O renegado da rua Arbat
Por trás desses números está o aparelho estatal soviético. Proibido durante a gestão de Leonid Brejnev, o livro foi publicado entre abril e junho de 1987 na revista Druzhba Naradov por interferência direta de Mikhail Gorbachev. Evgueni Evtuschenko, festejado poeta oficial russo, foi acionado para apresentar a obra. E não deixou por menos:
"Um grande livro, um grande momento de nossa literatura", escreveu o poeta preferido de Nikita Kruschev.
Se no país da "perestsoika" a divulgação foi assim, no chamado "Mundo Ocidental" a propaganda também foi massiva. Os escribas de aluguel colocaram a máquina publicitária para funcionar. A revista estadunidense Time deu o tom: "Trata-se de um dos raros trabalhos verdadeiramente importantes de ficção histórica surgidos na URSS nos tempos modernos". E os papagaios brasileiros matraquearam em suas máquinas: "a obra maior dada à luz no período Gorbachev" (Jornal do Brasil); "um texto sempre elegante e fluente" (revista Veja); "justifica a fama do autor como um dos mais importantes da moderna literatura soviética" (Folha de S.Paulo).
Os filhos da rua Arbat é um romance político. São jornalistas políticos, na sua maioria, os que têm se debruçado sobre ele e feito comentários sobre seu teor, em especial sobre a figura de Josef Stalin, dirigente máximo da União Soviética no período em que se passa a trama (de 1933 a 1935) e um dos personagens do romance. A obra está dividida em três partes. Na primeira, o leitor é apresentado a Sacha Pankratov e seus amigos que moram ou convivem com ele na rua Arbat, um centro intelectual de Moscou. Sacha é condenado ao exílio na Sibéria por ações contra-revolucionárias.
Na segunda, enquanto Sacha toma contato com o mundo do exílio, seus colegas concluem o curso escolar e ingressam na vida profissional. Especial destaque é dado para a adolescente Vária Ivanovna, seu despertar amoroso e seu interesse e solidariedade para com o amigo Sacha e a mãe deste. O segmento termina com Vária envolvendo-se com um aventureiro, Cóstia, e Sacha, já na Sibéria, rumando para a aldeia onde viverá o exílio. A terceira parte aborda a vida de Sacha e outros exilados na aldeia de Mosgova; Vária separa-se de Cóstia, começa a trabalhar e escreve para Sacha. Ocorre o assassinato de Serguie Kirov, e um exilado comenta com Sacha: "tempos negros estão começando" (o livro insinua que Stalin teria ordenado o assassinato). Há ainda um "Posfácio", onde Sacha, em 1944, major do Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, encontra-se com um ex-colega da rua Arbat, agora general. E o autor, Anatoli Ribakov, intervém diretamente no texto para anunciar ao leitor que pretende levar "esta narração até 1956, ao XX Congresso". Essa é a sequência, digamos "cronológica", do livro.
A narração é linear, mas, seguindo o entrecho, poderíamos fazer uma outra síntese do livro, buscando seu "filão romanesco" propriamente dito. Teria também neste caso três partes. A primeira, a biografia de Sacha. E nela, há muito da própria vida do autor. Como Sacha, Anatoli Ribakov viveu sua mocidade na rua Arbat, cursou o Instituto de Transportes após trabalhar como carregador, foi condenado a três anos de exílio na Sibéria e integrou o Exército Vermelho durante a Segunda Guerra. Uma segunda parte seriam as relações e o desenvolvimento das vidas dos companheiros de Sacha. Vária, sua irmã Nina, seus problemas familiares e amorosos. Iuri Charoc, operário que acaba ingressando na polícia política. Maxim e Serafim, que ingressam na carreira militar, entre outros. Muitos dos personagens somem tão rápido quanto aparecem no livro. E uma terceira parte, distribuída ao longo dos 70 capítulos da obra, diz respeito ao Estado soviético e seus dirigentes, em particular Stalin, sobre o qual trataremos mais adiante.
Ribakov tinha objetivos marcadamente políticos ao escrever Os filhos da rua Arbat. Numa das tantas entrevistas que concedeu a jornalistas brasileiros ("é do interesse de minha editora", confessou), o autor afirmou que seu livro "pela primeira vez disse a verdade sobre os anos 1930 e sobre Stalin como personalidade; (…) temos que nos livrar da herança de Stalin, que se impôs a nós durante 30 anos". Diz que "o romance está bem escrito" e o coloca como integrante da "literatura clássica". Insinua uma comparação entre seu livro e as obras de Shakespeare e Tolstói. Porém, aqueles que atentaram para o livro também como obra literária (e não como um mero panfleto anti-stalinista) não viram nele tanto valor. O jornalista José Onofre escreveu: "à arte faltou volume para se dizer que, finalmente, o Ricardo III da revolução russa" (Stalin) "achou seu cronista", acrescentando que Ribakov não é "um criador capaz de chegar perto de qualquer um dos grandes escritores russos do século XIX ou do início deste". Outro jornalista, Tão Gomes Pinto, considera que alguns golpes perpetrados contra Stalin no livro são "desajeitados e inúteis"…
Mas, se não estamos diante de uma "literatura clássica", como almejaria seu autor, estamos, sem dúvida, diante de uma obra polêmica. Vale, portanto, buscarmos sua medula, seu conteúdo, as idéias que advoga, o que o autor pensa a respeito da vida e da sociedade em que vivia. Nisso reside o interesse que o governo de Gorbachev e a imprensa capitalista mundial tiveram pela obra.
“Os jovens da rua Arbat retratados por Ribakov: uma pequena-burguesia passiva e contrariada”.
Que Ribakov mesmo fale sobre o que pensa. Ele afirmou à imprensa que o período em que Stalin comandou a União Soviética "foram os anos trágicos em nossas vidas. (…) As feridas mais profundas em nosso coração foram feitas pelos anos 1930" (note-se: anos 1930. O ataque nazista e a Segunda Guerra, que nos anos 1940 ceifaram a vida de 20 milhões de soviéticos não sensibilizaram tanto o escritor quanto os “anos 1930"). Diz que na época de Stalin “as pessoas não podiam expressar nenhuma iniciativa. Não tinham como desenvolver seu potencial e, em consequência, nosso país sofreu um grande atraso econômico, técnico, científico".
Como se vê, o autor não esconde seu ódio a Stalin e ao período da ditadura do proletariado na URSS. E o ódio não é jamais um bom companheiro para a verdade – talvez por isso a verdade seja tão rara em Os filhos da rua Arbat. Assim, a ascensão de Stalin ao comando do partido e do Estado é apresentada por Ribakov como um erro que só trouxe sofrimento ao povo. A adesão de intelectuais e políticos à construção do socialismo sob o comando do PCUS é mero oportunismo. O Estado é apresentado como algo acima das classes, a serviço tão somente de políticos ambiciosos, promotor da liquidação física ou moral das opiniões divergentes. O povo, o grande agente da história, é apenas pressuposto no livro. Contrariando a tradição dos grandes autores russos que percebem e destacam a beleza, a energia e a riqueza espiritual das massas em movimento na ação histórica, Ribakov não sabe onde colocar o povo em seu romance.
Os jovens da rua Arbat, tal como os pinta Ribakov, são gente passiva diante de seu destino. De uma covardia pequeno-burguesa diante dos acontecimentos (a idéia de um abaixo-assinado em defesa do Sacha perseguido é logo abandonada – pelos seus amigos – que o crêem inocente – temendo represálias do Estado). Os poucos operários que passam pelo livro são pessoas desprezíveis. É o caso de Iuri Charoc, operário filho de pequeno-burguês que entra no Consomol (contra o voto de Sacha) visando a garantir sua ascensão social, força sua namorada a um aborto clandestino que quase a mata, e sua falta de escrúpulos o capacita para trabalhar na polícia secreta. Mesmo assim, eis como Ribakov refere-se a este "operário": "Não fazia idéia de como viveria em outro sistema, mas não tinha dúvida de que viveria melhor"… Outro operário a desfilar pelo livro é o pai de Sacha, que abandonou sua mulher e nunca lhe deu assistência, e sequer busca saber do filho quando Sacha é preso. Escreve Ribakov sobre o pai de Sacha: "Aquele pedantismo beligerante, absurdo e insuportável, na vida familiar era o reverso do seu respeito pelo trabalho. Era um bom funcionário, um especialista de alta qualificação, gostava do que fazia, era dotado de uma capacidade de trabalho impressionante (…)
Além do trabalho, dos inventos e das propostas de racionalização nada o interessava, não falava de nenhum outro assunto". Um exemplo do lugar que cabe aos operários soviéticos na "literatura clássica" do período de Gorbachev.
Diferente é o tratamento dado aos opositores de Stalin e da política do PCUS. As pessoas com que Sacha estabelece relações no exílio são afáveis, sinceras, dedicadas, abnegadas… Vítimas do déspota. Assim são apresentados os trotskistas, zinovievistas, anarquistas e mesmo alguns czaristas. Numa determinada passagem do livro, a mãe de Sacha afirma que nos tempos do czar a vida era melhor do que sob o socialismo! E Ribakov faz a apologia incondicional dos inimigos da ditadura do proletariado. Desta forma na sua obra, ele faz o "julgamento" do início da década de 1930 na União Soviética. Um julgamento em que não há defensores da Revolução e do Socialismo.
É o período em que, na opinião de Ribakov, "as pessoas não podiam expressar nenhuma iniciativa" e em que o país "sofreu um grande atraso econômico, técnico, científico e social". São os pressupostos com os quais ele escreve seu livro. De fato, o papel aceita tudo. Mas convém que deixemos um pouco de lado a ficção de Ribakov e busquemos alguns dados da realidade dessa época.
O final dos anos 1920 e início da década de 1930 é o período em que a URSS inaugura a aplicação dos planos quinquenais (os "Planos Stalinistas", como eram chamados). Objetivaram lançar os fundamentos do socialismo, em meio ao cerco agressivo dos capitalistas. Visavam à construção de grandes indústrias capazes de fabricar máquinas para todos os ramos de economia; criar as explorações coletivas no campo; liquidar os elementos capitalistas na cidade e no campo. Nessa época em que o país sofreu um "grande atraso", segundo Ribakov, o mundo capitalista amargava uma crise profunda. As indústrias dos principais países capitalistas reduziram, entre 1929 e 1933, sua produção em média 25%, enquanto a indústria soviética cresceu em mais do dobro. Nessa época em que o povo não podia "expressar nenhuma iniciativa", segundo Ribakov, foram construídos os complexos industriais de Dnieprostrói, Magnistostrói, Kusnietskstrói, Kheliabstrói, Bóbriki, Uralmashstrói, Kammashtrói, além de serem reconstruídas as velhas fábricas – e a URSS se transformou de país agrário em país industrial; de país de pequenas explorações agrícolas individuais em país de grande agricultura coletiva mecanizada.
“Ficção, calúnias e a deturpação de um período histórico heróico e grandioso”.
No mundo capitalista ascendia o fascismo obscurantista, inimigo jurado de qualquer manifestação da inteligência, e a URSS realizava uma verdadeira revolução cultural. Nessa época, considerada por Ribakov como um período em que as pessoas "não tinham como desenvolver seu potencial", o analfabetismo caiu de 33%, em 1930, para 10%, em 1933; o número de estudantes (em todos os graus) saltou de 14 milhões e 358 mil, em 1929, para 26 milhões e 419 mil, em 1933; o número de clubes de cultura aumentou de 32 mil, em 1929, para 54 mil, em 1933; as salas de cinema, que eram 9.800, em 1929, foram para 29.200, em 1933; a tiragem diária dos jornais, de 12 milhões e meio, em 1929, foi para 36 milhões e meio, em 1933. Estes são êxitos de três ou quatro anos – num período em que a crise grassava pelo mundo. Na URSS o desemprego deixou de existir justamente nestes anos, enquanto os Estados Unidos apresentavam 17 milhões de desempregados em 1932.
Em torno de Sacha Pankratov erguia-se o gigante socialista; a classe operária demonstrava o seu potencial no comando do Estado, construía o mundo do trabalho, sem exploradores ou explorados. Mas o ingênuo personagem de Ribakov, cercado de inimigos da Revolução por todos os lados, só tem pensamentos para si próprio. Transcorria na URSS uma transformação difícil, pioneira, da construção de uma sociedade de novo tipo, que só pode ser avaliada do ponto de vista dos interesses sociais, do ponto de vista do homem que coloca antes e acima de todo o povo. Mas Ribakov só pensa nos indivíduos. Mais especificamente, nos azares dos elementos que se opõem à criação da nova vida. Daí suas constantes referências aos "bons tempos" da Nova Política Econômica (a NEP, que Lênin considerava um recuo para o capitalismo, um recuo necessário, mas sempre um recuo). Na opinião de Ribakov a NEP deveria ser "para muito tempo". Daí a extrema simpatia com que ele constrói os personagens pequenos comerciantes, pequenos proprietários rurais e outras camadas da pequena-burguesia urbana e rural.
O livro de Ribakov não é objetivo do ponto de vista histórico. É profundamente anti-socialista e não leva em conta os interesses do povo. Seu ódio maior ele o dedica a Stalin, justamente o homem que sucedeu Lênin à frente do Partido Bolchevique no momento da construção da base material do socialismo – o sistema social a que Ribakov deplora.
Logo no capítulo 1, a primeira referência a Stalin. Um tio de Sacha, Mark, é chamado para uma reunião com Stalin. Quando se encontra com Sacha este lhe pergunta: "É verdade que Lênin escreveu que Stalin é grosseiro e desleal?"
A entrada em cena, de Stalin, no capítulo 2: "Stalin andava pelo gabinete e parou quando a porta se abriu. Usava túnica militar cáqui, quase marrom, e calça idêntica enfiada nas botas. Parecia abaixo da estatura mediana, corpulento rosto com marcas de varíola, olhos levemente mongóis. Na cabeleira vasta sobre uma testa baixa apareciam cabelos grisalhos. Stalin deu alguns passos leves, elásticos em direção a Mark Alieksandrovitch e lhe estendeu a mão, de forma simples, correta, mas consciente do significado desse aperto de mão. Depois afastou da mesa duas cadeiras. Sentaram-se. Mark Alieksandrovitch viu bem de perto os olhos de Stalin: castanho-claros, vivos, pareceram-lhe até alegres.
Mark Alieksandrovitch começou seu relatório pela descrição geral da obra. Stalin o interrompeu imediatamente:
– Camarada Riazânov, não perca tempo! O Comitê Central e seu secretário sabem onde fica a obra e para que serve".
No capítulo 21 é traçado um perfil de Stalin, um homem que, no exílio, "deixara de falar com um companheiro que brincara com seu hábito de dormir de meias", pois "tomava essas brincadeiras como evidenciação de sua inadaptação, de sua fraqueza"; "em polêmica ele também parecia indefeso"; "um adversário de idéias se tornava para ele um inimigo pessoal". "Com seus caprichos, ofensas, mal-entendidos pesados, era insuportável", um "georgiano solitário e intransigente", desleal, grosseiro e ambicioso de ter "o poder absoluto".
No capítulo 23 é dito: "Stalin não conhecia a Europa, desprezava os intelectuais do Partido, emigrantes, presunçosos, oniscientes, feitos da mesma massa que os líderes operários ocidentais de fraque e cartola". Quando participou do V Congresso do Partido, em Londres, "se fez de caprichoso", "mirrado e fraco desde a infância, era morbidamente sensível a tudo o que pusesse em dúvida sua força física e sua coragem – estado de espírito de onde medrou a desconfiança". Ofende a "badalada classe operária inglesa, tão colonizadora quanto os seus patrões; um homem que "renegava facilmente suas simpatias; as antipatias, nunca"; "convencido de sua infalibilidade"… Temos no capítulo 17 da terceira parte um diálogo entre Stalin e seu dentista: "Então é isso, disse com imponência Stalin. Leve em conta uma coisa: ao camarada Stalin PODE DIZER TUDO, ao camarada Stalin NADA SE PODE ESCONDER. E mais: do camarada Stalin NADA É POSSÍVEL esconder. Mais cedo ou mais tarde o camarada Stalin saberá a verdade". A partir de determinado capítulo, Ribakov passa a referir-se a Stalin somente com maiúsculas. É o caso deste trecho do capítulo 2 da segunda parte: "Stalin ficou satisfeito com a reunião. Ele se apresentou nela não apenas como iniciador e organizador da reconstrução de Moscou, ELE conservou para a Rússia essa cidade, cujo nome é caro a cada russo. ELE manteve Moscou tal qual a conhece e imagina cada russo. Não esses intelectuais de testa grande, que ficam sentados nas salas decantando preocupação pela cultura da Rússia, mas foi ELE, precisamente ELE e só ELE que satisfez ao sentimento profundamente russo de amor a Moscou e admiração por Moscou. E por isso Moscou é agora a sua cidade, a futura Moscou será um monumento a ELE".
Desnecessário perder tempo analisando o primarismo do recurso literário e da construção do personagem. O rancor de Ribakov contra Stalin é tamanho que o impede de refletir um pingo que seja da alma humana por trás de um homem que foi o dirigente da URSS por várias décadas; que despertou a admiração dos proletários, não só de seu país, mas de todo o mundo; um homem cujo nome era pronunciado como um grito de batalha durante a Segunda Guerra Mundial e em várias lutas de libertação nacional. As tintas com que Ribakov pinta Stalin não são as de uma "literatura clássica", mas as de um folhetim de inclassificável categoria.
Contudo, o ódio que o autor deposita contra seu personagem é tamanho, que Ribakov deixa o campo da ficção para ingressar no mais aberto delírio contra Stalin. Chega mesmo a elaborar situações e pensamentos deploráveis, e os atribui a Stalin com pérfido cinismo. Numa das entrevistas feitas para servir aos interesses de sua editora, Ribakov classifica Stalin como um homem "cruel, astuto, velhaco e implacável". E apesar dessa visão tão depreciativa, o autor diz que pode "falar como Stalin, sei como ele se expressa e se repete". Com base nesse argumento, passa a expressar, como se fossem da autoria de Stalin, os pensamentos mais autoritários e absolutistas no seu romance. Os exemplos são muitos. Mas fiquemos neste, sobre o que é ser revolucionário. São pensamentos atribuídos por Ribakov a Stalin:
"Qual é a motivação de um revolucionário, o que o conduz pelo caminho espinhoso? A idéia? As idéias se apossam de muitos, mas por acaso todos se tornam revolucionários? O amor à humanidade? Amor à humanidade é coisa de babões, batistas e tolstoianos. Não! A idéia é apenas um motivo para o revolucionário. A felicidade geral, a igualdade e a fraternidade, uma nova sociedade, o socialismo e o comunismo são lemas que levantam as massas para a luta. Revolucionário é um caráter, é um protesto contra sua própria humilhação, é uma afirmação de sua personalidade. Ele foi preso cinco vezes, desterrado, fugiu do desterro, escondeu-se, passou fome, perdeu noites de sono em prol de quê? Em prol dos camponeses, que nada mais querem saber senão do seu próprio estrume? Em prol do proletariado, esses trabalhadorezinhos?"
Mas eram estes realmente os pensamentos de Stalin? Onde Ribakov os encontrou? São fantasias. O que Stalin pensava sobre o revolucionário ele o disse no discurso sobre a morte de Lênin, em 1924, por exemplo. E isto não é ficção. São palavras do próprio Stalin: "Camaradas:
Nós, os comunistas, somos homens de têmpera especial. Somo feitos de tecedura especial. Nós formamos o exército do grande estrategista proletário, o exército do camarada Lênin. Não há nada mais elevado que a honra de pertencer a este exército. Não há nada mais elevado que o título de membro do Partido cujo fundador e chefe é o camarada Lênin. Nós somos membros deste Partido. Os filhos da classe operária, filhos da miséria e da luta, filhos de privações inconcebíveis e de esforços heróicos; estes são, antes de todos, os que devem militar neste Partido. Por isso, o Partido dos leninistas, o Partido dos comunistas, se chama também o Partido da classe operária".
No início de 1907, homenageando G. Telia, um comunista morto devido a uma enfermidade fatal, Stalin descreve o que caracteriza um revolucionário: "sede de saber, independência, progresso contínuo, firmeza, amor ao trabalho, força moral"… Assim pensava realmente Stalin.
No entanto… No entanto é justamente o perfil pífio de Stalin o que agradou à burguesia e a levou a fazer cantilenas em torno da obra de Ribakov. O Jornal do Brasil elogia a imagem fictícia de Stalin feita em Os filhos da rua Arbat: "uma personalidade insegura e autoritária ao extremo, que confia na disseminação do medo como única forma de governar". A Veja festeja: "O Stalin revelado por Ribakov tem motivos de sobra para ser inseguro. Sob diversos aspectos, era incompetente". Evtuschenko, o poeta oficial de Kruschev e Gorbachev, diz que o perfil de Stalin foi feito "sem cega idealização ou ódio cego!”
Bem, agora é abrir os olhos e ver. Não há surpresa: o romance de Ribakov foi eleito um grande acontecimento literário justamente por favorecer os interesses daqueles que o elegeram. Trata de conter os ímpetos revolucionários do proletariado. Busca denegrir – com a ficção, já que a realidade do período retratado o desmente fato a fato – os anos de progresso econômico e social da construção do socialismo na União Soviética. Investe com ferocidade contra os proletários, suas lideranças e seu projeto social, a serviço da reação e dos exploradores. Não é um grande livro e nem um grande momento da literatura soviética. Mas é, sem dúvida, um grande serviço prestado aos donos do capital, aos inimigos da classe operária e da revolução.
* Carlos Pompe é jornalista, colaborador de Princípios.
EDIÇÃO 17, JUNHO, 1989, PÁGINAS 62, 63, 64, 65, 66