O poeta da revolução e do futurismo
Nesta data, costuma haver homenagens na capital russa ao poeta, com excursões pelos locais frequentados por ele, leituras e performances nas ruas e no Museu Maiakovski, além da exibição do filme A Jovem e o Hooligan, de 1918, dirigido pelo artista.
Impressionado pelo movimento revolucionário, ingressou na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo quando tinha apenas quinze anos. Capturado três vezes, foi solto por falta de provas em duas dessas ocasiões. No entanto, entre 1909 e 1910, acabou por passar onze meses enclausurado.
Entrou na Escola de Belas Artes, onde conheceu David Burliuk, o grande mentor da sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlébnikov, Kamienski e outros.
Após a Revolução de Outubro, o grupo manifestou o seu apoio ao novo regime. Durante a Guerra Civil, Maiakovski dedicou-se à criação de desenhos e legendas para cartazes propagandistas. Em 1923, fundou a revista LEF (de Liévyi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os intelectuais (escritores e artistas) que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social.
Maiakovski viajou muito pelo país e pelo mundo, divulgando a sua arte e aparecendo diante de vastos auditórios para os quais lia os seus versos. Entrou repetidamente em conflito com os “burocratas” e com aqueles que pretendiam reduzir a poesia a “fórmulas mais simples”, chegando a ser pressionado e perseguido por oficiais, que desejavam instaurar uma literatura “simplista e dita realista”.
Homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico, Vladimir Maiakovski ter-se-á suicidado em 1930, aos 36 anos, com um tiro no peito. Este facto é, no entanto, disputado por sua filha, Elena Maiakovskaia.
Vladimir Maiakovski recita um excerto do seu poema A Extraordinária Aventura:
A Extraordinária Aventura
…Vivida por Vladímir Maiakovski no Verão na datcha
(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)
A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casa dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol escarlate.
Dia após dia
isto
começou
a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
“Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”
E grito ao sol:
“Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso de paxá
você baixar em casa
para um chá?”
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!”
Lágrimas na ponta dos olhos
– o calor me fazia desvairar –
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se, astro!”
Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta do banco
e espero a conta com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta, etc.
E o sol:
“Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“Somos amigos
pra sempre, eu de você, você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
1920
Tradução de Augusto de Campos
Fontes: A Magia da Poesia
Aula sobre a poesia e arte de Maiakovski (solicite nas configurações do vídeo a tradução do russo para o português):
Documentário russo em três partes sobre o poeta e outro em italiano: