Nossa candidatura assume o caráter de um movimento em defesa do Brasil
Lula – O Brasil caminha para um importante momento histórico. No último final de semana de junho, realizamos a Convenção Nacional do PT e selamos alianças políticas que nos dão enorme chance de vencer as eleições, governar bem e mudar o Brasil. Fechamos aliança mais uma vez com os companheiros do PCdoB, além do PL, do PMN e do PCB. Nossa coligação tem como base um programa de governo que vai resgatar as dívidas sociais fundamentais que nosso país tem com a grande maioria do povo brasileiro. Além disso, em todas as campanhas eleitorais sempre contamos com a atuação decisiva nas ruas dos militantes do PT e do PCdoB. O dia em que oficializamos a aliança com o PCdoB foi alegre, apesar de sentirmos muito a falta do saudoso companheiro João Amazonas, que durante tantos anos se dedicou a tentar unificar as oposições no Brasil. Tenho certeza de que os militantes do PCdoB – e de tantos outros partidos – vão continuar se beneficiando por muitos e muitos anos dos ensinamentos políticos que João Amazonas deixou. Sempre encontrei nele um homem tranqüilo, sereno e firme em suas avaliações de conjuntura política. O que continua agora com Renato Rabelo.
Frente à crise e à instabilidade, o candidato do governo afirma que o Brasil deve continuar com o modelo neoliberal de FHC. A sua proposta de governo significa um novo rumo para o Brasil?
Lula – O Brasil precisa de um presidente da República que tenha liderança política e capacidade de negociação para realizar um novo contrato social. Todo mundo sabe que comecei a formar as minhas convicções políticas e a desenvolver minha capacidade de negociação defendendo a democracia nas duras condições do regime militar. A principal razão para ser presidente do Brasil é dar um novo rumo ao nosso país. Este é o meu maior sonho: contribuir com a minha vida e experiência política para melhorar a situação do povo brasileiro. Isso significa combater a miséria e acabar com a fome que ainda castiga quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Significa possibilitar que a grande maioria do povo brasileiro obtenha cidadania, que os jovens não tenham de enfrentar as incríveis dificuldades pelas quais eu e tantas pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa dar ao nosso país o valor que ele merece, transformando-o na grande nação sonhada por gerações. Significa mudar de rumo, afastando nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica. Significa retomar o desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social.
Não é fácil fazer tudo isso. Mas é preciso, antes de tudo, um presidente da República comprometido de corpo e alma com esses objetivos. E eu me preparei para isso e tenho esse compromisso. Deixei claro na Carta ao Povo Brasileiro (ver texto ao lado), entregue à nação recentemente, que será necessário uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em 8 anos não será compensado em 8 dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implantado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Para isso, vamos baixar os juros, incrementar as exportações e incentivar de modo planejado a substituição de importações, resolvendo a questão da extrema vulnerabilidade externa da economia brasileira. É nesse contexto que criaremos melhores condições para o cumprimento dos contratos firmados pelo atual governo, sem comprometer as metas sociais do nosso governo.
O senhor considera a amplitude política e social de sua candidatura essencial à vitória da coligação e à garantia da governabilidade?
Lula – A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente. Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados matizes ideológicos declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas significativas do empresariado vêm se somando ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o nosso país. Até o último momento vamos tentar unir as oposições, respeitando o direito legítimo de cada partido de lançar candidato próprio. Nossa idéia é preparar as condições para estarmos unidos em algum momento, no primeiro turno, no segundo ou no futuro governo.
Como o senhor avalia a atual proposta da Alca?
Lula – Sou um defensor da integração latino-americana, mas não apenas da integração econômica, comercial, mas também política e cultural. A proposta da Alca, nos termos atuais, é inaceitável. Não é um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, é uma proposta de anexação da economia da América do Sul e do Caribe à economia norte-americana. Sem o Brasil, a Alca não existe. Além disso, uma verdadeira integração inclui Cuba. Um projeto de integração pressupõe certa eqüidade entre os membros que participam da integração. Os Estados Unidos detêm a hegemonia tecnológica, militar, cultural e econômica, e não se propõem a ter uma política compensatória como a que a União Européia teve para a Espanha, Portugal e Grécia, por exemplo.
O povo brasileiro tem pago uma conta muito alta pela submissão do Brasil à globalização neoliberal comandada pelos Estados Unidos. Nosso país tem se rendido às exigências do FMI e do Banco Mundial e tem sido tímido perante a Organização Mundial do Comércio, e a organismos controlados pelos países mais ricos. Tudo indica que esse preço vai aumentar ainda mais se o Brasil se submeter à integração forçada na Alca. Um estudo feito pela embaixada brasileira em Washington constatou que as exportações brasileiras para os EUA pagam uma tarifa média de 45%, enquanto as norte-americanas para o Brasil pagam em média 15%. E a administração Bush quer discutir a Alca sem colocar na mesa de negociações essas limitações impostas a praticamente todos os produtos nos quais o Brasil é mais competitivo. O que vamos discutir, então? Apenas a redução da TEC (Tarifa Externa Comum do Mercosul) ou da Lei de Informática, que acabamos de aprovar? Ou a simples anexação do Brasil aos Estados Unidos? O comércio tem de ser uma estrada de mão dupla, onde todos saiam ganhando e não somente alguns. O governo Bush tem tomado medidas protecionistas que ferem os interesses dos outros países e isso não pode ser consolidado num acordo geral de livre comércio. Enquanto os produtos norte-americanos, com raras exceções, entram livremente no Brasil, 60% das exportações brasileiras que vão para os Estados Unidos defrontam-se com algum tipo de obstáculo para entrar naquele país. São sobretaxas como a do aço e suco de laranja, quando não cotas de importação, como no caso do açúcar, ou ações antidumping e fito-sanitárias – tudo isso reduzindo o potencial exportador brasileiro.
Como será sua política externa?
Lula – O Brasil perdeu terreno no comércio internacional na década passada, justamente por conta de acordos comerciais desfavoráveis e do pouco empenho do governo para aproveitar a espetacular expansão comercial que se verificava em todo o mundo. Nesse sentido, não cabe entrar mais uma vez numa aventura comercial onde nada se oferece e muito se exige do Brasil. Nosso governo não vai ser submisso e defenderá firmemente os interesses do nosso país, fazendo valer o peso que o Brasil possui no contexto internacional. Nossa participação hoje é pequena, mas pode ser aumentada – o Brasil ainda é a 10ª maior economia do mundo. Não podemos ser tratados como uma república de bananas. Temos de ocupar o espaço que nos cabe e adquirir respeito. Vamos combater o protecionismo, tentar abrir os mercados para os produtos brasileiros e sobretudo defender nossa soberania. Isso vale para China, Índia, e Estados Unidos. Para o Brasil é mais interessante neste momento defender o Mercosul, que passa por uma crise, mas já foi muito importante para a dinamização do comércio entre seus membros. Reforçar o Mercosul significa atrair os países andinos para dentro do acordo, estreitar os laços com a União Européia e ampliar o comércio com a China, a Índia, com a Ásia de modo geral, com a África do Sul, e com todos os países em que haja espaço para ampliá-lo.
EDIÇÃO 66, AGO/SET/OUT, 2002, PÁGINAS 18, 19