O que promete a crise atual do capitalismo
A realidade, entretanto, fala mais alto que a propaganda, e os fatos estão a demonstrar que o capitalismo em sua fase imperialista, considerado do ponto de vista histórico, é um sistema em agonia que apresenta insuperáveis problemas que vão se avolumando sem cessar. Abordaremos nos limites deste artigo a crise atual do imperialismo procurando discutir sua natureza e suas causas, dando prosseguimento a uma série de textos sobre o tema já publicados na Princípios.
Tomada em seu conjunto, a economia capitalista apresentou em 1991 a menor taxa de crescimento dos últimos 10 anos, algo em torno de 0,9%, segundo dados do Banco Mundial, cujos dirigentes prevêem uma lenta retomada para a primeira metade da década em curso. O gráfico 1 expõe essa situação, bem como deixa à mostra sua semelhança com as crises de 1974-75 e 1980-82. A tabela 1 apresenta, por país, as quedas recentes do Produto Nacional Bruto em relação ao ano anterior onde se destacam os EUA, a Inglaterra e o Canadá.
As taxas atuais ficam muito distantes das verificadas no pós-guerra, ou mesmo nos anos 1960. Quanto ao comércio mundial, segundo o relatório do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), referente a 1991 e divulgado no mês de março último, “o aumento do volume caiu pelo terceiro ano consecutivo, para 3%, a menor taxa de expansão desde 1983” (1). De uma maneira geral, os índices relativos à produção e ao comércio, mesmo quando não negativos, demonstram a estagnação do sistema.
O prognóstico de uma recuperação em curto prazo se torna ainda mais difícil quando se analisam os últimos dados dos desempenhos alemão, japonês e americano. O Escritório Federal de Estatística da Alemanha informou, no dia 13 de março, que “a economia alemã ocidental teve seu mais fraco desempenho trimestral desde meados de 1987, nos últimos três meses de 1991, que se traduz num declínio de 0,5% do Produto Nacional Bruto – sendo esse o terceiro declínio trimestral consecutivo”.
O Instituto Econômico IFW, ligado à Universidade de Kiel, não prevê uma recuperação antes de 1993 e calculou que o crescimento geral do PNB neste ano ficará em apenas 1%.
“A crise atual cresce apesar das oportunidades de mercados abertos no Leste”.
No Japão, a economia está enfraquecendo e, para surpresa de muitos, começa a recessão. Segundo o professor Ryoshin Minami, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade Hitotsubashi, de Tóquio, em palestra realizada dia 20 de março no Rio de Janeiro, para o ano em curso as projeções são de uma expansão de 2% no máximo, confirmando um processo de desaceleração. A revista The Economist em edição recente dá conta de que 1992 “promete ser um ano dos mais fracos para o Japão desde 1974, a última vez em que o PIB efetivamente encolheu”. O artigo fala ainda numa “recessão longa e desanimadora” como a que ocorre nos EUA e na Grã-Bretanha, justificando da seguinte maneira: “As falências já estão batendo recordes, com as obrigações das empresa falidas em 1991 totalizando US$ 63 bilhões e podendo aumentar outros 50% neste ano (…) no ano financeiro até março próximo, os lucros das companhias deverão cair pelo terceiro ano consecutivo, a primeira vez que tal coisa acontece desde 1954”.
“Quanto à situação norte-americana, não há grandes novidades em relação ao que se tem dito, ou seja, não há nada que indique o início de uma saída da recessão que vem desde meados de 1990. Às vésperas da eleição presidencial, Bush faz um enorme esforço para tentar convencer os eleitores de que as dificuldade americanas têm origem externa, mais precisamente nas relações comerciais com o Japão.
A primeira conclusão que se pode tirar é que a crise atual se estende por todo o sistema do imperialismo. Mas seria interessante discutir por que isso se dá justo num momento em, que, com a desintegração do bloco soviético, abriram-se enormes mercados para a exportação de capitais em suas mais variadas modalidades. Algo infinitamente superior à “integração” que já de algum tempo vinha sendo feita com a Polônia, a Iugoslávia ou mesmo com a URSS de Gorbachev.
E a pergunta torna-se ainda mais intrigante se considerarmos outros fatores, tais como:
– Não há resistência de vulto ao imperialismo em escala internacional, tanto no plano das lutas populares de caráter nacional como no de governos dos países dependentes: pelo contrário, o que se observa é um movimento de classes dominantes de muitos países do Terceiro Mundo no sentido de facilitar a dominação imperialista via alienação do patrimônio público, privatizando empresas estatais;
– Cuba, Vietnã, Coréia e China, países que fizeram revolução e que se mantêm fora da órbita imperialista, não constituem um fator de concorrência à economia capitalista. A economia desses países não está voltada para a disputa de mercados internacionais;
– os preços do petróleo, fonte de energia da qual dependem os países capitalistas desenvolvidos e cujas variações foram apresentadas como causa da crise de 1974-75, agora se mantêm estáveis e relativamente baixos: em torno de US$ 19 o barril.
A discussão sobre a natureza e as causas da atual crise do imperialismo está sendo retomada há pouco tempo pelos pensadores marxistas. Isto se deve, em boa medida, ao fato de que por cerca de 30 anos, desde o pós-guerra até os fins da década de 1960, o sistema mundial capitalista viveu uma fase de expansão e de recuperação nos países que haviam sido destruídos no conflito bélico. Nessa ocasião, a produção da uma maneira geral apresentava índices de crescimento razoáveis, a inflação e o desemprego mantinham-se em níveis relativamente baixos e o dólar como moeda de referência internacional não enfrentava maiores problemas.
Tal situação se esgotou com a eclosão da crise de 1974-75 e só a partir daí é que se começou a debater a crise mais recente do imperialismo de maneira sistemática. Há no campo da esquerda (latu sensu) posições muito variadas sobre o que ocorre no mundo capitalista desenvolvido, que vão desde aqueles que não reconhecem e não falam em crise (2), até aqueles que, reconhecendo-a, dão diferentes interpretações a seu conteúdo e às sua causas. Quanto às forças marxistas-leninistas propriamente ditas, o debate vem sendo feito com atraso e o acúmulo de discussão é ainda incipiente (3). Uma abordagem inicial do problema nos remete a fazer, inclusive do ponto de vista conceitual, a diferenciação entre o que se chama de crise geral do capitalismo e as crises econômicas cíclicas de superprodução do sistema. São fenômenos distintos, os quais podem estar relacionados, mas não devem ser confundidos.
“Não se deve confundir a crise atual do capitalismo com crise geral do sistema”.
A elaboração da tese da crise geral do capitalismo é da lavra de Lênin e se refere à crise do sistema de conjunto, nos terrenos político, econômico e ideológico, “crise que se caracteriza por guerras e revoluções, pela luta entre o capitalismo agonizante e o socialismo ascendente”. Os traços centrais da crise geral do capitalismo são: a divisão do mundo em dois sistemas antagônicos, o capitalista e o socialista; a desintegração do sistema colonial e semicolonial do imperialismo (do qual vão se desprendendo país após país, restringindo-se de maneira crescente o mercado capitalista); as contradições e instabilidade da economia dos países imperialistas; e o desenvolvimento da crise política e ideológica da burguesia (4).
A questão que aqui se levanta é se durante toda a época do imperialismo o sistema está em crise geral com o conteúdo que foi colocado anteriormente. Ao formular sua tese, Lênin levou em consideração, além das leis econômicas do capitalismo monopolista e a possibilidade das revoluções proletárias que daí surgem, a correlação de forças entre o proletariado e a burguesia – a existência, ascensão e consolidação do poder do primeiro e a queda contínua do poder da burguesia. Em outras palavras, o conceito de crise geral do capitalismo está ligado aos aspectos objetivo e subjetivo da luta entre o proletariado e a burguesia.
Mas qual é a situação atual? A URSS iniciou sob o comando de Kruschev a transição para o capitalismo, em meados dos anos 1950, acompanhada por quase todos os países que compunham o bloco socialista e agora, com o esgotamento total dos modelos revisionistas, adota claramente o capitalismo. A Rússia e as outras ex-repúblicas soviéticas estão se tornando países dependentes do imperialismo, principalmente do alemão. De outra parte, apenas um reduzido número de países resiste em manter sua soberania e ainda não há novos países que estejam conquistando a independência nacional. Em certa medida podemos dizer que o momento é de influxo do imperialismo e da contra-revolução. Nesse sentido, não há como caracterizar a crise atual como crise geral do capitalismo, como quiseram fazer crer durante muito tempo os revisionistas soviéticos.
As crises cíclicas de superprodução se manifestam como fenômeno inerente ao capitalismo desde as
primeiras décadas do século passado, tendo sido objeto de análise por Marx e Engels. A característica inicial desse tipo de crise é que as mercadorias não encontraram saída por terem sido produzidas em quantidades maiores do que os principais consumidores, as massas populares, podem comprar. A superprodução não é absoluta e sim relativa à demanda solvente, além do que, não é jamais “medida” em função das necessidades reais da sociedade.
Esse tipo de crise é comum tanto ao capitalismo concorrencial como ao capitalismo monopolista, e sua base está assentada exatamente sobre a contradição principal do sistema, ou seja, entre o caráter social da produção e a forma privada, capitalista, de apropriação dos produtos. Na ânsia de obter lucros cada vez maiores os capitalistas aumentam a produção, aperfeiçoam a técnica, desenvolvem a ciência, empregam novas máquinas, materiais e métodos de trabalho e lançam no mercado enormes quantidades de mercadorias. Com o mesmo objetivo, esforçam-se para manter o nível de vida dos trabalhadores nos limites mínimos, reduzindo relativamente a demanda solvente. A taxa média de lucro cai e a anarquia da produção em toda a sociedade aumenta.
Nos momentos de crise do ciclo capitalista, a produção cai, ocorre a falência de muitas empresas, os estoques se acumulam, os salários são comprimidos ainda mais e o desemprego dispara. Acontece também a destruição maciça de forças produtivas. Vão se acomodando de maneira violenta as proporções da produção com as da demanda solvente. Grosso modo, essa é a teoria das crises cíclicas.
“As siderúrgicas do Japão reduziram a produção em função do acúmulo de enfoques”.
Para fugir à monotonia da abstração, vejamos alguns dados recentemente publicados na imprensa econômica. Dia 20 de março último aconteceu na Europa uma reunião entre representantes do setor da navegação de todo o mundo que “discutiram a necessidade de aumentar a venda de navios como sucata para reduzir o excesso de capacidade de carga que tem contribuído para comprimir o preço dos fretes”. Por navio é que são transportadas milhões de toneladas de carga entre os continentes: o petróleo, o minério de ferro, os grãos etc. Para se ter uma idéia do que está envolvido nesse setor de transporte basta ver que num plano de dez anos para a renovação de metade da frota, como querem os empresários do ramo, teriam que ser investidos US$ 25 bilhões por ano (Gazeta Mercantil, 23-03-1992).
Em 1990, as companhias aéreas tiveram um prejuízo de US$ 2,7 bilhões apenas nos seus serviços internacionais. No ano passado, o prejuízo se elevou para algo próximo dos US$ 4 bilhões e, pela primeira vez desde 1945, as viagens aéreas diminuíram no mundo inteiro. Nessa conta não estão computados os muitos milhões perdidos nas rotas domésticas. Mais de 1.000 aviões – o que equivale a quase 10% da totalidade da frota de aviões comerciais do mundo inteiro – estão parados. Desses, 160 estão estacionados num deserto dos EUA, incluindo vários modelos novos, tais como o Boeing 747, pertencentes à Air Canadá, que custaram a bagatela de US$ 140 milhões cada, e que voaram da fábrica para o estacionamento do deserto. Os fabricantes de avião esperam que muitas das aeronaves atualmente paradas sejam sucateadas (Gazeta Mercantil, 03-04-1992).
“As cinco grandes siderúrgicas do Japão anunciaram consideráveis revisões para menos nas suas projeções de lucros (…) o desempenho delas acompanhou o aprofundamento da recessão econômica no país” (Gazeta Mercantil, 23-03-1992).
Isso representa um recuo de 36% em relação ao ano anterior. Ressalte-se que o Japão tem hoje a siderurgia mais desenvolvida do mundo, tendo em vista que a americana e a européia enfrentam profunda crise (5). Todas as grandes siderúrgicas japonesas procederam a cortes na produção devido ao acúmulo dos estoques em função da queda da demanda.
A General Motors é a maior fábrica de automóveis do mundo, empregando só na América do Norte cerca de 500 mil trabalhadores. Ano passado, seu prejuízo naquela região alcançou a casa dos US$ 8 bilhões. A empresa anunciou recentemente a decisão de fechar nada menos que 21 fábricas e despedir 70 mil trabalhadores nos Estados Unidos e no Canadá nos próximos quatro anos. A Chrysler, mergulhada em profundas dificuldades, foi obrigada a vender sua participação acionária na Mitsubishi para pagar contas à Renault. O Citicorp, maior banco dos EUA, anunciou que em 1991 teve um prejuízo de aproximadamente US$ 500 milhões. O sistema bancário americano passa por uma enorme onda de falências (publicamos na edição passada da Princípios um gráfico demonstrando isso) e fusões.
Em meados de 1991, o NCNB e o Cands/Sovran, duas instituições bancárias do sul do país, se uniram e formaram o terceiro maior banco americano em termos de ativos. A revista americana Fortune, em sua última edição das “500 mais”, dá conta de que em 1991 o lucro de tais empresas americanas caiu em 41%, totalizando US$ 55,1 bilhões. Nada menos que 103 das 500 tiveram prejuízos e a queda na venda combinada foi de US$ 2, 26 trilhões. De 11,9 milhões de pessoas que trabalham em tais empresas, 480 mil perderam seus empregos.
Anuncia-se também que a Comunidade Econômica Européia (CEE) pretende reduzir a sua produção agrícola para não permitir que os preços caiam. As maiores indústrias européias de automóveis já analisam seriamente a possibilidade de se associarem às suas congêneres japonesas a fim de
manterem-se vivas.
Uma pesquisa realizada em dezembro de 1991 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas de Munique dá conta de que “a indústria alemã está reduzindo cada vez mais a escala de suas unidades domésticas de produção”. Entre 500 empresas pesquisadas, 53% responderam que estão tomando medidas nesse sentido, a maioria das quais pretende fazê-lo cortando empregos (Gazeta Mercantil, 31-03-1992).
“A dependência do petróleo leva o sistema a uma grave crise estrutural”.
No ano de 1991 retraíram-se os principais mercados consumidores de automóveis. As vendas caíram de uma maneira geral nos EUA, na Europa e no Japão. (Gazeta Mercantil, 05-02-1992). Em certa medida, a indústria automobilística vem apresentando transtornos desde a crise de 1974-75. O registro de veículos novos nos EUA passou de 11,4 milhões de unidades em 1973 para 10,5 milhões em 1988.
Na Europa e no Japão, no mesmo período, a demanda cresceu fracamente. Acontece muito mais uma ocupação de espaços já existentes por novos fabricantes, como no caso dos veículos japoneses nos EUA e na Europa. É importante ter em conta que a indústria automobilística representa para os países capitalistas desenvolvidos cerca de 10% dos empregos, 10% do PNB e 15% do comércio exterior de cada um (6).
Tudo o que foi descrito acima põe a nu a crise que se instalou em setores-chave da economia dos países capitalistas mais desenvolvidos do mundo a partir dos meados de 1990. Nela, sem dúvida, estão presentes elementos de uma crise de superprodução.
Um dos fatos mais importantes da cena internacional dos últimos tempos foi a Guerra do Golfo. Apesar da intensa propaganda, muita gente desconfiou da “lição de democracia” ou da “defesa das normas do direito internacional” com as quais os imperialistas procuraram justificar sua agressão. Na realidade o que estava em jogo era o interesse econômico de manter sob controle uma fonte poderosa de abastecimento de petróleo ameaçada pelo Iraque.
Claro que não há novidade no que acabamos de dizer, mas nosso interesse é discutir outro problema que o imperialismo enfrenta na atualidade: a crise estrutural, a qual diz respeito sobretudo à dependência de petróleo em que está montada a estrutura de produção das grandes economias capitalistas. A previsão é de que os EUA, maiores consumidores de petróleo do mundo, deverão importar, dentro de duas décadas, três de cada quatro barris do produto para satisfazer suas necessidades. O Japão importa quase 100% do petróleo que consome. Esse tipo de crise não é cíclica e nem de superprodução, pelo contrário, está relacionada com a subprodução forçada.
Sua causa básica é a ação dos grandes monopólios que dominam o setor. Aliás, essa é uma velha tática adotada na história do capitalismo. Lênin, ao responder à pergunta do que realmente estava por trás do problema do petróleo, assinalou: “Há antes de tudo a desavergonhada inflação dos preços do petróleo provocada pelos senhores industriais petroleiros, junto com a redução artificial do rendimento dos poços e das refinarias por esses ‘cavaleiros’ do lucro capitalista (…) uma criminosa confabulação dos magnatas do petróleo para depenar os consumidores” (7).
A crise de 1974-75 teve nitidamente esse caráter – de 1972 a 1980 os preços mundiais do petróleo aumentaram mais de 15 vezes. A guerra do Golfo, como dissemos, se insere nesse contexto, mas mostra, além disso, que a luta dos povos e países por sua soberania também se reflete nesse tipo de crise (8).
A crise de 1974-75 foi a primeira que após a Segunda Guerra Mundial afetou todo o mundo capitalista. Seus efeitos foram comparados aos da crise de 1929-33. Em 1975, a produção industrial nos países capitalistas desenvolvidos foi reduzida em 8,5% e o produto global caiu 2,3%.
No início da década de 1980, o mundo capitalista foi sacudido por uma nova crise. A produção industrial caiu por três anos consecutivos como mostra a tabela 2. Suas características também foram de superprodução relativa e seus efeitos se fizeram sentir fortemente nos países dependentes.
Uma particularidade das últimas crises do capitalismo é que no seu decurso – e também nas outras fases do ciclo – os preços não caem e sim continuam subindo num processo de inflação permanente.
Esse é um fenômeno novo na história do capitalismo. A partir de 1933, os preços ao consumidor aumentaram em 950% nos EUA e 4000% na Inglaterra. O dólar vale hoje apenas 10 cents e a libra esterlina apenas 2,5% pence do que valiam naquela ocasião. O marco alemão perdeu dois terços de seu valor desde a reforma de 1948. Antes de 1933, os preços caíram mais que subiram num número maior de anos nos EUA e na Inglaterra. Nesse último país, durante três séculos (antes de 1933), houve somente seis ocasiões em que os preços aumentaram por mais de três anos seguidos sendo que, em 1933, os preços pouco diferiam dos de 1960. Já entre 1981 e 1990 a taxa média de inflação nos EUA foi de 5,4% ao ano. Os gráficos 2 e 3 demonstram essa situação.
“O Estado capitalista tornou-se um grande devedor em relação aos grandes monopólios”.
Poderíamos caracterizar a inflação como o excesso de papel-moeda em circulação – acima das necessidades reais da economia – o que leva à sua desvalorização. Pode-se dar com emissões adicionais ou quando a produção cai. Suas causas básicas estão ligadas à ação dos monopólios e à ação do Estado burguês que tenta socorrê-los nas dificuldades. O Estado capitalista atual se transformou num grande devedor dos monopólios, como também num grande consumidor da produção capitalista monopolista privada.
As encomendas estatais de armamentos – consumo improdutivo da renda nacional – envolvem bilhões de dólares, o mesmo acontecendo com os créditos que o Estado facilita às empresas; os déficits orçamentários são cobertos com emissões de moeda. Por seu turno, os monopólios exercem uma ação no sentido da alta contínua dos preços ao fixar os valores de venda e ao não permitir a baixa, mesmo quando cai a demanda. Isso pode ser feito em parte por causa dos altos níveis de encomendas estatais. A inflação redistribui a renda nacional em favor das classes dominantes e em detrimento dos trabalhadores. “Proporcionalmente ao descenso do salário real reduzem-se os gastos de produção capitalistas e sobre essa base aumenta o grau de exploração dos trabalhadores” (9). O próprio Estado financia suas atividades através do aumento dos impostos que recaem com maior peso sobre os ombros dos assalariados.
A análise da crise do imperialismo nos dias atuais nos permite retirar algumas conclusões:
– O epicentro das três últimas crises foram os EUA que, a cada ciclo, perdem posições para o Japão e para a Alemanha;
– a crise se estende por todo o sistema do imperialismo. A economia, cada vez mais internacionalizada e interdependente, em certa medida torna as crises sincronizadas;
– a base em que se dão as crises é, por um lado, o crescente processo de concentração e oligopolização dos capitais e da produção e, por outro, a disputa por mercados e a corrida tecnológica entre as grandes potências imperialistas; – a situação atual, embora não possa ser enquadrada como crise geral do capitalismo, envolve uma crise multifacética, de superprodução, de estrutura, com problemas crônicos como o da inflação, dos déficits estatais e outros;
– há variações no ciclo de reprodução do capital. Não acontecem períodos de grande auge. A economia se move entre aquilo a que se costumou chamar de recessão e aquecimento. Há uma estagnação geral;
– o peso da crise como que em escala aumentada é jogado sobre os ombros dos trabalhadores e dos povos dos países dependentes, cada vez mais empobrecidos;
– as dificuldades de acumulação capitalista crescem e o que demonstra isso são os problemas enfrentados pelos países imperialistas para financiar a passagem para a “economia de mercado” dos países do Leste europeu e da extinta URSS; e
– a crise atual manifesta-se também no sistema bancário, que é o próprio coração do imperialismo. O parasitismo atingiu níveis altíssimos: uma enorme massa de capital especulativo gira nos mercados financeiros internacionais em busca do lucro fácil. Os bancos de investimento sobrepassam os bancos comerciais tradicionais.
O desenvolvimento recente da história econômica do capitalismo mostra claramente que o sistema está minado de contradições e que as crises são inevitáveis. A crise geral do capitalismo é, da mesma forma, inevitável historicamente. O que não se pode negar é a validade das palavras de Marx escritas há mais de um século: “O monopólio do capital se converte em prisão do modo de produção que cresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho chegam a um ponto em que se tornam incompatíveis com a sua envoltura capitalista, que saltará em pedaços”.
* Jornalista, editor do jornal A Classe Operária
Notas
(1) Como não poderia ser de outra forma, a diminuição no crescimento do comércio mundial se deve, em boa parte, à queda das exportações dos países dependentes. Segundo o relatório do GATT, as exportações dos 15 países mais endividados do mundo caíram em mais de 60% em 1991. O superávit comercial desse grupo de países passou de US$ 29 bilhões em 1990, para US$ 10 bilhões em 1991. A lista de países é a seguinte: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa do Marfim, Equador, México, Marrocos, Nigéria, Peru, Filipinas, Uruguai, Venezuela e Iugoslávia. Os países imperialistas se defendem através do protecionismo e fazem enorme pressão no sentido de aumentar suas exportações. Em termos de valor, as exportações mundiais de mercadorias subiram 1,5% no ano de 1991, o menor crescimento desde 1985.
(2) Um exemplo disso são as recentes resoluções adotadas pelo I Congresso do Partido dos Trabalhadores (PT). Ao analisar a situação internacional, não é dita uma palavra sequer sobre a crise que atinge o imperialismo nos dias de hoje. A ênfase é colocada nas modificações tecnológicas, na formação dos grandes blocos econômicos, na difícil situação dos países do Terceiro Mundo e nos problemas ambientais. A crise focalizada é tão somente a crise do socialismo. É um enfoque unilateral que acaba por dificultar a luta dos trabalhadores.
(3) No fim dos anos 1970, Enver Hoxha, então presidente do Partido do Trabalho da Albânia, escreveu o livro O Imperialismo e a Revolução no qual expôs a seguinte idéia sobre a situação do imperialismo: “O mundo capitalista e revisionista está envolvido numa grave crise econômica e política, financeira e militar, ideológica e moral. Tendo abalado todas as estruturas e superestruturas do sistema burguês e revisionista, a crise atual aguçou e aprofundou ainda mais a crise geral do sistema capitalista” (grifo meu) e prosseguia: “a situação no mundo de hoje é, em geral, revolucionária, em muitos países essa situação está madura ou amadurece rapidamente…” (p. 132). No meu entender essa caracterização só se manteve correta enquanto existiu o socialismo na URSS e em outros países que formavam o campo socialista, num período que vai desde a Primeira Guerra Mundial até meados dos anos 1950. A colocação do problema, nos termos em que E. Hoxha faz, subestima a proporção do golpe sofrido pelas forças revolucionárias com a traição dos revisionistas soviéticos.
(4) Manual de Economia Política da Academia de Ciência da URSS, 2ª edição, p. 270-283.
(5) De 1960 a 1975, a participação dos EUA no mercado mundial de produtos siderúrgicos caiu de 28% para 19%. O Japão e a CEE detêm juntos cerca de 75% do mercado.
(6) LÊNIN, V. I. A fome de petróleo, abril de 1913.
(7) Revista Etudes Marxistes, n. 10, maio de 1991.
(8) Na minha opinião, não procede o ponto de vista de Duarte Pereira (Classe Operária, n. 22, julho de 1989) que questiona a caracterização de certo tipo de crise atual como crise de estrutura. Segundo Duarte, isso estaria fora da tradição marxista. Entretanto, a tradição marxista ensina que devem ser levados em consideração os problemas novos que inevitavelmente surgem com o desenvolvimento da economia. Problemas de natureza mais geral, estrutural, como o do petróleo, podem mesmo afetar seriamente economias que se enquadram no terreno da experiência socialista, como no caso de Cuba.
(9) TREPELKOV, V. La crisis general del capitalismo, p. 113.
EDIÇÃO 25, MAI/JUN/JUL, 1992, PÁGINAS 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45