Ou uma política republicana burguesa acrescida de medidas de reforma social – ma espécie de esboço de um Estado de bem-estar avant la lettre? Ou será que a Comuna implantou mesmo uma política socialista?

Os communiards lutaram pela “república social”, tomaram diversas medidas de proteção ao trabalho e à população pobre, mas poucas medidas que prenunciavam uma economia de tipo socialista. A medida socializante mais citada, e de fato muito importante, foi o decreto que determinou que toda fábrica abandonada pelo proprietário – fenômeno comum em tempo de revolução – passasse para o controle dos operários que nela trabalhavam. Mas isso é pouco para afirmar que o governo da Comuna foi socialista. O historiador francês Ernest Labrousse insistiu, no decorrer de um debate por ocasião do centenário da Comuna de Paris, num ponto importante: nenhum documento oficial da Comuna de Paris faz uma proclamação doutrinária e solene apresentando o socialismo como objetivo de governo (18).

O próprio Karl Marx, cuja tese sobre a natureza operária da Comuna é o motivo de toda essa discussão historiográfica e política, ao voltar ao tema da Comuna, cerca de dez anos após os acontecimentos de Paris, observou, em carta a um correspondente, que a maioria dos dirigentes da Comuna de Paris sequer era socialista. Alguns estudiosos, comentando essa carta de Marx, afirmam que ele estaria, com essa observação, revendo a análise que fizera no já citado Guerra Civil na França. Essa obra, escrita no calor da hora, estaria irremediavelmente contaminada por um entusiasmo irrealista e pelos objetivos políticos da A.I.T. Nós discordamos dessa avaliação. É preciso ler com atenção as obras e autores que se pretende comentar. Marx afirmou em Guerra Civil na França que a Comuna foi a primeira experiência de um governo operário, mas não disse que ela foi um governo socialista. O máximo que Marx afirma é que a Comuna “trazia em si” o socialismo, caminhava tendencialmente para ele. Vejamos como podemos entender a coexistência da tese do governo da classe operária com a idéia segundo a qual a Comuna seria apenas tendencialmente socialista.

Não se pode perder de vista um fato elementar: o objetivo imediato da Comuna de Paris foi depor um governo de traição nacional e com inclinação monarquista. Por temor ao proletariado de Paris, que se encontrava organizado e em armas, o governo francês aceitara uma paz forçada com a Prússia, paz que restringia a soberania da França e mutilava o seu território. Quanto aos monarquistas, pregando a assinatura do tratado de paz a uma população cansada dos horrores da guerra, conquistaram a maioria na eleição parlamentar de fevereiro de 1871. A Comuna tinha pela frente, portanto, as tarefas de assegurar a soberania nacional, ameaçada pela ocupação prussiana e pelo armistício, e impedir a restauração da monarquia dos Bourbons, ou seja, tinha pela frente tarefas tipicamente burguesas. Tinha pela frente, também, outras tarefas burguesas que apareceram como promessa na Revolução de 1789 e que não tinham sido cumpridas. Exemplos mais importantes dessas tarefas não realizadas, ou apenas parcialmente realizadas, eram a separação da Igreja e do Estado e a implantação do ensino público, gratuito, obrigatório, laico e aberto ao sexo feminino. O desenvolvimento do princípio da cidadania, criatura típica da revolução burguesa, depende da implementação de medidas como essas e a Comuna tratou de realizar essas duas tarefas. Em resumo, a Comuna tinha de levar adiante as transformações burguesas inacabadas para, como disse Engels, “aplainar o terreno” para poder iniciar a obra de transformação socialista da velha sociedade (19). Para essa tarefa de “aplainar o terreno” foi possível contar com grande parte da pequena burguesia de Paris, dos artistas, dos profissionais liberais e de alguns setores radicalizados do republicanismo burguês. Muitos defendiam a Comuna pura e simplesmente para defender a pátria ocupada. É por isso que, quando Marx apresenta sua caracterização da Comuna de Paris, ele usa a expressão um “governo essencialmente operário”, indicando a existência de um governo de frente popular, dominantemente operário, na Comuna.

Mas a Comuna de Paris não é apenas uma revolução popular que herda e assume tarefas das ondas revolucionárias que abalaram a França em 1789, 1793, 1830 e 1848. Há, também, um importante componente socialista presente na política da Comuna. Esse componente é conhecido como fato histórico, mas mal dimensionado nos planos teórico e político. Os estudiosos, em grande parte, deparam-se com esse fato mas não o pensam como parte integrante do projeto socialista de transformação social. Estou me referindo à nova forma de organização do poder político, à democracia de novo tipo criada pela Comuna e que Lenin chamará de um “semi-Estado”. Grande parte dos marxistas e dos historiadores que discutem a Comuna é tributária de uma concepção economicista de socialismo, concepção ainda hoje amplamente hegemônica. Tal hegemonia faz com que os historiadores procurem o socialismo da Comuna apenas na sua política econômica. Ora, o novo tipo de democracia que a Comuna de Paris estabeleceu também é parte integrante e incontornável do socialismo. Esse novo tipo de democracia representa uma socialização do poder político que, como tal, possibilita e induz a socialização dos meios de produção (a política e a economia devem ser vistas, nesse caso, como faces de uma mesma moeda). E isso é verdade independentemente da consciência que os dirigentes da Comuna tivessem desse fato (20).

Vale a pena arrolar as medidas que configuraram essa democracia de tipo novo: eleição, não só para os cargos governamentais, como também para os cargos militares, administrativos e judiciários do Estado; mandato imperativo, revogável a qualquer momento pelos eleitores; dissolução do Exército permanente e criação de uma milícia operária; transferência de inúmeras outras tarefas do Estado para a população trabalhadora organizada; salário dos funcionários públicos não superior ao salário médio dos operários (a Comuna foi o “governo mais barato” da história). São essas e outras medidas que configuravam a democracia de tipo novo, que combinava democracia representativa com democracia direta, e representava o início do processo de extinção da burocracia e do próprio aparelho de Estado, enquanto aparelho especial colocado acima da sociedade.

A questão é pertinente numa teoria da transição ao socialismo porque esse aparelho é um obstáculo intransponível à socialização dos meios de produção. A burocracia de Estado tende a converter sua autoridade e influência política em vantagens materiais, expropriando os trabalhadores manuais dos meios de produção que esses procuram socializar. Sua destruição pela Comuna de Paris e o início do processo de extinção do Estado em geral removeu esse obstáculo e, ao mesmo tempo, estimulou, como veremos a seguir, uma política que esboçou um processo de socialização dos meios de produção. É esse esboço, essa tendência à socialização da economia, que Marx vislumbrou no desenrolar dos acontecimentos e forneceu a chave teórica para sua explicação.

Vejamos como Marx resumiu sua tese sobre a Comuna de Paris no livro Guerra Civil na França.
“Eis o seu verdadeiro segredo: a Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora contra a classe dos apropriadora, a forma política enfim descoberta para levar adiante dentro de si a emancipação econômica do trabalho. (….)

A dominação política dos produtores é incompatível com a perpetuação de sua escravidão social. Portanto, a Comuna teria de servir de alavanca para extirpar o cimento econômico sobre o qual descansa a existência das classes e, por consegüinte, a dominação de classe. (21)”

Lendo o texto acima, observa-se que se trata de uma forma política que traz “dentro de si” a “emancipação econômica do trabalho”. Ou seja, a socialização do poder induz a socialização dos meios de produção. Com o movimento operário exercendo democraticamente o poder (mandato imperativo, dissolução do exército permanente etc.) pode-se afirmar que se cria um desajuste – ou desequilíbrio, ou contradição – entre o poder socializado, de um lado, e a economia capitalista baseada na propriedade privada, de outro. Esse desajuste é formulado nos seguintes termos por Marx: a “dominação política dos trabalhadores” é “incompatível” com sua “escravidão social”. Daí ser possível fundamentar teoricamente a análise prospectiva que segue o raciocínio de Marx: a Comuna (realidade política) “teria de servir” (tempo futuro) de “alavanca” para a eliminação da exploração de classe (realidade econômica).

Essa análise prospectiva, isso que aparece em Marx como indicação de uma tendência teoricamente fundamentada, foi plenamente confirmada pelas pesquisas históricas mais sofisticadas e detalhadas dos historiadores do século XX. Um desses historiadores é, justamente, Jacques Rougerie. Convidado em 1971 para proferir uma conferência no Colóquio Universitário em Comemoração ao Centenário da Comuna, realizado em Paris em maio de 1971, Jacques Rougerie, baseado nos documentos dos arquivos históricos da Guerra Franco-Prussiana, sustentou que as medidas da “Comissão Ministerial do Trabalho e da Troca”, dirigida por Frankel, membro da Associação Internacional dos Trabalhadores, estava, indubitavelmente, esboçando um caminho de socialização dos meios de produção. Jacques Rougerie citou aprovativamente, após o exame dos documentos, os trechos do Guerra Civil na França, em que Marx sustentou, no calor dos acontecimentos, a tendência da Comuna para implantar o socialismo. Diríamos nós, a tendência da Comuna, que já estava organizada em padrões socialistas no plano político, a sua tendência para implantar uma economia socialista baseada na socialização dos meios de produção (22).

Essa tendência em organizar uma economia socialista não pode ser confundida com as medidas tomadas pela Comuna para atender os interesses imediatos dos trabalhadores parisienses: a suspensão do vencimento dos aluguéis e de dívidas, a devolução gratuita dos bens penhorados pelos pobres, a proibição do trabalho noturno dos padeiros, a implantação de um seguro para os desempregados, o início do processo de implantação de uma escola pública, gratuita, laica, obrigatória e aberta a ambos os sexos. Tais medidas, embora importantes e urgentes, podem apontar, no máximo, para um Estado de bem-estar, não para o socialismo. Podem indicar a presença de um pessoal de origem operária exercendo funções de governo, mas não a existência de uma forma socialista de organização do poder político.

A tendência para o socialismo aparece na política da “Comissão Ministerial” do Trabalho e da Troca de colocar a produção sob controle das associações operárias – cooperativas operárias e sindicatos. O historiador Jacques Rougerie caracteriza essa política como uma política de socialização dos meios de produção pela via da “sindicalização dos meios de produção”. Essa via de socialização pode ter limites e contradições. Mas, a colocação da produção sob controle das associações operárias não deve ser vista pura e simplesmente como uma forma embrionária, ainda “artesanal”, de conceber uma economia socialista. Ao contrário, o leitor do século XX deve ser mais humilde no exame da experiência da Comuna. O socialismo pautado pelo modelo da União Soviética perdeu-se justamente por seu estatismo, por identificar socialização com estatização dos meios de produção.

A “sindicalização dos meios de produção” é reivindicada por todas associações cooperativas e sindicais. Reivindicavam que o Conselho da Comuna entregasse o trabalho de que dispunha para as associações cooperativas e sindicais. Faziam essa reivindicação as associações de encadernadores, alfaiates, sapateiros, trabalhadores do sebo, trabalhadores do couro e de peles. A Comissão do Trabalho da Comuna acolheu essas propostas operárias, que apontavam para uma reorganização geral da economia. Parecia imperar a idéia de que com o apoio político e financeiro do Conselho da Comuna, as associações operárias imporiam uma socialização gradativa dos meios de produção. Jacques Rougerie conclui:

“A Comissão do Trabalho obedeceu, se assim posso me expressar. Calculei, pelo menos, dez associações às quais passou o trabalho, através de atestado. O movimento deveria continuar. Uma realização socialista estava aqui em curso. (….) Faltou tempo. (….)”

Outro fato a ser lembrado é o decreto de 16 de abril, que autorizava as Câmaras Sindicais a organizar os operários para que recolocassem em marcha as fábricas abandonadas por capitalistas que fugiam para Versalhes. As associações operárias viram nesse decreto o início do processo de implantação do socialismo. Transcrevo algumas das reações provocadas pelo decreto de 16 de abril.

"(…) Nunca uma ocasião mais favorável foi oferecida por um governo à classe dos trabalhadores. Não participar será trair a causa da emancipação do trabalho (…)." (Câmara Sindical dos Alfaiates)
"(…) Para nós, trabalhadores, esta é uma das grandes oportunidades de nos constituir definitivamente e, enfim, colocar em prática nossos perseverantes e trabalhosos estudos dos últimos anos (…)." (Câmara dos Mecânicos)

"No momento em que socialismo se afirma com um vigor desconhecido até agora, é impossível que nós, operários de uma profissão que sofreu em mais alto grau o peso da exploração e do capital, permaneçamos impassíveis ao movimento de emancipação (….).” (Câmara dos Joalheiros)

Após o decreto, e em decorrência dele, as Câmaras Sindicais organizaram-se, no mês de maio, na Comissão de Investigação e Organização do Trabalho. O governo da Comuna e as Câmaras atribuíam a essa Comissão a incumbência a seguintes incumbência.

"Acabar com a exploração do homem pelo homem, última forma de escravidão. Organizar o trabalho por meio de associações solidárias de capital coletivo e inalienável."

Segundo Jacques Rougerie, dez sindicatos chegaram a realizar o trabalho de levantamento das oficinas abandonadas. Ocorre que a Comissão de Investigação e Organização do Trabalho concluiu seu processo de constituição, com elaboração de estatutos e demais formalidades, em 18 de maio de 1871, quando ia começar o massacre da Semana Sangrenta. A derrota da Comuna interrompeu um caminho já iniciado.

É possível, portanto, fundamentar teoricamente e detectar empiricamente a existência de uma tendência da Comuna para dirigir um processo de transição ao socialismo, completando a obra de socialização do poder político com a obra de socialização dos meios de produção. E é possível afirmar, também, que a tendência era de o Conselho de Comuna e as organizações operárias irem tomando cada vez mais consciência do processo que estavam, dentro de certa medida, inventando. Por isso é correto repetir, 130 anos depois, a idéia de Marx, segundo a qual a Comuna de Paris continha “dentro de si”, ou “trazia em si”, o socialismo. Foi isso que Marx afirmou, com a acuidade e a precisão que caracterizam seu trabalho.

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NOTAS

1. Professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp e autor do livro Política Neoliberal e Sindicalismo no Brasil, São Paulo, Editora Xamã, 1999.

2. Jacques Rougerie, Le procès des Communards, Paris, Edições Julliard, 1964.

3. O livro de R. V. Gould, Insurgent Identities: Class, Community and Protest in Paris from 1848 to the Commune (Chicago University Press, 1995), é resumido e criticado no artigo de Tombs citado acima. Tombs mostra a inconsistência dos dados de Gould.

4. Ver Robert Tombs “Les communeux dans la ville: des analyses récentes à l´étranger”, Le Mouvement Social, abirl/junho de 1997, n. 179, pp. 105.

5. Convém alertar o leitor para o fato de que, segundo a nossa interpretação dos escritos de Jacques Rougerie, ele relativizou, poucos anos depois, essa sua tese e, um pouco mais tarde ainda, acabou por abandoná-la. Falaremos disso mais adiante, até porque iremos nos apoiar amplamente nas pesquisas mais recentes do próprio Rougerie. Por ora, lembramos que Robert Tombs, no artigo citado, e Danielle Tartakowsk, no ensaio que publica neste livro, continuam defendendo a tese original de Rougerie que vê na Comuna o último episódio da Revolução de 1789.

6. Jacques Roguerie, La Comunne de 1871, Paris, PUF, 1997, p. 12.

7. Jean Gacon, “Le premier pouvoir ouvrier”, comunicação ao Colóquio Universitário em Comemoração do Centenário da Comuna; reproduzida em Roberto Mero, Paris, la Commune, Paris, CD-ROM, Edição Mémoire, em associação com Les Amis de la Commune e Les Temps des Cerises, s.d.

8. Alain Dalotel, Alain Faure e Jean-Claude Freiermuth Aux origines de la Commune – le mouvement desenvolvimento réunions publiques à Paris 1868-1870, Paris, Edições François Maspero, 1980.

9. Reuniões Públicas em Paris, relatório, 800 páginas manuscritas, Bibliothèque Historique de la Ville de Paris, documento NA 155. Apud Dalotel et allia, op. cit., p. 240.

10. Dalotel et allia, op. cit., pp. 242-245.

11. Jacques Rougerie, La Comunne de 1871, op. cit., p.102

12. idem, p. 50.

13. Outras Comunas foram proclamadas na França em 1871, como em Lião e Marselha. Mas nem todas tiveram uma classe operária organizada de modo independente. Esse foi o caso da Comuna de Creusot – cidade da região leste da França, próxima à Suiça, típica e tradicional região operária voltada para a mineração e a fundição. A classe operária de Creusot, ainda debilmente organizada, agiu como a ala socialista de um partido republicano. Ver Pierre Ponsot, Les grèves de 1870 et la Commune de 1871 au Creusot, Paris, Éditions Sociales, 1957. Coleção Pages d´Histoire Populaire.

14. Ver o verbete “Blanquisme” in Georges Labica e Gérard Bensussan (org.), Dictionnaire Critique du Marxisme, pp. 101-102, Paris, Presses Universitaires de France, 1985, 2a edição revista e ampliada.

15. Discordamos, por isso, da tese muito difundida na França segundo a qual a Comuna de Paris teria sido uma “revolução involuntária”. No Brasil, o historiador Daniel Aarão, em texto que circulou pela internet por ocasião do evento 130 Anos da Comuna de Paris, defendeu essa idéia. (Daniel Aarão Reis Filho, “Comuna de Paris: última revolução plebéia ou primeira revolução proletária?, Internet, Lista do Evento 130 Anos da Comuna de Paris, Espaço Marx, São Paulo, 2001.) Ora, as circunstâncias desempenham um papel importante em qualquer revolução. Nenhuma revolução é a realização integral de um projeto elaborado por um sujeito que teria desvendado a suposta marcha da história. A Comuna de Paris, nessa medida, também pode ser considerada filha das circunstâncias, mas não involuntária. A pesquisa histórica já citada de Dalotel, Faure e Freiermuth mostra que nas reuniões públicas do período final do II Império forjou-se uma plataforma socialista de massa. Essa plataforma incluía como um de seus pontos centrais, que, ao contrário de outros, unificava quase todas as tendências, a luta pela “Comuna social”. Nos anos de 1868, 69 e 70, essa Comuna, que “se administrará a si própria”, toda Paris proletária debateu e almejou. Ela não foi mero produto imprevisível da Guerra Franco-Prussiana. Ver Dalotel, Faure e Freiermuth, op. cit., pp. 257 e sgts.

16. Os blanquistas estavam como peixe na água nos salões dos distritos proletários de Paris. No décimo oitavo, décimo novo e vigésimo distritos intervinham nos salões sala dos Martyrs, Bal de la Reine-Blanche, Salle de la Révolution, Salle de la Marseillaise, Folies-Belleville, Grand Pavillon Ménilmontant e outros. São blanquistas, e se declaram comunistas, os oradores das salas de reuniões como Emile-Victor Duval, forjador, 30 anos, membro da AIT; Louis-Eugène Moreau, operário metalúrgico, 23 anos; Emmanuel Chauvrière, empregado, 19 anos; Abel Peyrouton, advogado, 29 anos; Raoul Rigault, estudante de medicina, 23 anos; Alphonse Humbert, escritor, 26 anos e muitos outros.

17. Ver Paul Chauvet, “Comment la Commune a administré Paris” e Jean Gacon, “Le premier pouvoir ouvrier”, op. cit.. Comunicações apresentadas no Colóquio Universitário em Comemoração do Centenário da Comuna de Paris, reproduzidas em Roberto Mero, Paris, La Commune, CD-ROM, op. Cit.

18. Ernest Labrousse, intervenção no Colóquio Universitário para a comemoração do centenário da Comuna de 1871, Paris, Les Éditions Ouvrières, 1971, pp. 79 e sgts

19. “Uma parte de seus (da Comuna) decretos eram reformas que a burguesia republicana, por vil covardia, não havia ousado implantar, e assentavam os fundamentos indispensáveis para a livre ação da classe operária, como, por exemplo, a implantação do princípio de que com respeito ao Estado, a religião é um assunto estritamente privado (….).” Friedrich Engels, introdução escrita em 1891 para a publicação de Guerra Civil na França. Citação retirada de Karl Marx, La guerra civil en Francia, Moscou, Editorial Progresso, 1977, p. 13.

20. Poucos tinham essa consciência. Quem conseguiu ver esse fato foi Marx. Mesmo assim, Marx hesitou na terminologia. Apresentou a “forma política enfim descoberta”, isto é, a democracia de novo tipo, como condição para o socialismo, e não, rigorosamente, como parte integrante dele. Apesar dessa hesitação, na verdade mais terminológica que conceitual, Marx mostrou aos combatentes da Comuna o conteúdo profundo da ação deles. Após a Comuna de Paris, todos dirigentes e combatentes que refletiram sobre os acontecimentos e publicaram análises e memórias sobre os eventos de 1871 consideraram que a Comuna caminhava para o socialismo. É o que conclui Jean Bruhat após fazer um balanço dos escritos dos dirigentes e combatentes da Comuna. Ver Jean Bruhat “Les interpretations de la commune”, Nouvelle Critique, número especial sobre a Comuna de Paris, Paris, 1971, pp. 115-122

21. Karl Marx, La guerra civil en Francia, Moscou, Editorial Progresso, 1977, p. 67.

22. A revista Crítica Marxista publicou uma tradução dessa importantíssima conferência de Jacques Rougerie. O valor historiográfico e inclusive histórico desse texto é tanto maior porque, além da conferência, temos, a seguir, um debate acalorado entre Jacques Rougerie e outros grandes historiadores franceses, como Albert Soboul e Ernest Labrousse, Este último pretende, baseado no fato de que o governo da Comuna não se proclamou socialista, que o correto é afirmar que a Comuna foi um governo operário, mas não socialista. Ver Crítica Marxista, n. 13, Editora Boitempo, segundo semestre de 2001.