Países ricos barram proposta do Brasil para redução de emissões de gases
A proposta brasileira de esboçar um acordo do clima que leve em conta a “responsabilidade histórica” de cada nação sobre o aquecimento global foi bloqueada pelos países desenvolvidos na COP-19 (conferência mundial do clima da ONU), que entra hoje na reta final, que vai até sexta-feira em Varsóvia.
Os brasileiros tentam agora usar a força dos apoiadores do projeto, ao menos 136 países, para destravá-lo. O objetivo do encontro é criar um primeiro esboço do acordo global para redução de emissões dos gases do efeito estufa, a ser assinado em 2015.
Os brasileiros querem usar a adesão do G77 (bloco de países em desenvolvimento, que na verdade conta com 135 países) e da China, campeã absoluta de emissões, para fazer a proposta seguir em frente, diz José Antônio Marcondes de Carvalho, negociador-chefe do Brasil no encontro.
Culpabilizar os mais pobres
Em linhas gerais, o Brasil propõe que seja criado um jeito de calcular quanto cada país contribuiu para o aquecimento global desde a Revolução Industrial. Essa parcela de “culpa” seria um dos elementos para definir as responsabilidades de cada nação –e cortes de emissões.
A polarização entre ricos e pobres já era esperada, especialmente porque agora cresce a pressão para que os emergentes –que nos últimos 20 anos aumentaram consideravelmente sua parcela de emissões– também tenham metas ambiciosas e obrigatórias para reduzir a liberação de gases-estufa.
Países em desenvolvimento, por sua vez, reforçam que o aquecimento global é causado pelo acúmulo de emissões, e não apenas pelo CO2 jogado na atmosfera hoje. Mais prejudicadas pelo cálculo, nações ricas começaram uma campanha de oposição à metodologia proposta pelo Brasil já nos primeiros dias do encontro.
Apesar de ter angariado apoio, a proposta brasileira de levar emissões históricas em consideração num novo acordo do clima também foi alvo de críticas entre diplomatas e ambientalistas. Um negociador da União Europeia disse à Folha de S. Paulo que o bloco poderia se inclinar à proposta brasileira se ela incluir uma projeção do aumento de emissões futuras dos países emergentes.
Ambientalistas criticam a proposta brasileira argumentando que a discussão sobre equidade e da responsabilidade histórica pode significar uma licença para países emergentes poluirem, uma vez que eles não emitiram tanto no passado.
Negociador-chefe do Brasil, José Antônio Marcondes de Carvalho, foi enfático contra essa possibilidade. “Há grandes mudanças na curva de emissões do planeta. De 2000 pra cá, quem poderia imaginar, olhando os números, que o Brasil diminuiria tanto o desmatamento? Que o Japão iria abandonar a energia nuclear e voltar a usar carvão?”, questionou.
Conexão IPCC
Em negociações na madrugada de domingo, o grupo brasileiro não conseguiu driblar a oposição. Para seguir com a ideia da responsabilidade histórica, o Brasil quer começar a discutir a proposta em outra instância da COP.
O Brasil sugere que o IPCC (painel de climatologistas da ONU) desenvolva a metodologia para calcular a responsabilidade histórica de cada país, mas ainda não houve consulta formal ao grupo.
“Só pode haver uma resposta formal se o IPCC for chamado oficialmente pela convenção do clima. E isso não aconteceu justamente porque os países ricos, todos eles, impediram até mesmo esse diálogo”, diz Raphael Azeredo, outro negociador da delegação brasileira. “É óbvio que o Brasil fez o dever de casa. Nós sabemos que essa metodologia é possível.”
Radicalização filipina, recuo japonês e australiano
A primeira semana da COP-19 se dividiu entre a comoção com a tragédia nas Filipinas –com os países mais afetados pelas mudanças climáticas pressionando por mais ação– e países desenvolvidos tentando recuar de seus compromissos ambientais.
O Japão anunciou na sexta-feira que abandonaria sua meta de redução de emissões em 25%, até 2020, em comparação às taxas de 1990. Em vez disso, o país asiático deverá emitir 3,1% a mais do que no mesmo período.
A justificativa dos japoneses é que, com a paralisação das usinas nucleares após os vazamentos radioativos em Fukushima, a meta precisará ser revista. Até o acidente, um quarto da energia do país era produzida por esse método, que não emite gases-estufa.
A Austrália foi criticada por acenar com mudanças em sua legislação ambiental, que era considerada exemplar por ambientalistas. O país também não apresentou nenhum compromisso de financiamento a países afetados pelas mudanças climáticas.
O negociador-chefe das Filipinas, Yeb Saño, continua a greve de fome que iniciara para pressionar por ações concretas na conferência. Alguns ambientalistas decidiram se juntar a ele e também estão jejuando. Sua petição online para pressionar por mais ação dos governantes obteve 100 mil assinaturas em poucas horas.