Renato Rabelo: Uma “barreira de contenção” contra o bolsonarismo
A seu ver, há uma “tendência de decomposição estrutural da hegemonia dos Estados Unidos, ascensão de novos polos de poder e crescente multipolarização”, na qual se destaca a Ásia, particularmente China, Índia e Rússia. Para Renato, acirra-se a disputa pela hegemonia mundial A guerra comercial entre as duas grandes potências – Estados Unidos e China – é a ponta do iceberg pelo predomínio tecnológico.
Ele ressalta que a crise estrutural do capitalismo traz como consequência crise social e mudanças políticas, em escala mundial. Crise que se desdobra em hipertrofia financeira que, por sua vez, acarreta recessão, desenvolvimento medíocre e déficit de demanda persistente. Nesse contexto, “o outro lado da moeda é a ascensão econômica chinesa, um fenômeno dos mais impressionantes dos últimos tempos”.
Esse cenário põe em questão a própria capacidade de as democracias liberais ocidentais se apresentarem como alternativa viável e abre caminho para grupos neofascistas e xenófobos que põem a extrema-direita em evidência em vários países, como Espanha, Alemanha, Itália, Áustria, França e Reino Unido. Renato entende que essa transição na ordem mundial provoca duro impacto na América Latina e, sobretudo, na América do Sul. “O que está em jogo é a dominância neoliberal e neocolonial, com formas autoritárias, fascistizantes, versus a luta antineoliberal e antineocolonial”.
No Brasil, essa conjuntura internacional sombria desembocou no governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, significando ruptura do pacto político trazido pela Constituição de 1988. É um governo caracterizado por “autoritarismo visceral em alta; ímpeto pela aplicação do ultraliberalismo, ao modo de uma ortodoxia já superada em outros países; e neocolonialismo de profunda capitulação perante os Estados Unidos”. Isso tudo sob o manto do “fundamentalismo religioso”.
A aplicação da política ultraliberal requer “casamento com uma política autoritária”, diz Renato. Para a grande burguesia financeira e empresarial associada ao capital estrangeiro, “nesse jogo a democracia política é menos importante que a economia neoliberal”. O “eixo central do governo é o desmonte do Estado nacional desenvolvimentista, das instituições democráticas, da soberania do país e da legislação trabalhista”. Não consta da agenda do governo qualquer plano para retomar o crescimento econômico e atenuar a crise social.
O dirigente da Fundação Mauricio Grabois alerta para o equívoco de se considerar que Bolsonaro é um “desastre passageiro”. O atual presidente da República simboliza uma tendência mundial e conta com apoio de uma base social considerável e ativa, formada por parte majoritária da classe dominante e do aparato militar e policial. Diante de convulsão social e institucional em países vizinhos e de protestos contra o seu governo aqui no Brasil, o presidente brasileiro ameaça com recrudescimento do aparato de repressão política e policial e alimenta a tensão, o preconceito, a selvageria e a perseguição a adversários – reais ou imaginários –, como combustível para seus seguidores e como forma de se sustentar.
Renato evidencia que a oposição ao governo de “feições fascistas” se movimenta no Parlamento, no consórcio programático dos governadores do Nordeste e na ação popular nas ruas, conforme o nível de acumulação de forças do momento. E cita o exemplo da reforma da previdência, em que a oposição, embora sem força para derrotar a emenda constitucional, foi decisiva para evitar uma tragédia ainda maior para os trabalhadores brasileiros.
“Estamos diante de uma situação emergencial, e é preciso dialogar e unir todas as forças políticas possíveis de serem unidas, para defender a democracia e a Constituição”. Uma bandeira que “cabe não só à esquerda, mas a todas as forças democráticas, liberais sensatas e patrióticas”. A emergência da luta democrática se impõe, “podendo reunir múltiplas oposições de vários setores sociais que levantam essa bandeira. As lutas pela soberania do país e pelos direitos destroçados estão interligadas”, afirma o dirigente.
Para ele, a unidade das forças democráticas e progressistas deve ser buscada já para as eleições municipais de 2020, sobretudo nas capitais e em grandes centros urbanos. Ainda que, circunstancialmente, essas forças possam “marchar separadas”, elas precisam ter a capacidade de “golpear juntas” para alcançar êxitos na disputa do próximo ano, armando uma “barreira de contenção” ao retrocesso patrocinado por uma minoria extremada, barulhenta e violenta liderada pelo presidente da República.
O Encontro
A exposição de Renato Rabelo foi seguida de debate com a participação de Conceição Silva, da Unegro (União de Negros pela Igualdade); Getúlio Vargas Neto, da Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), e Ronald Santos, da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos). Logo após o debate, realizou-se um ato político que clamou: “A defesa do SUS é a defesa da democracia, da soberania e dos direitos”. As deputadas federais pelo PCdoB Jandira Feghali (Rio de Janeiro), que é médica, e Alice Portugal (Bahia), farmacêutica, participaram do ato.
O documento que orienta os debates no encontro do PCdoB sobre saúde – intitulado “Lutar pelo SUS é lutar pelo Brasil” – aponta diversas questões como centrais na luta política em curso no país, como a defesa da saúde pública, da democracia e de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil; a necessidade de garantir a saúde pública como direito humano e social para o povo; a reafirmação do financiamento público da saúde e do combate ao neoliberalismo e suas reformas; e a premência de superar as desigualdades e defender amplo acesso da população ao SUS.
Entre as alternativas para avançar a luta, os comunistas indicam que é preciso promover o desenvolvimento da nação, com saúde e vida digna aos cidadãos, e um amplo programa de medidas para fortalecer o SUS e melhorar a qualidade da atenção à saúde.
O encontro, que prossegue nesta sexta (29), tem a participação de parlamentares, pesquisadores, professores, gestores públicos de diversos estados, servidores, conselheiros e usuários do sistema de Saúde, dirigentes de movimentos comunitários, lideranças dos trabalhadores e representantes de conselhos profissionais.