Nestes três anos de implementação do Plano Real aprofundaram-se as contradições engendradas pelas mudanças no mundo do trabalho e seus impactos sobre a produção capitalista e pela política antioperária, antidemocrática e antinacional do governo FHC.

Os trabalhadores têm suportado o custo social da estabilização econômica com índices crônicos de desemprego. O PIB veio declinando de 6,0% em 1994, para 4,2% em 1995; 2,9% em 96; deverá fechar o ano de 1997 em tomo de 3,5%. O crescimento econômico teve um desempenho medíocre.
A taxa de desemprego na Grande São Paulo em julho de 1994, data do lançamento do Real, era de 14,5% (Seade/ Dieese). Em setembro de 1997 foi de 16,3%, totalizando mais de 1,409 milhão de desempregados, o maior número já registrado desde que a Fundação Seade e o Dieese iniciaram sua pesquisa, em 1985. Os trabalhadores da indústria foram os mais atingidos, com a eliminação de 240 mil postos de trabalho só em São Paulo. Estima-se que, pelos mesmos critérios do Seade/Dieese, o número de desempregados e sub-empregados em todo o Brasil seja superior a 11 milhões.
Dados do Ministério do Trabalho indicam o crescimento da informalidade durante o Real, com a eliminação de 730 mil empregos formais em todo o país. Cerca de 53% da mão-de-obra do Brasil já está no mercado informal.

Durante o Real, o brasileiro tem trabalhado mais. As empresas têm operado com número reduzido de trabalhadores e respondem aos aumentos eventuais da demanda com o abuso de jornadas extraordinárias de trabalho.

No ano de 1993, 42,6% dos assalariados do setor privado trabalhavam mais que a jornada legal de 44 horas semanais na Grande São Paulo. Em setembro de 1997, este percentual tinha aumentado para 48%.

Resultado, em boa medida, desse aumento do ritmo de trabalho, segundo o Boletim Estatístico de Acidentes do Trabalho do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social -, aumentaram em 102% as doenças profissionais e em 18,31% os óbitos em todo o país.

Os trabalhadores estão ganhando menos. Houve queda na massa salarial e do salário médio durante o Real. De julho de 1994 a maio de 1997 ocorreu uma perda de cerca de 15% na massa salarial e de aproximadamente 14% no salário médio dos assalariados na região da Grande São Paulo.
O aumento de vendas de bens de consumo durável é explicado pela expansão de crédito e pelo crescimento do crédito direto ao consumidor (CDC) de R$ 6 bilhões para mais de R$ 22 bilhões, entre junho de 94 e março de 97, sujeitando os consumidores a taxas de juros de mais de 70% ao ano, fenômeno simultâneo à elevação extraordinária da inadimplência.

Alterações no mundo do trabalho

A classe operária no Brasil tem sofrido grandes mutações e impactos com as mudanças no processo produtivo, que se aceleraram nestes últimos anos: privatização, automação, novas formas de organizar a produção e terceirização.

A produção industrial brasileira, antes concentrada em determinadas regiões do Sul/Sudeste, desloca-se e interioriza-se na busca de mão-de-obra barata e subsídios fiscais. Esse fenômeno atinge a cidade de São Paulo e a região do ABC, tradicionais centros operários do país, que vão reduzindo relativamente o seu peso operário, seja por falências, reestruturação, desconcentração da produção, instalação de novas indústrias em outras localidades, ou simplesmente pelo deslocamento das unidades produtivas.

Das quinze montadoras de automóveis com instalação anunciada no país, quatorze serão sediadas em cidades do interior dos estados (RS, PR, RJ, SP, MG, BA e GO), e oito estão fora do eixo Rio-São Paulo.

A produção é cada vez mais horizontalizada, inter e intra-empresa, também em nível internacional. A Honda, quinta montadora a se instalar no Brasil, que inaugurou fábrica na cidade de Sumaré – SP, possui quarenta e cinco diferentes fornecedores somente no Brasil. No entanto, o carro produzido tem índice de nacionalização (volume de peças nacionais utilizadas no veículo) de 47%. Os componentes principais – motor, transmissão, suspensão – são importados dos EUA.

Há também alterações no conteúdo do trabalho, com o advento das máquinas "inteligentes" em que são agregados o trabalho e o saber operários: trabalhos complexos são substituídos por trabalho simples. Com isto, certas profissões como a de ferramenteiro, serralheiro, ajustador mecânico – que se mantiveram imunes na fábrica fordista – estão desaparecendo nos dias de hoje. Esses profissionais eram, na maioria das vezes, os que lideravam as greves e são os que ainda ocupam posições de destaque nas diretorias das entidades sindicais. No lugar dessas profissões surgem outras, que merecem ser melhor estudadas.

Todas essas mudanças têm originado uma classe operária com novo perfil. A diminuição da concentração operária, a atomização da produção, novas técnicas gerenciais e os seus métodos de "parceria" e envolvimento dos operários com a empresa alteram com profundidade a subjetividade dos trabalhadores e modificam antigos valores, outrora gerados em uma situação de grande concentração de trabalhadores, sentimento de força na mobilização coletiva e grande solidariedade.

Esse novo perfil é composto ainda pela entrada no mercado de trabalho de uma mão-de-obra mais jovem, apta a lidar com as novas máquinas, seus manuais, símbolos e códigos. Algumas empresas recrutam seus novos empregados exigindo dos candidatos às vagas, segundo grau completo ou curso universitário.

As inovações tecnológicas não retiram o caráter explorador do capitalismo e, sim, o agrava. Quanto maior for a produtividade, maior será o tempo que o trabalhador despende para o capital, e menor é o tempo que ele trabalha para si mesmo. A realidade atual evidencia um processo regressivo de desmantelamento das conquistas sociais e trabalhistas.

A classe operária, embora com tendência de redução numérica, continua a ocupar o seu papel insubstituível na produção de valor. Por estar no centro da luta entre o trabalho e o capital, é a força estratégica para mudar a ordem burguesa. Por outro lado, aumenta o proletariado não-industrial, aqueles que nada possuem a não ser a sua força de trabalho para vender.

O desenvolvimento do caráter social do trabalho, no plano nacional e internacional, e o aumento excepcional do setor de serviços nos indica que "já não é possível segmentar a produção estritamente em 'produção' e 'serviços '" (1). "Hoje, grande quantidade dos serviços estão ligados à produção de mercadorias, que formam o lucro dos capitalistas". Tal constatação dá ênfase à questão sobre o capital investido no setor de serviços ser também produtivo.

Na grande indústria moderna trabalhadores intelectuais são empregados para operar computadores, na contabilidade, em trabalhos de escritório e outros na produção direta. Os serviços de comunicação e transporte são cada vez mais utilizados e necessários no processo produtivo.

"Quando o capitalista vende o produto produzido por sua indústria, com a utilização de todos estes componentes de mão-de-obra, desse trabalho coletivo ele extrai um valor excedente"(2).
Na atual estrutura de produção baseada em cadeias produtivas – onde todo o processo, desde a extração da matéria-prima, transformação até a comercialização final do produto, está cada vez mais integrado num mesmo sistema – vai se apagando até mesmo a linha divisória entre os tradicionais setores primário, secundário e terciário. O que vai aumentar ainda mais a concentração de riquezas, com a apropriação cada vez mais centralizada pelos grandes oligopólios e pelas potências imperialistas.

Por um lado é um novo desafio organizar, mobilizar e conscientizar essa nova geração de trabalhadores, mais dispersas, reunidos em pequenas equipes de produção, com mais dificuldade de desenvolver os antigos valores da classe operária tradicional. Por outro lado, forja-se uma nova classe operária que pode alcançar maior domínio sobre o processo produtivo para melhor compreender o processo de exploração capitalista.

O mundo do trabalho se diversifica e amplia os setores que vivem do trabalho e que são explorados cada vez mais no sistema capitalista. A ação unitária de operários, professores, bancários, funcionários públicos, sem-terras, excluídos e outros setores demonstram que amplia-se a grande frente transformadora. A luta de massas propicia o desenvolvimento da solidariedade entre os diversos setores sociais.

O movimento sindical, para dar respostas a essa nova realidade, deve adaptar sua organização, desenvolver novas formas de luta e rei vindicações. Para fazer frente à ofensiva reacionária do neoliberalismo, a vida demonstra que a ação nos limites corporativos das categorias isoladas, mais do que nunca, é insuficiente. O desafio é realizar mobilizações cada vez mais gerais e amplas dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que é preciso enraizar cada vez mais a luta e a organização sindical no local de trabalho, onde acontece o embate direto entre a política operária versus a dos capitalistas.

Ganha importância ainda maior a organização dos trabalhadores por ramos de atividade. Esta é a forma mais adequada de responder à atual horizontalização da produção. O sindicato verticalizado por categoria, que era um paralelo à estrutura vertical fordista/taylorista, cada vez mais não consegue responder aos novos desafios. O sindicato unitário por ramo de atividade ajuda a superar a fragmentação da produção e dos serviços e abarcar os trabalhadores das empresas terceirizadas e subcontratadas.

A burguesia, seus políticos e ideólogos, conhecem esta verdade tão bem quanto nós. Tudo fazem para semear a divisão entre os trabalhadores e suas organizações políticas e de massa. Os patrões e o governo atacam a organização sindical, suas formas de custeio e tentam impor o pluralismo sindical com o sindicato por empresa, apostando na fragmentação ainda maior da organização dos trabalhadores.

A exploração capitalista está globalizada. A mundialização dos processos produtivos e das mazelas deste sistema, o desemprego e a exclusão social, alastram-se por todo o planeta. Mais do que nunca é uma exigência que a unidade dos trabalhadores ultrapasse os estreitos limites das categorias, dos países, e ganhe o mundo. Cada vez mais a resposta dos proletários deve ser dada procurando a mais ampla unidade dos trabalhadores de todos os países.

Para nós, ganha importância maior a unidade com nossos irmãos da América Latina, pela identidade histórica e pela realidade das relações econômicas e políticas existentes entre nossos países, principalmente com o Mercosul. Ganha prioridade a atuação comum dos trabalhadores.

As geniais palavras de Karl Marx e Friedrich Engels que encerram o Manifesto do Partido Comunista, Proletários de todos os países, uni-vos”, ganham novo e revigorado sentido nos tempos atuais.
O sindicalismo no Brasil, seus limites e desafios

O movimento sindical no Brasil vive um período de dificuldades. Registra um retrocesso nas conquistas, decréscimo de sindicalização, ataques do governo e dos patrões. Os sindicatos sofrem com a reestruturação produtiva, com o desemprego e com a política neoliberal. Reduzem-se o poder de barganha e de mobilização dos sindicatos.

Diminui o número de greves e de trabalhadores envolvidos nos movimentos. A média mensal de greves no primeiro semestre deste ano foi de 60, muito abaixo da média de 108 em igual período de 1996, e a de 103, de janeiro a junho de 1995. Enquanto de janeiro a junho deste ano a média mensal de trabalhadores parados foi de 56.464, em igual período de 96 foram 262.788 e no primeiro semestre de 95 chegaram a 310.745 os trabalhadores parados em média por mês.

Ao lado das dificuldades objetivas enfrentamos problemas de ordem política e ideológica no movimento operário e sindical. A divisão na cúpula, nas centrais sindicais, reflete a predominância da orientação conservadora e social-democrata e é fator de debilidade do movimento dos trabalhadores, causando graves conseqüências à luta de resistência.

A Força Sindical mantém-se como central que defende abertamente as teses neoliberais da privatização, precarização dos contratos de trabalho e de sustentação do governo FHC. As CGTs possuem pouca expressão de massa e têm trajetória oscilante.

A Central Única dos Trabalhadores é a maior e mais representativa das centrais. Ficou marcado no último período o predomínio da orientação do propositivismo em detrimento da mobilização e da luta dos trabalhadores. Hoje, apesar de sua precária unidade interna, busca trilhar o caminho da luta e da resistência e ainda persiste o desafio de aprofundar sua democracia interna, para envolver o maior número possível de setores do movimento sindical.

Dentro desse quadro, o fortalecimento da Corrente Sindical Classista, que divulga e leva à prática do sindicalismo de classe, é fator determinante para o avanço da consciência política e social dos trabalhadores.

Construir a unidade dos trabalhadores e do povo

Frente à ofensiva do capital é vital a unidade dos trabalhadores e chama a atenção a ação divisionista de algumas correntes políticas. Partindo de posições sectárias, alheias ao movimento real, propõem posicionamentos políticos inadequados, que podem levar o movimento sindical e operário ao isolamento.

A unidade dos trabalhadores com amplos setores democráticos e populares é necessária, possibilita a mobilização das mais amplas massas para enfrentar e resistir ao neoliberalismo, devendo, nesse momento orientar-se para derrotar o projeto eleitoral de FHC. A mobilização de milhões é o caminho para a afirmação política dos trabalhadores, forma superior de participação democrática do povo e – a maneira mais eficaz para defender e ampliar os direitos dos trabalhadores.

A luta unitária é forjada em torno de uma plataforma política que responda aos principais problemas dos trabalhadores contra a ofensiva do grande capital. Dentro desta plataforma ganha relevância a luta pelo trabalho. A CUT deve dar seqüência às suas resoluções e desenvolver uma ampla campanha contra o desemprego, destacando a luta pelas 40 horas semanais, sem redução do salário. Ganha importância a marcha pelo emprego convocada pela CUT e pelo Forum Nacional de Luta por Trabalho, Terra e Cidadania para o 1° de maio de 1998.

Para os comunistas essa bandeira ganha um caráter estratégico. Além de criar mais empregos, questiona a lógica exploradora do capital. Aponta a necessidade de uma nova sociedade, em que o avanço tecnológico signifique uma jornada menor, com mais tempo livre para as atividades sociais, lazer e cultura, e desenvolve a idéia de solidariedade, de que se deve trabalhar menos para que todos trabalhem.

O Partido da transformação revolucionária

O fato de a classe operária ocupar papel central na produção de valor não a transforma de maneira automática em classe dirigente. Ela só se coloca corno tal adquirindo consciência socialista e revolucionária. Para esta tarefa o papel do Partido é insubstituível, e a maior participação de operários e de trabalhadores nas fileiras e nas direções é fator que garante a natureza, a existência e a identidade do Partido como organização para a transformação social.

O Partido comunista é instrumento fundamental para a conquista da unidade dos trabalhadores, para sua politização e para imprimir o caráter classista às lutas. A existência de um Partido forte e enraizado entre os trabalhadores é condição necessária para resistir à ofensiva neoliberal e para abrir perspectiva ao socialismo. A luta sindical é o leito natural para fortalecer o Partido entre os trabalhadores.

Para avançar nesses objetivos o Partido deve superar algumas debilidades encontradas nesta frente.
Observa-se certa subestimação das direções do Partido com a frente sindical. É preciso dar maior atenção à constituição de células e organismos partidários entre os trabalhadores. Esses organismos devem ser verdadeiras escolas de comunismo para formar combatentes da transformação social.

Devem ter existência efetiva, e não meramente formal. É o organismo onde se discute e se elabora a política do Partido. Também é ele que deve tomar as decisões mais importantes para a atuação dos comunistas no seu âmbito, na sua categoria, sem atropelar a autonomia das entidades sindicais.
É ainda nos organismos partidários que os ativistas mais combativos e destacados do movimento sindical ganham também a condição de dirigentes comunistas. Subestimar a vida e o coletivo partidário é sinal de uma atuação que fica nos marcos do economicismo.

Alguns desafios estão colocados para nós diante das mudanças no mundo do trabalho:

– Dirigir nosso trabalho para o crescimento na juventude trabalhadora e popular, nas escolas técnicas, atraindo-a para as idéias avançadas da solidariedade e dos valores revolucionários.
– Dar especial atenção à atuação das mulheres, que aumentam a sua participação no mercado de trabalho e que se incorporam à atuação militante nas entidades em número cada vez maior.
– Realizar um Seminário Nacional sobre as alterações recentes no mundo do trabalho e a construção do Partido entre os trabalhadores.
O capitalismo sob a estratégia neoliberal aprofunda sua face de exploração e degradação mais aberta da força de trabalho. É uma necessidade histórica a superação desse sistema pela transformação revolucionária da sociedade. Nas palavras de Marx, "o proletariado nada tem a perder com ela a não ser suas cadeias, e tem o mundo a ganhar".

JOÃO BATISTA LEMOS é membro da Direção Nacional do PCdoB. O presente texto compõe sua intervenção especial ao 9° Congresso do PCdoB, realizado em outubro de 1997.
(1) Manini Charteerjee, integrante do Partido Comunista da Índia – Marxista, citando um dirigente da Federação dos Trabalhadores da Índia.
(2) Idem.

EDIÇÃO 48, FEV/MAR/ABR, 1998, PÁGINAS 28, 29, 30, 31, 32