A desigualdade darwiniana do futebol europeu
Não permita que europeus metidos a justiceiros lhe deem um sermão sobre a desigualdade social nos Estados Unidos, especialmente os alemães. Comparando as ligas profissionais de futebol mais importantes dos EUA e da Alemanha, chega-se rapidamente a uma conclusão surpreendente: os alemães são bem mais tolerantes com a desigualdade do que os americanos.
O Bayern de Munique, eterna potência da Bundesliga alemã, é o campeão da temporada 2013/ 2014… novamente. Ao longo de 51 temporadas, o Bayern ganhou o campeonato 23 vezes. O campeonato ainda não terminou, diga-se de passagem, mas a máquina implacável do Bayern já obteve o título, no dia 25 de março, sete jogos antes do fim do campeonato, transformando-se assim no time que mais cedo conseguiu decidir, matematicamente, o campeonato alemão (a Bundesliga, assim como a maior parte das ligas nacionais da Europa, não tem eliminatórias).
Até a derrota de 1 a 0 para o modesto Augsburg, no início de abril, o Bayern havia conseguido uma sequência inacreditável de 53 jogos invicto na Bundesliga. A equipe joga com uma bela síntese de táticas germânicas e uma fluidez mediterrânea, mais espirituosa. O Bayern dispõe dos astros da seleção nacional alemã, que participaram da Copa do Mundo no Brasil, mas também de grandes jogadores holandeses, franceses, espanhóis e brasileiros, todos treinados pelo lendário Pep Guardiola. As equipes adversárias não apenas invejam os talentos que compõem os 11 principais jogadores do Bayern; elas também cobiçam os poderosos talentos que ocupam o banco de reservas do time. Os clubes menores da liga não chegam a investir um décimo do que o Bayern gasta com jogadores.
Por contraste, a Liga Nacional de Futebol Americano (NFL, na sigla em inglês) — que supostamente coordena um esporte bem mais brutal, em uma sociedade feroz na qual os vitoriosos levam tudo — é um paraíso socialista lutando incessantemente por mais paridade. A liga tem um teto salarial estrito e um plano de compartilhamento dos lucros que proporciona recursos mais igualitários às equipes, a despeito do patrimônio de seu dono ou do tamanho de sua cidade de origem. Adicionando a isso a compensação aos times menores e a maior taxa de recrutamento de jogadores universitários, fica difícil pensar em qualquer outra instituição, de qualquer tipo, que tenha seguido com tanto sucesso a velha máxima marxista “cada um dá de acordo com suas habilidades; cada um recebe de acordo com suas necessidades” quanto a NFL. O sistema parece ter sido elaborado para encorajar o revezamento dos títulos do Super Bowl entre as equipes, ou pelo menos para permitir que os fãs de cada cidade acreditem estar a apenas um ou dois campeonatos distantes da grande glória.
Equipes ricas
Na Europa, não foram apenas os alemães que criaram um cenário desigual nos esportes. As principais ligas de futebol do continente comandam torcidas globais e amplos lucros que são distribuídos de maneira desigual. Seis das equipes esportivas com os 10 maiores salários do mundo são times de futebol europeus, incluindo o Bayern, de acordo com a análise da ESPN/SportingIntelligence do salário médio dos jogadores. New York Yankees, Los Angeles Dodgers, Chicago Bulls e o Brooklyn Nets ocupam as posições seguintes.
As ligas europeias normalmente possuem um pequeno número de equipes ricas que jamais são superadas pelas outras em campo. “La Liga”, da Espanha, é essencialmente um duopólio entre o Barcelona e o Real Madrid, com o aparecimento ocasional de outros clubes, como o Valencia, o Sevilla ou, neste ano, o emergente Atlético Madrid. Na Premier League britânica, o círculo de competidores com chances reais é ligeiramente maior — cinco ou seis equipes podem ter aspirações realistas ao prêmio, no início de cada temporada.
Na Alemanha, um país que normalmente não associamos com a desigualdade, o Bayern comanda sozinho sua própria liga, no que diz respeito a talentos e recursos. Há um ano, quando o Borussia Dortmund encontrou o Bayern na final da Liga dos Campeões da UEFA (a superliga na qual os principais clubes de cada país jogam uns contra os outros), a “Forbes” observou o desequilíbrio grotesco nos recursos gastos por cada uma das equipes, com os bávaros apresentando uma folha de pagamentos quatro vezes maior do que a do Dortmund.
Por que os alemães se interessam por uma liga que carece tão gravemente de “Chancengleichheit” (aquilo que nós, americanos, chamaríamos de oportunidades iguais)? Não seria infindavelmente frustrante ser um torcedor do Stuttgarter Kickers ou do Freiburger, sabendo ano após ano que não há qualquer esperança de vitória, mesmo antes da primeira partida do campeonato? E não se torna entediante ser um fã do Bayern, sabendo que suas vitórias são compradas? Ainda assim, a Bundesliga continua a atrair mais fãs aos seus jogos, em média, do que qualquer outra liga de futebol europeia.
Interesse permanente
“Os americanos têm esta noção de que deve haver certo equilíbrio competitivo para que as coisas sejam interessantes”, diz Stefan Szymanski, coautor de “Soccernomics” e economista esportivo da Universidade do Michigan. Szymanski confirma que nenhuma outra liga de futebol da Europa é tão dominada por um único time quanto a Bundesliga é pelo Bayern.
“Mas o que alimenta o interesse dos torcedores é uma história envolvente, e isso às vezes pode significar o oposto de paridade”, complementa, citando o golfista Tiger Woods como exemplo, quando ocupou imbativelmente o topo durante muito tempo. As pessoas querem ver um mestre jogando, elas querem ver durante quanto tempo a dominação pode ser estendida. A proeza inacreditável do Bayern nos dias atuais tem, de fato, um aspecto narrativo interessante; é difícil negar.
Szymanski também observa que as equipes de futebol europeias têm muitos interesses, e que “há muito mais em jogo para os torcedores do que simplesmente ganhar o campeonato”. A própria sobrevivência, por exemplo. Em vez de incentivar os piores times com todo tipo de vantagem competitiva, como a NFL faz (pense nisso como uma espécie de estado de bem-estar social do futebol americano), a Bundesliga, como a maior parte das outras equipes de futebol mundo afora, conta com a ferramenta darwiniana do “rebaixamento”. A cada temporada, as equipes com a pior performance são rebaixadas para uma liga inferior, cujos campeões ascendem, e assim por diante, em uma cadeia, passando pela segunda, terceira e quarta ligas. Algumas equipes nunca voltam, apenas desaparecem gradualmente, arruinando a franquia financeiramente e traumatizando seus fãs.
Os americanos que dependem da paridade radical no futebol — especialmente os torcedores que residem em áreas como Oakland ou Cleveland, muito dependentes das políticas de redistribuição — esperam que a NFL nunca se sinta tentada a adotar a desigualdade darwiniana do futebol europeu. Não apenas isso consolidaria o sucesso de apenas um pequeno grupo de times, como também nos privaria dos argumentos necessários para rebater os tediosos sermões dos europeus sobre a desigualdade nos EUA.
Tradução Henrique Mendes para Opera Mundi
Texto originalmente publicado em Zócalo Public Square, revista eletrônica, com sede em Los Angeles, que busca conectar pessoas e ideias que estimulem o sentimento de cidadania e comunidade