CARACTERÍSTICAS DA PENETRAÇÃO DO CAPITALISMO NO CAMPO BRASILEIRO (Parte Final)
Outro fator de destaque crescente na agropecuária brasileira é o assalariamento de mão-de-obra. Neste ponto é onde os dados são mais precários, para não dizer inexistentes, e obrigam a verdadeiros exercícios matemáticos para chegar-se a aproximações que muito deixam a desejar. O Censo Agrícola de 1980 incorre numa distorção fundamental ao não computar nas despesas com mão-de-obra aquelas realizadas sob o regime de empreitadas, e é certamente aí onde está o pólo mais dinâmico do assalariamento de mão-de-obra na agricultura. Pois, sob o eufemismo de "empreiteiras", esconde-se a famigerada figura do "gato", agenciador de mão-de-obra volante para a agricultura. Segundo o IBGE, o total de empregados em 1980 era de 5.030.148, entendendo-se por empregado: "pessoa que tem um trabalho, prestando serviço a um empregador, remunerado em dinheiro ou em dinheiro e mercadoria" (1). Esse número deve ser bastante subestimado, pois não computa os volantes, como já assinalamos.
Quadro 8
Estimativa do número de assalariados agrícolas (p. 16)
A inexistência de dados atualizados e diretos não nos permite globalizar a mão-de-obra rural em 1980. Entretanto, partindo de dados indiretos, e tendo por base os Censos Agropecuários de 1970-75, Ângela Kageyama, pesquisadora da Unicamp, publicou um estudo no Boletim da ABRA n° 5, onde conclui que em 1975 o número de assalariados volantes trabalhando por empreitadas era de 1.146.505.
Considerando-se estacionário este quadro de trabalhadores volantes por empreitada em 1975, chega-se ao seguinte quadro, sem dúvida nenhuma subestimado, porém indicativo da importância destacada do trabalhador assalariado na agropecuária, que já tem um contingente de proletários rurais superior a 6 milhões de pessoas e que deve atingir pelo menos 18 milhões de dependentes, clareando de vez o grau de profundidade com que o capitalismo está implantado em nossa agropecuária. Conforme mostra o estudo citado de A. Kageyama, o número de assalariados temporários (diretos ou empreitados) cresceu 6,5% ao ano entre 1970-75.
Esse crescimento do número de assalariados temporários se deu basicamente a partir do processo de proletarização de pequenos proprietários, camponeses autônomos, parceiros, arrendatários que, tangidos pela crise, tiveram de abandonar total ou parcialmente suas pequenas produções e engrossar o exército de assalariados agrícolas, exigido pela moderna agricultura voltada principalmente para a exportação e produção de energia.
COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO NO CAMPO BRASILEIRO
Ao lado do crescimento da mão-de-obra assalariada coexiste na agropecuária significativo contingente de pequenos proprietários, arrendatários, parceiros e posseiros – produtores que exemplificam a complexidade das relações de produção no campo brasileiro –, pois em alguns desses setores subsistem formas atrasadas, pré-capitalistas de produção. Segundo indica o Censo Agrícola de 1980, existem 5.600.616 produtores autônomos que agregam em torno de si 2.072.977 trabalhadores não remunerados. Por outro lado, examinando dados referentes à condição dos produtores e à área total dos estabelecimentos em que trabalham, chegamos ao seguinte quadro:Quadro 9 (p. 17)
Relação entre o tipo de produtor e número e área dos estabelecimentos
Este quadro nos indica que entre os produtores-proprietários das terras onde produzem, 36,4% o fazem em propriedades de até 10 ha, podendo ser este um interessante indicador da propriedade familiar autônoma.
Na faixa de até 99,9 ha estão situados 86% dos produtores-proprietários, apesar de só ocuparem 18,3% da área produzida por proprietários, enquanto os produtores-proprietários de áreas superiores a 100 ha detêm 81,4% da área agricultável, apesar de serem apenas 13,7% dos proprietários, destacando, por outro ângulo, quão concentrada está a propriedade fundiária no país.
Os produtores-arrendatários e parceiros estão esmagadoramente concentrados em estabelecimentos de até 9,9 ha, 79,9% e 75,9% respectivamente. Ampliando para estabelecimentos de até 99,9 ha (0 ?100), temos 95,3% de arrendatários e 98,1% de parceiros. A inexistência pública de dados que nos permitam ver a distribuição geográfica desses produtores, sua participação na produção das lavouras básicas e o assalariamento de mão-de-obra para a sua realização dificulta que avancemos na caracterização dessas relações de produção. Porém, aqui se situam desde a produção pré-capitalista, como a dos parceiros nordestinos (meia e terça), onde ainda sobrevivem residualmente práticas como o cambão, até o arrendatário capitalista puro, que paga renda-fundiária ao latifundiário e assalaria mão-de-obra para produzir, o que ocorre particularmente na produção de arroz no Rio Grande do Sul.
Considerando não a área global dos estabelecimentos, mas a área das lavouras – dado mais preciso de análise – vemos que 82,2% dos arrendatários tocam lavouras de até 9,9 ha, o mesmo ocorrendo com os parceiros, que somam 84,9%; o que, sob qualquer ponto de vista que se analise – área total ou áreas de lavoura – mostra que a maioria dos arrendatários e parceiros é de produtores que desenvolvem suas atividades em pequenas propriedades quanto à extensão.
Um outro fator a considerar é que mesmo as pequenas propriedades quanto à extensão têm significativa despesa com mão-de-obra assalariada. Aquelas de até 9,9 ha gastam 22,4% de suas despesas com mão-de-obra, e se estendermos o cálculo até as de 99,9 ha (0 ?1100), o percentual gasto com mão-de-obra é de 25,2%. Este é um indicador do razoável grau de relações capitalistas nessas produções.
De resto, cumpre registrar que essas relações de produção – arrendamento e parceria – jogam pequeno papel no conjunto da atividade agropecuária em nosso país, significando 11,6% e 6,4% dos produtores rurais e 3,9% e 1,4% da área agricultável, respectivamente.
Por último, os produtores-posseiros (ocupantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE) são em sua absoluta maioria posseiros de áreas de menos de 100 ha, correspondendo a 94,1% do total. Outra constatação importante é que, em que pese toda luta desenvolvida pelos pequenos posseiros e a dimensão nacional criada por essa luta – que faz com que qualquer reivindicação para permanecer na posse seja objeto de intervenção direta do Conselho de Segurança Nacional – os posseiros ocupam apenas 7,1% da área agricultável e correspondem a 17,3% dos produtores do país.
Os ocupantes de grandes áreas não são posseiros e sim grileiros. Aqueles que ocupam áreas superiores a 500 ha são 6.880, correspondem a 0,7% do número total de "ocupantes", porém açambarcam uma área de 11.973.179 ha, equivalente a 45,0% da área global dos ocupantes.
A maior parte dos produtores, 64,1%, é de proprietários dos seus estabelecimentos (que ocupam 86,3% da área destinada à produção), o que é um importante indicador de que não se difundiu generalizadamente a prática do empresário capitalista arrendatário, mantendo-se a tendência à propriedade da terra por parte dos burgueses agrários.
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Destacaremos por último outro traço geral da nossa agropecuária: produz essencialmente para o mercado. Desde as sofisticadas produções de exportação aos novos lotes abertos na mata da Fronteira Agrícola, a produção, com raras exceções, destina-se ao mercado. Um indicador importante disso é que, do total de ingressos obtidos em 1980 pelos estabelecimentos agropecuários, 97,2% se deveram à venda de produtos. Mesmo com uma eventual superestimação do dado por parte do Censo Agrícola, ele retrata uma realidade insofismável e é mais um indicador do grau de profundidade com que o capitalismo subordina nosso campo e nele predomina.
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DO CAPITALISMO NO CAMPO
Onde se realiza basicamente essa produção de que tratamos até aqui? O Brasil, país-continente, é profundamente desigual no que diz respeito ao nível de desenvolvimento econômico-social. Como já tipificamos três grandes áreas para o estudo da concentração fundiária, tomemos as mesmas áreas e vejamos como se distribuem nelas os outros fatores até aqui estudados (mão-de-obra, produção e valor da produção, utilização de máquinas e insumos). A precariedade dos dados mais uma vez não nos permite traçar um perfil completo dessa distribuição, mas a partir do disponível chegamos às seguintes conclusões:
Quadro 10 (p. 18)
Distribuição por região de mão-de-obra e empregadores
Mão-de-obra
O Sul/Sudeste desponta como a região que tem o maior número de assalariados, detendo pouco mais da metade do número total (51,8%), sendo também a região onde maior é o número de empregadores (62,5%). O Nordeste sobressai pelo maior número de autônomos (2,8 milhões), correspondendo a 49,8% do total, não sendo, porém, desprezível o número de assalariados (2,1 milhões, 34%), que destaca o quanto o capitalismo nas suas diversas formas ali já penetrou. Na região da Fronteira Agrícola chama a atenção o equilíbrio relativo entre os três tipos, que variam muito pouco, entre 11,6% e 14,7%. Isto reflete a característica de área de ocupação recente na qual a expansão da agricultura tem-se feito fundamentalmente através de grandes projetos, em moldes empresariais modernos.
Prova disso é que nos estados dessa região a taxa anual de crescimento da mão-de-obra assalariada temporária atinge níveis surpreendentes: em Rondônia cresceu 476,2%, passando de 1.792, em 1970, para 8.534, em 1975; em Goiás, no mesmo período, passou de 124.414 para 214.968, crescendo 173,0%. Outro aspecto a ressaltar é que na coluna de empregadores está desde o empresário capitalista que administra sua produção em terra própria ou arrendada, até o pequeno proprietário, fazendeiro, que nos momentos de pico na sua produção assalaria alguns trabalhadores e eventualmente se assalaria em certos períodos para complementar sua renda familiar.
Produção e Valor da Produção
O principal centro produtor agropecuário de nosso país situa-se na região Sul/Sudeste, com exceção do cacau e mandioca, cuja produção é predominante no Nordeste e no Norte. Chega-se a essa constatação ao examinar-se o quadro da participação regional quanto à produção e ao valor da produção dos cinco principais produtos agrícolas de exportação e dos cinco de consumo interno, mais a produção de leite.
Quaro 11 (p. 19)
Valor da produção (VP) e produção (P) em termos percentuais dos 5 (cinco) principais produtos de exportação; 5 (cinco) de consumo interno e leite, e sua localização por região geográfica
Em alguns casos, essa produção é altamente concentrada em 1 ou 2 estados, como no caso da soja, produzida por Rio Grande do Sul e Paraná juntos, em 73,4% do total e 78,1% do valor da produção; da cana, São Paulo sozinho detém 49% da produção e 44,6% do valor gerado; do cacau, onde toda produção e valor da produção do Nordeste se concentram na Bahia, mais precisamente no seu litoral sul. No arroz, o Rio Grande do Sul sozinho detém 23,4% da produção e 24,5% do valor da produção, significando aproximadamente 1/4 dessa atividade. A grande participação da Fronteira Agrícola (33,5% e 36,1 %) deve-se à expressiva produção de Goiás e Mato Grosso que, juntos, detêm 26,8% e 24,2% do valor da produção.
Também no Sul/Sudeste é onde se obtém o maior índice de rentabilidade por hectare nas principais atividades agropecuárias. Dos dez produtos com que estamos trabalhando como exemplo, todos obtêm maior rendimento por hectare nessa região, inclusive o cacau e a mandioca que são prioritariamente produzidos no Nordeste. O cacau rende 1.500 kg/ha em Minas Gerais, 950 kg/ha em São Paulo e 640 kg/ha na Bahia. Na mandioca, o Paraná obtém 19.731 kg/ha, São Paulo 18.495 kg/ha e Bahia, maior produtor do país, 16.000 kg/ha. Na cana, o Paraná obtém 76.762 kg/ha, São Paulo 72.448 kg/ha e Alagoas, maior produtor do Nordeste, atinge 49 mil kg/ha; Pernambuco, tradicional produtor, atinge 48.053 kg/ha. Chama a atenção o fato de que a maior rentabilidade do feijão é obtida no Amazonas (1.000 kg/ha), salvo erro estatístico, ou talvez alguma produção experimental, pois a produção global do Estado é inexpressiva (3.000 toneladas). Logo em seguida vem o Rio de Janeiro, com 643 kg/ha.
Utilização de Máquinas e Insumos Modernos
Como já destacamos, das máquinas modernas, o que mais cresceu no campo foram os tratores e esse crescimento se concentrou também na região Sul/Sudeste, que detém 80,8% dos tratores em operação no país, enquanto o Nordeste fica com 6,3% e a Fronteira Agrícola com 12%. Chama a atenção o crescimento do uso de tratores no Centro-Oeste, que em 1970 detinha 6,23% dos tratores do país e em 1980 passou para 11,71 %. Isso se deve aos projetos de aproveitamento dos cerrados, onde o uso de insumos modernos é largamente difundido, em projetos do porte de um JICA e outros. A falta de dados não nos permite ver como se distribui o uso de adubos e defensivos, mas se observarmos pelos dados indiretos da rentabilidade média por hectare, e pela utilização desses insumos nos principais produtos agrícolas (Quadro 7), vemos que é a região Sul/ Sudeste a que mais os utiliza.
Também a distribuição do crédito agrícola está altamente concentrada na área Sul/Sudeste, que absorveu 62,2% do crédito disponível em 1980, enquanto o Nordeste ficou com 20% e a Fronteira Agrícola com 17,2%.
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Conclusões
A tendência da apropriação do solo agrícola no Brasil é a concentração da propriedade e da produção, que cresce de ano a ano, e faz parte integrante da política econômica dos governos pós-1964. A expansão da fronteira agrícola se estabelece a parir de grandes projetos. Mesmo nas regiões já estratificadas quanto à posse da terra, a produção para exportação (como a soja); a implantação de projetos bio-energéticos (cana); o uso de tecnologias inadequadas e caras levam à crise os pequenos produtores, provocando o que eufemisticamente se chama "remanejamento da malha fundiária", que nada mais é do que o processo de concentração da propriedade, expulsando para longe dos centros consumidores e das vias de escoamento, os pequenos produtores, e/ou transformando-os em assalariados agrícolas das novas empresas que surgem. Isso tudo levando ao fortalecimento e ampliação do monopólio da terra, traço central do atraso da nossa agricultura.
“A agropecuária capitalista é o leito em que se desenvolve o nosso campo”.
O crescimento expressivo da mão-de-obra assalariada no campo é o principal indicador das transformações ocorridas na nossa agropecuária. Entre 1970 e 1980, enquanto o número de estabelecimentos agropecuários crescia em 4,9% e o pessoal ocupado aumentava em 20,0%, a mão-de-obra assalariada crescia em 104,5%, cerca de cinco vezes mais do que o incremento do pessoal ocupado e várias vezes mais que o incremento do número de estabelecimentos. Este é um seguro indicador do grau de penetração do capitalismo em nossa agropecuária, pois não existe critério mais claro da existência de relações capitalistas na agricultura do que o assalariamento de mão-de-obra. Mostra também que a agropecuária capitalista é o leito em que se desenvolve o nosso campo.
O capitalismo na agropecuária brasileira tem levado no geral à concentração. Mantém, entretanto, um aspecto contraditório, pois nas regiões mais desenvolvidas do ponto de vista capitalista, como a Sul/Sudeste, a propriedade de dimensão menor na faixa de 10 a 100 ha desempenha papel de relativa importância e se caracteriza por ser uma propriedade avançada, produzindo para o mercado, assalariando mão-de-obra, usando técnicas modernas, créditos bancários, insumos industriais etc. Ou seja, são empresas capitalistas de produção intensiva e, nesse sentido, unidades econômicas de médio e grande porte, e não unidades familiares autárquicas, pequenas propriedades familiares.
Cinquenta e três por cento dos estabelecimentos agropecuários têm menos de 10 ha e se caracterizam no geral como verdadeiros minifúndios. A realidade dessas pequenas propriedades é muito diferenciada, seja quanto aos vários sub-grupos, quanto ao tipo de produção (de subsistência, frutas, flores e hortaliças etc), seja quanto à localização geográfica (Sul/Sudeste, Nordeste, Norte etc). É no geral imprópria à aplicação de técnicas agrícolas avançadas e tende à fragmentação.
“Porém, podemos afirmar que não existe lavoura de peso em nossa agricultura que não tenha o fundamental de sua produção claramente realizado sob o modo de produção capitalista”.
O capitalismo na agropecuária brasileira existe de forma diferenciada de acordo com o tipo das lavouras, com o destino da produção para o mercado interno ou a exportação, com a sua localização geográfica (próxima aos grandes centros consumidores ou nas longínquas regiões interioranas do sertão, do agreste ou da fronteira agrícola). Porém, podemos afirmar que não existe lavoura de peso em nossa agricultura que não tenha o fundamental de sua produção claramente realizado sob o modo de produção capitalista, seja soja e arroz do Sul/Sudeste, cacau na Bahia, feijão no Paraná e Bahia (região de Irecê) etc. Exceção a essa afirmação é a mandioca que, apesar do importante volume de produção e papel na alimentação popular, realiza-se basicamente nas pequenas propriedades, com baixo uso de técnica e insumos modernos, embora esteja sendo paulatinamente "modernizada" como indicam os escândalos do uso indevido de crédito.
Em que pese certo grau de desenvolvimento atingido pela agropecuária brasileira, está longe, muito longe mesmo, a solução dos problemas do nosso campo. Este desenvolvimento tem como traço central a dependência externa, a produção para o mercado exterior, fruto do modelo global de desenvolvimento econômico que nos foi imposto pelos governos militares pós-1964.
Isso traz como consequência que o crescimento da nossa produção agrícola varie ao sabor das necessidades do mercado externo. Assim se explicam os "ciclos" da cana, do algodão, do café, do soja etc. Passamos a produzir de acordo com estímulos externos (preços, créditos, ofertas de sementes e insumos modernos). Estes ciclos exportadores também rapidamente entram em crise, tão logo cessem esses estímulos. Enquanto os produtos de consumo interno são relegados a segundo plano, e têm seus preços também regulados pelo mercado externo, única maneira de interessar os agricultores na sua produção, o que torna o preço dos alimentos básicos proibitivo, levando a um sub-consumo e a uma má alimentação da população. Assim aconteceu recentemente com o feijão, o arroz, o café, o açúcar etc.
O campo brasileiro mantém uma série de traços atrasados e tem um desenvolvimento extremamente desigual. Enquanto no Sul/Sudeste temos uma agricultura razoavelmente desenvolvida, no Nordeste, Norte e parte do Centro-Oeste permanecem existindo áreas de muito atraso. O próprio avanço técnico é pequeno e relativo; o uso de tratores, importante indicador de uma agricultura avançada, deixa muito a desejar. Pois, enquanto possuímos um trator para cada 114,15 ha de terras aráveis, nos EUA essa relação é de um trator para 27/ha, sendo esse dado de dez anos atrás. A utilização de nossas terras agricultáveis é muito baixa. No Simpósio Nacional Sobre Agropecuária Brasileira na Conjuntura Nacional, um conferencista citando dados do Departamento de Agricultura dos EUA, disse: "aproveitamos apenas 4% do nosso território com agricultura e temos um potencial para aproveitar 40%". Isto só com culturas alimentícias. "Com pecuária aproveitamos 12% e temos um potencial de 39%, deixando 20% para reservas florestais" (2). Na pecuária leiteira, enquanto a produção gira em torno de 700 litros/vaca/ano (3), em outros países essa produção atinge 4 a 6 mil litros/vaca/ano. Por último, essa baixa produtividade e rentabilidade das atividades agropecuárias em nosso país fica evidenciada pelo fato de cada hectare agricultável produzir em média Cr$ 6.500,00.
O uso do crédito se dá também de forma distorcida com vistas a beneficiar paulatinamente os grandes produtores. Os pequenos produtores que em 1966 participavam em 34% nos créditos agrícolas, viram essa participação cair para 11% em 1976, enquanto os grandes produtores passavam de 20%, em 1966, para 53%, em 1976. Observado do ponto de vista dos produtos a que se destina o crédito, em 1976, café, soja, cana, algodão e trigo obtiveram 59% e contribuíram com cerca de 33% do valor bruto da produção; feijão, mandioca, e milho, produtos básicos da alimentação popular, receberam cerca de 13% do crédito e contribuíram com cerca de 30% do valor bruto da produção.
Entre 1971 e 1976, o crédito rural cresceu em termos reais em 143%, enquanto o produto real da agricultura cresceu 35%, o que evidencia que, apesar da expansão do crédito ter sido elevada, não há correspondência adequada com relação ao crescimento da agricultura, sendo um importante indicador de uso fraudulento e inadequado desses créditos, onde os escândalos do Adubo Papel, no Sul, e o Caso da Mandioca, no Nordeste, são meras pontas de icebergs.
A assistência técnica é precária e privilegia também os grandes produtores. Pois, além de atingir apenas cerca de 16% das propriedades rurais, o próprio programa oficial de assistência, o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural da EMBRATER para 1977 previa atender "35% dos produtores de alta e de média renda" e apenas "4% de produtores de baixa renda" (4).
Além da concentração das terras, do uso de créditos e da assistência técnica, a nossa estrutura agrária, como causa e consequência disso, é altamente concentradora de renda. Segundo indicam dados do IBGE, em 1970 e 1980 não só se manteve, como se aprofundou enormemente a concentração da renda no campo. A participação na renda nacional dos 50% mais pobres do campo em 1970 era de 22,4%, em 1980 caiu para 14,9%. Enquanto os 5% mais ricos, que detinham, em 1970, 23,7% da renda, passaram em 1980 a deter a "bagatela" de 44,2%. Chamo a atenção para que 1% dos milionários da área rural passou dos 10,5% da renda nacional, que detinha em 1970, para 29,3% em 1980. O que sem dúvida nenhuma é um verdadeiro escândalo social: 1% de milionários rurais detém mais do dobro da renda de 50% de pequenos produtores e trabalhadores rurais.
“Do ponto de vista social, o desenvolvimento agrário se fez a custos altíssimos. O principal personagem desse processo – o assalariado agrícola temporário ou permanente – trabalha em condições sub-humanas”.
Do ponto de vista social, o desenvolvimento agrário se fez a custos altíssimos. O principal personagem desse processo – o assalariado agrícola temporário ou permanente – trabalha em condições sub-humanas: 70% deles ganham salário-mínimo ou menos; não são respeitados os direitos trabalhistas. Oitenta por cento não têm carteira assinada pelo empregador e esse índice cresce no que se refere às mulheres para 87%, e 95% quando se trata de crianças. Esses trabalhadores moram em péssimas condições no próprio campo ou nas periferias de cidades, são transportados em condições perigosas, vítimas constantes de inúmeros acidentes. Sem assistência médica, sub-nutridos e mantidos na ignorância e no analfabetismo, não vivem, sobrevivem e dão suas vidas e pujança ao desenvolvimento do emergente capital agrícola brasileiro.
Pequenos proprietários, rendeiros e parceiros também são submetidos a duras condições de trabalho; suportam contratos leoninos, preços manipulados, safras frustradas por pragas, secas, enchentes, impostos abusivos. Levam uma vida dificílima, onde o duro trabalho com a terra não é compensador, não traz sustento digno para si e sua família.
O modelo de desenvolvimento agropecuário capitalista concentrador/especulativo, ao vedar o acesso democrático do camponês à terra e gerar uma grande massa de trabalhadores sem terra que a ela aspiram, agrava ainda mais esse histórico problema: o acesso à terra por parte do campesinato, ampliando e agravando os conflitos, geralmente violentos pela sua posse. Segundo dados da CONTAG – que usa o critério de só computar os conflitos que lhe chegam através de documentos e tiveram algum tipo de encaminhamento – são os seguintes os números indicadores desses conflitos e da sua seriedade, nos últimos anos:
– 1979 – Nos estados de Mato Grosso, Maranhão, Rio de Janeiro houve conflitos de terra que envolveram 75 mil pessoas.
– 1980 – Em 16 estados, 96 conflitos envolveram 26.678 famílias e mais de 103 mil pessoas.
– 1981 – Em todos os estados da Federação e o antigo território de Rondônia ocorreram 257 conflitos, atingindo 40.530 famílias, ou cerca de 202.660 pessoas.
O crescente envolvimento da população camponesa em conflitos geralmente violentos, pelo direito a um pedaço de terra para trabalhar, é um dos indicadores fundamentais da situação de crise, tensão social e perspectiva de luta revolucionária que se abre no campo brasileiro.
* Ronald Freitas é colaborador do Jornal Tribuna Operária e da Revista Princípios.
Notas:
(1) In Boletim ABRA n. 5/82, p. 37, citando tabulações avançadas do Censo Agrícola de 1980.
(2) Dados extraídos do relatório do Simpósio Nacional Sobre Agropecuária brasileira na Conjuntura Nacional, p. 31, CF – Brasília, 1975.
(3) Dados extraídos do relatório do Simpósio Nacional Sobre Agropecuária brasileira na Conjuntura Nacional, p. 31, CF – Brasília, 1975.
(4) Dados extraídos do relatório do Simpósio Nacional Sobre Agropecuária brasileira na Conjuntura Nacional, p. 31, CF – Brasília, 1975.
EDIÇÃO 7, DEZEMBRO, 1983, PÁGINAS 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24