Com sua consolidação, a política neoliberal conquistou a hegemonia na grande maioria dos países e passou a ser a política oficial de organizações internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC).

A síntese da política neoliberal passou a ser a desregulamentação da economia, a liberalização do comércio e as privatizações. Para a América Latina foram fixadas regras mais rigorosas e explícitas sintetizadas no chamado Consenso de Washington, cujo conteúdo básico envolve estabilização da economia, através do combate à inflação; ajuste fiscal com a eliminação do déficit público; redução do tamanho do Estado; privatizações das empresas públicas; abertura comercial com redução das alíquotas de importação; fim das restrições ao capital estrangeiro; fim das restrições às instituições financeiras internacionais.

Tais metas passaram a ser “condicionalidades” impostas pelas organizações internacionais como o FMI para liberar empréstimos, particularmente aos países dependentes.

Falando desta política Michel Chossudovsky afirma: “Desde o começo dos anos 80, os programas de ‘estabilização macroeconômica’ e de ‘ajuste estrutural’ impostos pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países em desenvolvimento (como condição para renegociação da dívida externa) têm levado centenas de milhões de pessoas ao empobrecimento (…). O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desregulamentação, liberalização do comércio e privatizações é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre a política monetária e fiscal”. (CHOSSUDOVSKY, 1999: p. 26)

Sobre as conseqüências econômicas deste processo o mesmo autor diz:
“O pacote de estabilização econômica do FMI tem, teoricamente, a intenção de ajudar os países na reestruturação de suas economias, com o fim de gerar superávit em suas balanças comerciais para que estes possam pagar a dívida e iniciar um processo de recuperação econômica. O que acontece é exatamente o contrário. O próprio processo de ‘apertar o cinto’ imposto pelos credores solapa a recuperação econômica e a capacidade dos países de quitarem suas dívidas (…). As medidas de austeridade levam à desintegração do Estado, remodela-se a economia nacional, a produção para o mercado doméstico é destruída devido ao achatamento dos salários reais e redireciona-se a produção nacional para o mercado mundial. Essas medidas implicam muito mais que a gradual eliminação das indústrias de substituição de importações: elas destroem todo o tecido da economia doméstica”. (Op. cit., pp. 59 e 60)

A conseqüência dessa política é uma concentração de rendas jamais vista. Apenas 358 bilionários dispõem de uma riqueza igual à da metade da população mundial, ou seja, 2 bilhões e 500 milhões de seres humanos. Falando sobre esse gigantesco processo de concentração de riquezas, afirmam Hans Peter Martin e Harald Schumann: “Um quinto dos estados do planeta (os mais ricos evidentemente) produzem 84,7% do produto mundial bruto, os seus cidadãos efetuam 84,2% das transações mundiais e possuem 85,5% de toda poupança interna. Desde 1960, a diferença entre o quinto dos países mais ricos e o quinto dos países mais pobres mais do que duplicou”. (MARTIN & Schumann, 1999: p. 36)

A resultante de tudo isso foi o debilitamento dos estados dependentes e o fortalecimento dos estados centrais e das grandes empresas multinacionais. As crises do Brasil, Argentina, e México são exemplos do debilitamento dos estados dependentes. Nos Estados Unidos, Alemanha e Japão evidencia-se o fortalecimento dos estados dominantes. Neste processo a potência hoje hegemônica, os Estados Unidos, foi a que mais obteve resultados se fortalecendo econômica, política e militarmente. Atílio Boron falando sobre esta questão afirma:

“Os estados, especialmente na periferia capitalista, foram conscientemente enfraquecidos, quando não selvagemente sangrados, pelas políticas neoliberais a fim de favorecer o predomínio sem contrapesos dos interesses das grandes empresas. (…) a realidade é que nossos estados são muito mais dependentes hoje do que antes, oprimidos por uma dívida externa que não pára de crescer e por uma ‘comunidade financeira internacional’ que na prática os despoja de sua soberania ao ditar as políticas econômicas docilmente implantadas pelos governos da região”. (BORON, 1999: pp. 48 e 50)

Os defensores do neoliberalismo, na formulação de sua política, partem de uma falsa análise das reais causas da crise fiscal. Afirmam que ela reside, essencialmente, nas demandas excessivas dos trabalhadores. Na verdade a causa mais importante da crise fiscal é o custo financeiro da dívida, tanto interna como externa – o que é omitido pelos neoliberais, pois se trata de um mecanismo para transferir recursos da esfera pública para a privada, no processo de acumulação capitalista.
Analisando o caso brasileiro essa questão fica evidente. Nos acordos firmados com o FMI o país é obrigado a produzir um superávit primário, onde não se incluem os gastos com as dívidas interna e externa. Para atingir este resultado o governo corta recursos da educação, saúde, reforma agrária, construção de estradas e investimentos.

Tal situação é retratada no Orçamento da União. Dos recursos orçamentários da União, para o ano 2000, 43,17% são destinados ao pagamento dos encargos financeiros da dívida. Enquanto isso se destina 6,09% para o Ministério da Saúde, 3,78% para o Ministério da Educação, 1,35% para o Ministério da Agricultura e Abastecimento, 0,52% para o Ministério Extraordinário da Política Fundiária, 0,22% para o Ministério do Meio Ambiente e 0,09% para o Ministério da Cultura.

Parece inacreditável. Mas esta é a realidade. A prioridade fundamental da política econômica brasileira é o pagamento das dívidas. Tanto assim que a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe drásticas sanções a governadores e prefeitos; no entanto, diz claramente que os gastos com o pagamento da dívida estão fora dessas limitações. Aí, portanto, reside o problema fundamental do déficit público enfrentado pelo Estado brasileiro.

Para esconder do público qual a sua verdadeira natureza, fala-se em déficit primário que não inclui os custos financeiros da dívida. A opção é clara ao manter os escorchantes compromissos com os credores à custa da recessão, do desemprego e dos cortes orçamentários em áreas decisivas para a população brasileira. Este modelo é repetido em todos os países do mundo que seguem as diretrizes do Fundo Monetário Internacional.

Sem limitações para a acumulação capitalista

O neoliberalismo é uma política adotada pelos capitalistas como forma de alcançar a liberdade máxima para o capital, à custa dos trabalhadores e dos países dependentes. Ele representa, em certa medida, um retorno ao capitalismo selvagem, sem limitações, no processo de acumulação capitalista.

No final da II Guerra Mundial o neoliberalismo era uma corrente de pensamento completamente marginal. As concepções keynesiana e socialista tinham larga influência. Todavia diante da crise do sistema capitalista, do esgotamento do caminho keynesiano e da crise do socialismo o neoliberalismo ganhou a hegemonia mundial. A imperiosidade de retomar um amplo processo de acumulação capitalista à custa dos trabalhadores e dos países dependentes tornara-se necessária e possível. Já não era mais preciso tomar medidas sociais para enfrentar o risco de uma revolução. Agora havia condições de se colocar em prática, sem maiores limitações, o objetivo fundamental do capitalismo: a obtenção da maior taxa de lucros possível.

Por outro lado, com a “revolução tecnológica” criaram-se condições objetivas para uma aceleração da internacionalização do capital, particularmente no campo financeiro. Com isso o capitalismo precisou romper as amarras das limitações “nacionais” e da política de “proteção social” para assegurar o aumento de seus lucros.

A adoção do modelo neoliberal conduziu a um aumento da taxa de lucros. No entanto o aumento da lucratividade não representou um crescimento na atividade produtiva. Pelo contrário, grande massa de recursos foi deslocada da esfera produtiva para a esfera especulativa e financeira. Tanto assim que a economia mundial, que cresceu a um ritmo de 5% ao ano entre 1950 e 1973, entrou em crise e, entre 1974 e 1980, teve um crescimento negativo de menos de 3,5%. Apesar de todas as políticas adotadas teve um crescimento medíocre, em torno de 2% nos últimos anos. Para atingir tal objetivo a desregulamentação das economias, a liberalização do comércio e as privatizações passaram a ser questões centrais, colocadas em prática através dos organismos internacionais como o FMI, o Banco Mundial e a OMC (Organização Mundial do Comércio).

Distante da aparência das idéias neoliberais, neste modelo, o Estado continua jogando importante papel no incremento na acumulação capitalista. No entanto esta ação se desenvolve de forma nova. Adota-se uma política de redução da participação do Estado na esfera produtiva, mas ele age sob outras formas com o mesmo objetivo: aumentar a acumulação capitalista. Reduz-se impostos das camadas mais ricas, através da diminuição dos impostos diretos, sobre a renda e a riqueza, para aumentar a “saudável desigualdade” defendida pelos neoliberais. Amplia os impostos indiretos, particularmente o imposto sobre o consumo, tão amplamente divulgado com o nome de imposto sobre o valor agregado. Esse imposto recai sobre uma base mais ampla da sociedade atingindo de forma indiferente tanto quem tem mais recursos como aquele que tem menos. É um imposto regressivo, que já vigora em vários países do mundo. No Brasil o setor empresarial e o governo pregam sua adoção como parte das chamadas reformas estruturais.

Por outro lado o Estado investe no saneamento do setor financeiro, como no caso do PROER, no Brasil. Financia as privatizações, como tem feito o BNDES, beneficiando também as empresas estrangeiras. Realiza o chamado ajuste fiscal com cortes orçamentários que trazem graves conseqüências para a vida do povo. Realiza a chamada reforma estrutural, cuja essência é a privatização, a abertura comercial, a desregulamentação da economia e do fluxo de capitais e a redução dos “custos sociais” para aumentar a lucratividade. Tenta realizar a reforma política para garantir a “governabilidade” para a continuidade da política neoliberal. As conseqüências de tudo isso têm sido o desmonte das economias nacionais dos estados dependentes, o agravamento da concentração da renda, o crescimento da riqueza nas mãos de poucos e o aumento da exclusão social e da miséria para milhões.

Uma das conseqüências mais graves é o crescimento acelerado do desemprego – conjuntural, decorrente das políticas recessivas, e o desemprego estrutural, decorrente da adoção de novas tecnologias. Estas inovações tiveram como resultado um aumento da produtividade do trabalho e um aumento dos lucros.O caminho natural seria que tal aumento da riqueza social fosse compartilhado com os trabalhadores. Todavia ocorreu exatamente o inverso. A concentração da riqueza aumentou sob a alegação de que o Estado não deveria intervir em favor dos trabalhadores. É bom lembrar que após a revolução industrial, com a introdução das máquinas na produção industrial, o aumento da produtividade terminou por levar a uma redução da jornada de trabalho, através da luta da classe operária.

Fica evidente que o neoliberalismo é uma versão moderna do velho liberalismo combatido há muito e, por algum tempo, superado. Longe de representar idéias avançadas ele representa um retrocesso tanto teórico como político, com sérias conseqüências sociais. Todavia tal concepção já encontra hoje forte resistência. Já se pode perceber que uma nova onda de crescimento do pensamento progressista começa a ser levantada no mundo. Vai se desmanchando no ar a idéia de caminho único, de fim da História.

Aldo Arantes é deputado federal pelo PCdoB/GO, advogado e mestrando em ciência política na UnB.

Notas

BORON, Atílio. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A globalização da pobreza. 1ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 1999.
MARTIN, Hans-Peter e Harald Schumann.
A armadilha da globalização. 2ª ed. Lisboa, Portugal: Terramar, 1999.

EDIÇÃO 62, AGO/SET/OUT, 2001, PÁGINAS 54, 55, 56