Flávio Dino analisa importância de instituições democráticas para o enfrentamento da pandemia
O terceiro painel do Seminário “O Nacional-Desenvolvimentismo e o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, ocorrida na segunda-feira (29 de março), discutiu a construção de uma nação democrática, próspera e solidária. Para isso, reuniu para o debate Flavio Dino (governador do Maranhão), Carlos Lopes (da redação da Hora do Povo, membro do Comitê Central do PCdoB), e Fernando Haddad (professor da USP, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação).
Promovido pela Cátedra Cláudio Campos da Fundação Maurício Grabois, , a série de debates ocorre durante 11 mesas até 17 de julho. Aberto a convidados compostos por membros do Comitê Central e das Comissões Executivas Estaduais do PCdoB, o Seminário segue o planejamento da Fundação para o ano de 2021 e tem por objetivo contribuir para a formulação de um projeto nacional de desenvolvimento e subsidiar a atualização do Programa Socialista do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aprovado em 2009, no 12º Congresso.
Sob mediação do vice-presidente do PCdoB, Walter Sorrentino, a mesa de debates discutiu as contradições da natureza de um Estado democrático numa economia capitalista dependente em constante estagnação econômica. A questão do nacional-desenvolvimentismo tem sido o debate central, agora comparando a experiência dos governos progressistas vigentes a partir de 2003, com a experiência histórica os avanços limitados alcançados.
A necessidade de continuar avançando a democracia também foi um tema abordado a partir da necessidade de uma reforma política que amplie o acesso e diversidade do poder político. Assim como a ampliação dos mecanismos de controle e participação social nas decisões de estado.
O tema delicado das contradições presentes na relação entre as forças armadas e o poder constituído também foi tratado, especialmente no seu papel histórico de defesa da soberania nacional e comprometimento com a ordem democrática. O mesmo foi tratado em relação ao direito à comunicação, em que a diversidade partidária, política, econômica e de movimentos sociais é alijada de acesso às corporações midiáticas.
Poder limitado
O governador maranhense apontou as contradições da democracia liberal que se expressam desde sua origem no Brasil, por meio do colonialismo e da escravidão negra. “Nunca pudemos dizer que experimentamos na plenitude a arquitetura abstratamente lançada acerca das virtudes do regime democrático ou mesmo do wellfare state”, afirmou, salientando como essas contradições se expressaram por todo o mundo capitalista, embora ele tenha evitado digressões históricas.
Superados esses dilemas, o desafio se mantém no modo como o processo democrático se articula para atender as demandas de alguns, em detrimento da maioria. Flávio admite avanços significativos nas últimas décadas, conforme a experiência democrática se aproxima em alguma medida da abstração proposta.
Ele também aludiu aos desafios da democracia que se expressam na dimensão institucional pelos mecanismos de limitação de poder. “Para ser democrático, o poder precisa ser limitado, na medida em que é considerado abusivo por natureza”. Na opinião do jurista, esta é uma ideia liberal justa, de origem aristotélica, em que precisamos valorizar os artefatos e construtos de limitação do poder do estado, como a separação de poderes, o federalismo e a primazia do poder civil sobre as forças armadas.
Entre os elementos da democracia que é preciso valorizar, na opinião dele, estão a separação de poderes, com sua horizontalidade e verticalidade da repartição de competências, freios e contrapesos. Neste sentido, do mesmo modo como o legislativo e o judiciário limitam o poder executivo, é preciso corrigir deformações sobre a independência do poder judiciário, “que foi largamente apropriado para interesses partidários” nos últimos tempos.
Flávio observou como neste momento de pandemia o federalismo foi importante para garantir a civilidade do enfrentamento da ameaça de miséria e morte: o desastre seria ainda maior se houvesse concentração de poder em uma única esfera. Ele se refere ao modo como os poderes limitaram a insanidade do presidente da República, garantindo legislação de ajuda emergencial para as famílias vulneráveis à pandemia, enquanto o judiciário garantiu a legalidade da ação autônoma de prefeitos e governadores para controlar a circulação do novo coronavírus.
Ele também mencionou o modo como setores sociais ainda distorcem a subordinação do papel das Forças Armadas ao poder civil. “A Constituição não legitima a tutela armada sobre os poderes civis repetidamente invocada nas manifestações de ruas de golpistas. O poder civil tem primazia em relação às forças armadas”, enfatizou.
Ele também considera importante regatar o valor das eleições e do voto secreto. “Ameaçados atualmente pelo abuso atinente às fake news (notícias falsas), que aniquilam o princípio da soberania popular e distorcem a primazia do voto popular, largamente violado, em 2018, sobre o voto do povo”. Ele mencionou o recente estímulo a motins contra governadores, particularmente da Bahia), baseado em fake news, que revela a gravidade da desinformação para a democracia.
Outra dimensão importante da democracia que, na opinião dele, precisa ser resgatada é o combate à corrupção. Ele ressalta que a probidade administrativa é um elemento fundamental da democracia e precisa ser reapropriado por aqueles que zelam pelo patrimônio público e o interesse coletivo, depois de ter sido indevidamente apropriada pela direita política nos movimentos golpistas.
Na dimensão social, Flávio Dino explica que não é possível falar em democracia no Brasil sem o combate às “obscenas” desigualdades sociais e regionais.
“A democracia não é forma e procedimento somente; é conteúdo, tem compromissos finalísticos. Tem uma teleologia. Não é só forma de arbitramento, mas forma de cumprimento de finalidades”, explicou o governador.
O conteúdo dessa democracia está no fato de que a prosperidade só é possível se for para todos. “Se há exclusão, no nosso paradigma conceitual, não há progresso e prosperidade”, acrescenta. Para ser democrática tem que ter instituições, constituição, regras do jogo e combater as desigualdades.
A prosperidade só é possível se for para todos. “Se há exclusão e concentração de poder riqueza e conhecimento, no nosso paradigma conceitual não há progresso e prosperidade, direitos e serviços públicos”, ressalta.
Para tanto, Flávio Dino enxerga cinco caminhos essenciais para alcançar esta nação próspera, que são diretrizes de sua governança no Maranhão: ele coloca como uma diretriz principal políticas de trabalho, emprego e economia solidária; o investimento público com foco no desenvolvimento econômico em seu governo implicou em R$ 500 milhões investidos no Plano Emergencial Celso Furtado e, agora, a ousada meta do programa Maranhão Forte com investimento de R$ 1,6 bi. A terceira diretriz é uma política industrial de ciência e tecnologia, para fugir ao destino limitado de “plantation do século XXI”, seguida de uma diretriz de foco no meio ambiente e na economia verde, a bioeconomia.
Finalmente, a responsabilidade fiscal, entendida não como dogma, mas como meio para alcance da responsabilidade social. “Isso não se confunde com essas visões equivocadas como a emenda 95 do teto de gastos”, salientou, criticando como uma medida de contenção de investimentos subtrai qualquer perspectiva de desenvolvimento nacional.
Para ele, financiar a prosperidade significa tratar dos temas: o lugar do Brasil no mundo, pois um país subalterno não tem como ter soberania econômica; o papel dos bancos públicos e dos fundos públicos de investimento; o poder soberano do estado na emissão de moeda; a reforma tributária progressiva justa e solidária
Aliás, com seu olhar religioso cristão, Flávio Dino fala da solidariedade como um valor a ser incentivado na política, em vez da competitividade, ódio e polarização atual. “Estamos no território fundamental da disputa de poder que é simbólica, uma disputa de valores em que predomina o sucesso individual, a meritocracia, o salve-se quem puder de uma sociedade desvairada assentada no consumismo e na competição. Espero que a Semana Santa que se aproxima traga a reflexão sobre a partilha, a comunhão, a esperança, o serviço; essa dimensão da solidariedade que mobiliza a população para nossos valores”, disse ele.