As Diferentes Concepções no Movimento Feminista
Já vem de longe a resistência da mulher à opressão a que está submetida. Mas foi na sociedade capitalista que essa resistência passou a assumir sua expressão coletiva e organizada.
A Revolução Francesa é o momento mais destacado desse processo. Com as milhares de manufaturas que haviam se espalhado por toda a França, levando a um crescimento considerável do proletariado feminino, este participa da revolução exigindo "ilimitada liberdade de trabalho".
Em finais do século XVIII e início do século XIX surge o movimento feminino em sua expressão de luta pela igualdade de direitos. Nos Estados Unidos, com Abigail Smith Adams, na França, com Olympe de Gouges e na Inglaterra, com Mary Wollstonecroft, a burguesia procura dar suas primeiras respostas a algo que já começava a ter dimensão social.
Nesse período, também o pensamento operário inicia a abordagem do problema através das obras dos socialistas utópicos, particularmente de Fourier e de Flora Tristan que escreve, em 1843, Um mulher, uma Pária.
Desde então, muito se produziu sobre o assunto. Como surgiu esse poderoso movimento? Quando começou o que chamaríamos de calvário feminino? Quais as perspectivas para a sua supressão? Muitas e diferentes respostas foram dadas a essas perguntas.
Hoje, com a dimensão alcançada pelo fenômeno, intensificou-se a disputa em torno dele. Teorias, muitas delas as mais absurdas, passaram a ser elaboradas para determinar o rumo e a quem servirá todo o potencial da energia criadora das mulheres. Apesar de diferenciadas nas formas de se apresentar, essas teorias têm um ponto comum: o combate à concepção marxista sobre a origem da opressão da mulher.
A OPOSICÃO SEXISTA AO MARXISMO
O feminismo burguês, particularmente dos últimos 50 anos, surgiu e se desenvolveu na oposição à concepção marxista sobre a questão da mulher. A começar por Simone de Beauvoir, destacada teórica do feminismo, que, não podemos negar, deu importantes contribuições a certos aspectos específicos da questão em debate. A feminista francesa, em sua obra datada de 1949, O Segundo Sexo, fazendo um estudo sobre o ponto de vista do materialismo histórico, afirma: "Embora a síntese esboçada por Engels assinale um progresso sobre as que examinamos anteriormente, ela nos decepciona: os problemas mais importantes são escamoteados”. E conclui, numa análise simplista sobre o pensamento do teórico alemão: "Engels (…) tentou reduzir a oposição dos sexos a um conflito de classes”. Voltaremos, mais adiante, a apreciar criticamente o pensamento de Beauvoir. Queremos aqui demonstrar outras expressões da oposição sexista ao pensamento marxista.
Na década de 1970, a inglesa Shulamith Firestone lançou em seu livro A Dialética dos Sexos, um "Manifesto da Revolução Feminista": "Perigoso se tentarmos forçar o feminismo a entrar numa estrutura marxista ortodoxa congelando em dogmas o que eram apenas 'insights' incidentais de Marx e Engels sobre as classes sexuais”.
Mais recentemente, a FEMPRESS, publicação alternativa especializada que circula em toda a América Latina, reproduziu em seu número de janeiro de 1988, um artigo do Zeta do Uruguay, onde a autora Fany Puyesky insiste: "(…) se estamos desarticulando parte do discurso marxista, é para tomar dele o universal, arrumando um novo quebra-cabeças, em que se combinem outros paradigmas históricos".
No Brasil, esse pensamento antimarxista no campo da luta da mulher, apesar de antigo, só tomou uma dimensão mais ampla, saindo dos estreitos círculos de pequenos grupos, quando da criação dos Conselhos da Condição Feminina e da participação neles das feministas de pensamento sexista. A publicação do Conselho da Condição Feminina de São Paulo, por ocasião das comemorações do 8 de março de 1986, fazendo um balanço do feminismo, apresenta as idéias de Beauvoir naquilo que ela se opõe ao marxismo. E em suas conclusões diz: "Toda opressão da mulher começa com a opressão de seu corpo".
Zuleika Alambert, ex-membro do partido revisionista, em seu livro Feminismo, o Ponto de Vista Marxista, apresentando-se com a intenção de expressar a análise proletária sobre o tema, investe sobre o que ela chama de "limitações do pensamento marxista". "Muitas conclusões avançadas no século XIX e aceitas por Marx e Engels tornaram-se hoje, diante de novos conhecimentos, caducas”. E diz, em outro momento: "(Lênin) (…) não chega a entender profundamente a especificidade da condição feminina, não compreende que "ser mulher" aproxima a mulher proletária da burguesa".
CONTRIBUIÇÃO DOS SOCIALISTAS À CAUSA DA MULHER
Cabe aqui resgatarmos o pensamento marxista, propositalmente escamoteado nesse debate.
Qual o centro da crítica que o feminismo sexista faz à ciência proletária? Se tomarmos a essência de suas diversas manifestações podemos dizer que é "a tentativa do marxismo de reduzir a oposição de sexos a um conflito de classes". E, na opinião do sexismo, a visão mecânica de compreender a opressão de classes antecedendo e determinando a opressão de sexos. (A velha tese de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha). Mas há ainda, embora de forma secundária, a cobrança de que os clássicos do movimento operário, particularmente Engels, não abordaram a situação da mulher no modo de produção asiático, onde predominava, "desde sempre, o patriarcado". E, em certa medida, como consequência disso, a defesa do matriarcado feita pelo teórico alemão, seria um equívoco.
A distorção do pensamento marxista foi sempre uma arma usada por seus opositores. Se nos detivermos no conjunto da obra, particularmente de Marx e Engels, vamos encontrar inúmeras passagens onde há uma clara abordagem da oposição entre os sexos e da oposição de classes, como fenômenos separados, embora com uma inter-relação nos fundamentos de sua origem.
Engels, no “Prefácio” à Primeira Edição do seu livro, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, afirma: "De acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Mas essa produção e essa reprodução são de dois tipos: de um lado, a produção de meios de subsistência, de produtos alimentícios, roupa, habitação e instrumentos necessários para tudo isso; do outro, a produção do homem próprio, a continuação da espécie".
Também Marx, na Ideologia Alemã, Vol. I, reafirma esse entendimento: "A produção da vida, tanto a própria, através do trabalho, como a alheia, através da procriação, surge-nos agora como uma relação dupla: por um lado, como uma relação natural e, por outro, como uma relação social – social num sentido de ação conjugada de vários indivíduos, não importa em que condições, de que maneira e com que objetivo”. Em outra passagem da obra já citada, Engels retoma a explicação de que, embora surgidas num mesmo contexto histórico, a opressão de classes e a opressão de sexos têm desenvolvimentos próprios, expressos nas manifestações da organização do trabalho, de um lado, e da família, de outro. Afirma o teórico alemão: "O primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide (grifo nosso) com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a do sexo feminino pelo masculino".
Não nos deteremos aqui numa apresentação mais detalhada do que os marxistas pensam sobre a questão. Já situamos em outros trabalhos a circunstância em que a mulher perde o seu papel social de produtora de víveres para a comunidade e passa, com o advento da família individual monogâmica, ao serviço privado, tornando-se assim a primeira escrava. Queremos apenas suscitar o debate sobre a fragilidade do combate sexista a esse pensamento.
Nesse sentido, a insistência de que a falta de abordagem da situação da mulher no modo de produção asiático comprometeria a análise marxista carece de fundamento e apresenta distorções.
É a própria Zuleika Alambert que reconhece em seu livro citado: "elas (as teses sobre o modo de produção asiático) foram deixadas de lado porque concernem a um caminho para a civilização que Engels considerava inacabado”. Mas é também essa autora que chega a esdrúxulas conclusões sobre o problema. Criticando o fato de Engels, segundo ela, ter aceito a tese unilinear dos caminhos de desenvolvimento (excluindo o modo de produção asiático) e analisado a família apenas sob essa ótica conclui que isso "deixou o movimento comunista de mãos amarradas para lutar pela abolição da família monogâmica ou mesmo para admiti-la como forma que pode existir ao lado de outras formas alternativas".
Essa argumentação sexista é uma tentativa de buscar, no modo de produção asiático, hipotéticas justificativas para a sociedade patriarcal que não as já apresentadas pelo pensamento marxista.
Mas a insistência em tentar generalizar a possível análise diferenciada do desenvolvimento da família, de um sistema localizado e pouco conhecido, não passa, em última instância, de manobra diversionista para negar a idéia do desenvolvimento das sociedades baseadas no princípio da propriedade que leva ao antagonismo de classes.
No que diz respeito ao matriarcado, o que Engels faz é se referir à existência de um estágio de desenvolvimento em que certas relações eram orientadas pelo direito materno, o que foi fartamente comprovado por pesquisas antropológicas, particularmente as de Bachofen e Morgan, nas quais se baseou sua análise.
O movimento operário consciente, é bom que se relembre, não se limitou a escrever e interpretar o fenômeno. A Primeira Internacional, que funcionou de 1864 a 1872, tratou do problema, considerando, nas suas orientações, o trabalho feminino como inevitável e exigindo uma reforma das leis que protegesse a força de trabalho e a saúde da mulher.
Nesse debate, Marx condenou energicamente a ala direita pequeno-burguesa da Internacional que queria limitar o alcance do trabalho feminino, em consideração à família. Foi num Congresso da Internacional Socialista que, por proposta de Clara Zetkin, definiu-se a comemoração do Dia Internacional da Mulher, hoje consagrado em todo o mundo. E a III Internacional, que se manteve organizada até 1943, reclamou, em suas resoluções, "a igualdade social da mulher e do homem perante a lei e na vida prática; o reconhecimento da maternidade como função social; a entrega à sociedade do encargo de cuidar da educação das crianças e dos adolescentes" e, mostrando que os marxistas não reduzem a questão da mulher ao tratamento de uma questão econômica, "a luta civilizadora organizada contra a ideologia e as tradições que fazem da mulher uma escrava".
OS DESCAMINHOS DO FEMINISMO SEXISTA
Ao se contrapor ao marxismo o que o feminismo sexista coloca no lugar? Se a abordagem social sobre a questão da mulher é equivocada, como procuram dizer, como explicar o problema da opressão específica?
Há diferentes vertentes do feminismo burguês. Há as sexistas cuja concepção, mesmo não explicitada, assume contornos de um "biologismo" exacerbado e a vertente existencialista, encarnada por Beauvoir, que não escapa, em sua valiosa obra, de um certo fatalismo biológico, entre outros.
Firestone, a quem já nos referimos, nos últimos tempos vem desenvolvendo de uma forma mais elaborada, a vertente sexista. Na sua obra já citada ela fala: "A família biológica é um poder de distribuição inerentemente desigual”. Destacando que as mulheres vivem "à mercê constante de sua biologia", comenta o fato dos filhos dos homens demorarem mais a adquirir a independência do que os filhos dos animais.
Essa constatação sem dúvida leva a um verdadeiro impasse na luta da mulher. Se há entre o homem e a mulher uma relação de poder inerentemente desigual não há alternativa para a superação dessa desigualdade, pois como a autora mesmo lembra, a "mulher não pode trocar de sexo". Firestone percebe isso e procura responder a esse impasse. "Admitir que o desequilíbrio sexual do poder está baseado biologicamente, não significa perder a nossa causa. Assim como para assegurar a eliminação das classes econômicas, é preciso a revolta da classe baixa (o proletariado) e, numa ditadura temporária, a tomada dos meios de produção, também é preciso, para assegurar a eliminação das classes sexuais, a revolta da classe baixa (as mulheres) e a tomada do controle da reprodução: a restituição às mulheres da propriedade de seus próprios corpos, bem como do controle feminino da fertilidade humana”.
O fatalismo biológico, embora negado formalmente pelas sexistas, é sem dúvida a única explicação que pode se contrapor à compreensão da opressão sexual como fenômeno social. E Beauvoir, que em sua obra já citada dedica um capítulo especial para combatê-lo, termina se engendrando em seus caminhos: "A razão profunda que, na origem da história, vota a mulher ao trabalho doméstico e a impede de participar da construção do mundo é sua escravização à função geradora”.
Não é possível abordarmos aqui, com a profundidade necessária, toda a elaboração da feminista francesa sobre a questão. Com a obra que marcou decisivamente o movimento feminista em todo o mundo, particularmente com sua frase-síntese "não se nasce mulher, torna-se mulher", Simone de Beauvoir contribuiu para a compreensão das manifestações particulares e subjetivas do drama feminino. Mas, a sua formulação, que se aproxima do fatalismo biológico, lança o feminismo num impasse histórico, o que é reforçado pelas influências de Sartre no seu pensamento, levando-a a situar a opressão feminina também nos marcos do que chamaríamos de destino individual: "o drama da mulher é esse conflito entre a reivindicação fundamental de todo sujeito que se põe sempre como o essencial e as exigências de uma situação que a constitui como inessencial". A abordagem da questão da mulher a partir do processo biológico enquanto reprodutora ou a partir de uma submissão inerente à relação homem X mulher, tem por trás, explicitada ou não, uma visão igualitarista que simplifica e distorce o problema.
Não somos exatamente iguais aos homens, em todos os sentidos. A função de reprodutoras nos diferencia embora não compreendamos a maternidade como nossa cadeia, e sim como fenômeno natural. A igualdade que defendemos é de natureza social e não uma igualdade que não leve em conta a particularidade biológica que nos dá papel especial na perpetuação da espécie.
Reafirmamos que não é a condição de reprodutoras que nos leva à situação de subalternidade. Já nos referimos anteriormente que ela nos vem da perda da função social que a mulher tinha nas comunidades primitivas. Daí o caráter inócuo das teses sexistas. O "controle de nossos próprios corpos" ou o "controle da fertilidade humana" não nos libertará da servidão secular porque não nos resgatará a função perdida. Quando muito nos lançará como parceiras da grande indústria para o estímulo à reprodução "in vitro". Ou nos colocará, ao lado do arsenal nuclear, como ameaças efetivas ao extermínio da raça humana.
Também não será na busca do atendimento individual à "reivindicação de todo sujeito" para se pôr "como ser essencial", porque a "situação que nos constitui como inessencial" está fora de nós, nos marcos da organização social da sociedade humana.
A AÇÃO PRÁTICA DAS DIVERSAS CORRENTES FEMINISTAS
Informado por teorias diferenciadas, embora com certos pontos comuns, o feminismo, em sua ação prática, se expressa sob variadas formas:
1 – A luta pelo direito ao controle do corpo – como centro da ação sexista, esse eixo leva ao tratamento exclusivo dos problemas relativos à sexualidade e do que está em torno dessa questão.
2 – A luta pela igualdade de direitos simplesmente – desenvolvida na vertente do feminismo reformista burguês que limita as conquistas no patamar das desigualdades legais.
3 – A luta pelo direito ao trabalho para a mulher – a linha fundamental desenvolvida pelo movimento operário consciente que indica a integração na produção, como passo inicial, para a recuperação do seu papel social, embora aponte a impossibilidade de que isso se realize nos marcos do capitalismo.
Não nos detivemos na análise teórica do feminismo de caráter reformista burguês porque sua elaboração especifica é limitada e tem pouca influência nos movimentos organizados de nosso país, enquanto teoria. O que lhe dá um alcance maior é sua ação prática que, em certa medida, tem um veio comum de ação com as sexistas.O feminismo reformista orienta-se pelas reivindicações das mulheres das classes dominantes que querem enfrentar apenas as desigualdades jurídicas que as tornam inferiores aos homens de sua classe. Como diria Kolontay, "o reconhecimento formal de seus (da mulher) direitos no capitalismo e na ditadura burguesa não a libera de uma vida como criada de serviço na própria família, da discriminação por meio de preconceitos e costumes da sociedade burguesa, da dependência de seu marido". A não ser àquelas mulheres que têm inúmeras criadas a seu serviço e que enfrentam os preconceitos e costumes da sociedade burguesa com o peso de sua riqueza que compra os espaços e os silêncios.
Não negamos a necessidade de o feminismo emancipacionista empunhar as bandeiras pela igualdade jurídica. O atraso em que a mulher vive na sociedade capitalista exige ainda dura luta contra as desigualdades legais.
Nessa luta põem-se a nu as absurdas discriminações que ainda pesam sobre a metade do gênero humano. Como dizia Engels, "o caráter particular da predominância do homem sobre a mulher, na família moderna, e a necessidade de se estabelecer, entre eles, uma igualdade social autêntica, não serão plenamente postos à luz enquanto os dois sexos não tiverem juridicamente direitos iguais em absoluto". Além do que, essa luta serve de instrumento mobilizador para parcelas significativas das mulheres.
Mas ela é insuficiente para que a mulher avance nos rumos de sua libertação. A dona-de-casa que vive a escravização doméstica acentuada pela dependência econômica pouco desfrutará dessa igualdade legal.
O fato de o feminismo emancipacionista colocar a luta pelo direito ao trabalho como centro vem da compreensão de que a libertação da mulher passa pela sua afirmação enquanto cidadã e trabalhadora. Ao realizar um trabalho produtivo para toda uma comunidade, a mulher resgata o seu valor social, a sua importância enquanto força que contribui socialmente para a sobrevivência da espécie.
A luta pela igualdade de direitos tem uma importância transformadora quando se dá no sentido de assegurar que as mulheres tenham papel ativo na produção social. Dessa maneira, ela cria possibilidades para que um poderoso contingente da população, a mão-de-obra feminina, integre a luta geral de todos os trabalhadores contra a opressão. Evidente que isto não é um processo automático. Mas, ao integrar o mercado de trabalho, a mulher rompe com as cadeias do atraso em que é jogada pela rotina do tanque e da cozinha. Nesse processo a trabalhadora tem melhores oportunidades de tomar consciência da opressão sexual a que está submetida através das evidentes discriminações que a separam dos trabalhadores. Enfrentando a luta para se igualar com os trabalhadores homens ela percebe que esses homens têm poucos direitos. E passa a compreender que além da sua opressão particular enquanto sexo, ela sofre a opressão de sua classe.
A luta pelo direito ao trabalho, no presente momento do desenvolvimento de nossa sociedade, implica uma visão ampla das necessidades da mulher para realizar uma atividade produtiva. Ela vai desde as necessidades de educação e capacitação profissional, de valorização inclusive salarial de funções exercidas predominantemente por mulheres, do reconhecimento, como produtivo, do trabalho invisível realizado pelas domésticas e pelas camponesas, até o reconhecimento da função social da maternidade. Este último aspecto envolve sobretudo um apoio do Estado à maternidade em geral e, particularmente, a da trabalhadora, e à criação e educação dos filhos que, em nosso país, se expressa especialmente na luta por creches.
É preciso compreender que a luta pelo direito ao trabalho, como eixo principal da atividade do movimento emancipacionista, não significa exclusividade. Há em nossa sociedade machista poderosas chagas que precisam ser combatidas. Uma delas é a violência sexual e doméstica que vem assumindo dimensão de fenômeno social. Ela torna muito evidente a opressão específica sofrida pelas mulheres.
Importante também é o combate aos preconceitos e tabus que envolvem o tratamento da saúde e da sexualidade da mulher. São fruto desses preconceitos as dificuldades que a mulher tem de acesso às informações sobre seu corpo. Esse fator impede que ela realize uma maternidade consciente e viva uma sexualidade plena.
Ao desenvolver a luta pelo direito ao trabalho, a mulher vem aprendendo com a própria vida que o capitalismo não lhe tem assegurado proteção ao seu trabalho nos níveis da necessidade de sua emancipação. O desenvolvimento das forças produtivas impôs ao sistema dominante a utilização da mão-de-obra feminina. Mas esta utilização é feita conservando-se os históricos traços de opressão e preservando-se, para a mulher, as funções de reprodutora e mantenedora da força de trabalho.
A possibilidade de que a mulher resgate o seu papel social em plena igualdade com os homens passa pela substituição de um regime que usa o excedente de mão-de-obra e a desqualificação de sua parte feminina, como instrumento de rebaixamento e desvalorização do trabalho como um todo. Assim sendo, só num novo regime, um regime socialista, que acabe com a exploração do trabalho em geral, criam-se condições para que avancem as transformações econômicas, sociais e culturais necessárias para a emancipação da mulher. Fazemos questão de insistir, para que não pairem dúvidas sobre o pensamento marxista, que não é a mera transformação da base material da sociedade que levará à eliminação da opressão específica. Mas essa transformação, por suas particularidades, cria melhores condições para a luta contra a opressão sexual. Isso porque, a sociedade socialista:
– Ao ampliar e desenvolver as forças produtivas, com a valorização do trabalho, cria condições de absorver a mulher na produção;
– ao organizar a produção de forma centralizada e planejada permite a eliminação da pequena economia doméstica que escraviza cotidianamente a mulher; e
– ao desencadear, no campo ideológico, a luta contra o "velho", fundamental para a consolidação da nova sociedade, tem de incluir o combate contra os costumes e preconceitos que cerceiam a ação da mulher.
Este artigo foi elaborado com base na intervenção da autora no Seminário "A Questão da Mulher em Debate", realizado na Unicamp/SP, por iniciativa da revista Presença da Mulher, de 20 a 23 de janeiro de 1988.
* Presidente do Movimento Popular da Mulher de Belo Horizonte-MG.
EDIÇÃO 15, MAIO, 1988, PÁGINAS 34, 35, 36, 37, 38, 39