O banco Santander e a quebra de Porto Rico
José Bautista, La Marea – Na semana passada, milhares de pessoas em Porto Rico, Estados Unidos e, inclusive, no Brasil celebraram o Dia Internacional contra os Bancos com manifestações em frente às sedes do banco Santander e o Popular porto-riquenho (nenhuma relação com a entidade espanhola) para protestar contra as supostas manobras destas entidades financeiras para obter lucro diante da frágil situação econômica pela qual atravessa Porto Rico.
Os manifestantes acusam dois executivos do Santander de serem os responsáveis pelo fato de a colônia estadunidense alcançar níveis de dívida insustentáveis em benefício da entidade espanhola, ao mesmo tempo que implementava um duro programa de austeridade repleto de privatizações, cortes sociais e privilégios fiscais para investidores com perfil especulativo e grandes fortunas. O que aconteceu exatamente?
Uma investigação das organizações estadunidenses Comitê para Bancos Melhores, Hedge Clippers e a Federação de Trabalhadores de Porto Rico revela que o banco Santander é uma peça-chave para entender por que a economia da ilha está atolada em um dos episódios mais sombrios de sua história recente. A crise financeira de 2008 foi um duro golpe a esta colônia dos EUA – Estado livre associado, segundo a nomenclatura oficial –, que àquela altura já sofria os estragos característicos de uma economia periférica e desindustrializada dependente da potência vizinha, com uma elevada dívida pública, um governo paralisado e uma população cada vez mais reduzida à precariedade e com um elevado desemprego assolando o local. Porto Rico, definido por vários economistas como “a Grécia do Caribe”, já tem uma população maior nos Estados Unidos (4,7 milhões de pessoas) do que na ilha (3,6 milhões).
A pesquisa, intitulada Piratas do Caribe, conta como dois executivos do Santander foram os encarregados de desenhar o programa de austeridade fiscal e de emissão de mais dívida pública com altas taxas de juros para o banco espanhol. O nome mais relevante é o de Carlos García, o Rodrigo Rato de Porto Rico, presidente do banco Santander porto-riquenho depois de ter sido executivo do Santander Securities na ilha, filial responsável por negociar títulos públicos geridos pelo banco, tal qual explica Saqib Bhatti, um dos pesquisadores que participaram do estudo e que visitou Madri recentemente junto com ativistas porto-riquenhos.
Em 2009, Garcia foi designado para dirigir o Banco de Desenvolvimento Governamental (Porto Rico não tem mais banco central), responsável por colocar em marcha o programa de austeridade que levou à demissão de mais de 30 mil funcionários, assim como drásticos cortes e privatizações nos âmbitos educativo (fecharam 43% das escolas públicas), sanitário e de aposentadorias que agravaram a crise humanitária que vive a ilha (46,1% da população vive abaixo da linha de pobreza, segundo dados do governo). Após a chegada na instituição, García se juntou ao seu companheiro José Ramón González, conselheiro delegado do Santander de Porto Rico. Desde então, milhares de cidadãos dentro e fora da ilha caribenha têm protestado contra o conflito de interesses de ambos, que ocupam dois altos cargos no Santander, e seu programa de austeridade.
“Sob a liderança de García e González, o Santander Securities estabeleceu-se rapidamente como administrador principal da emissão de títulos do governo, coincidindo com o crescimento da dívida pública”, diz o relatório. Ao mesmo tempo em que implementava estas medidas de austeridade e criava novas regras de isenção fiscal para aqueles que especulavam com a dívida da ilha (não sem aumentar os impostos sobre as classes média e de baixa renda), Carlos García assinou a emissão de mais dívida pública na forma de “títulos tóxicos” no valor de US$ 71 bilhões, dos quais US$ 61 bilhões (85,9% da dívida) estão nas mãos do Banco Santander, uma entidade para a qual ele havia trabalhado como diretor. Desde que a ilha foi declarada falida em 2016, o Santander obteve mais de US$ 1 bilhão em função do pagamento de juros sobre essa dívida.
Este e outros dados também aparecem na auditoria realizada pela rede VAMOS4PR, integrada por várias organizações acadêmicas, sindicais e da sociedade civil de Porto Rico e dos Estados Unidos. “García e um grupo de executivos do Santander implementaram no Banco de Desenvolvimento Governamental um programa massivo de emissão de títulos, que é a raiz da crise de Porto Rico”, sustenta o informe do Clippers sobre a elevada dívida pública da ilha (cerca de 100% do PIB). La Marea solicitou as cifras dos negócios do Banco Santander em Porto Rico e sua posição sobre este possível caso de prevaricação, conflito de interesses, violação de segredos, tráfico de influência e peculato por parte de seus dois executivos à frente de órgãos públicos de Porto Rico. A entidade não respondeu.
Depois de iniciar a emissão de dívida pública com altas taxas de juros reais (mais de 300% em alguns casos, de acordo com esta auditoria) e em meio a um programa pernicioso de austeridade fiscal, Carlos García e José Ramón González deixaram o Banco de Desenvolvimento Governamental de Porto Rico para retornar a seus postos no banco Santander. Mas a história não termina aí: em 2016, o governo dos EUA designou García e González para tomarem parte da Junta de Controle Fiscal, que trabalha como parte da troika – composto também pela Comissão de Controle Fiscal e por representantes do partidos Republicano e Democrata de EUA – com controle total sobre as finanças da ilha para assegurar que as autoridades porto-riquenhas implementem as políticas de austeridade ao pé da letra. O governador de Porto Rico é o único membro da Comissão que não têm voz nem voto.
Fontes do banco Santander responderam ao La Marea que “em Porto Rico era uma prática comum entre as agências corretoras, como o Santander, participarem na emissão e comercialização da dívida de Porto Rico”. A entidade assegura que os “produtos financeiros vendidos aos clientes do Santander cumpriram com todas as leis, regulamentos e exigências aplicáveis, incluindo as estabelecidas pela autoridade reguladora de valores mobiliários local” e se recusou a comentar sobre o possível conflito de interesses de seus executivos Carlos García e José Ramón González.
Não sendo um estado de pleno direito dos EUA, Porto Rico não pode pedir falência para receber um resgate público (tal como aconteceu com Detroit, em 2013) e, portanto, o governo porto-riquenho não tem poder nas negociações com seus credores , entre os quais se destaca o Santander.
Porto Rico atualmente dedica quase 25% do PIB para pagar juros sobre uma dívida pública que é “insustentável”, avalia a porto-riquenha Xiomara Paola, do Centro para a Democracia Popular. Porto Rico vai pagar US$ 33,5 bilhões em juros por US$ 37,8 bilhões de dívida emitida sob a forma de títulos de Apreciação de Capital (CABs), para citar um exemplo da natureza especulativa de grande parte da dívida de mais de US$ 134 bilhões da ilha caribenha.
Os Estados Unidos controlam Porto Rico, mas os ilhéus não podem participar na vida política do país, apesar das mobilizações intensas que há anos protagonizam seus estudantes e muitos cidadãos. No domingo retrasado, os porto-riquenhos votaram em um plebiscito com baixa participação (menos de 25%) para se posicionarem esmagadoramente a favor de uma anexação completa aos Estados Unidos, um resultado que analistas e a mídia interpretaram como uma resposta desesperada ao colapso do sistema financeiro da ilha.
Publicado em Rede Brasil Atual