Maurício Azêdo: um rombo nas forças democráticas
Com o progressivo desmantelamento pelo regime das lideranças e dos partidos políticos, assim como dos movimentos sociais, logo nos restariam, das organizações até então atuantes, somente a UNE e o PCB. Nós, Azêdo, eu e muitos jovens jornalistas, optamos pelo chamado ‘Partidão’, que nos propunha algo de bem racional: o caminho da luta de massas. Por isto, nossa palavra de ordem nas passeatas era “Só povo organizado derruba a ditadura”. As únicas alternativas da época eram a troca do adjetivo por armado, o protesto filosófico-comportamental dos hippies, a desmoralizante inércia política ou, a pior de todas, o desbunde das drogas.
Azêdo, como sempre preferi chamá-lo, escrevia muito bem, mas o que mais me chamava a atenção nele era o seu insaciável apetite pelo trabalho, o seu lado pé-de-boi. Impaciente e acionado por alguma força interna – uma úlcera, ao que se especulava -, não hesitava, por exemplo, em chamar a si partes de uma tarefa coletiva que cabiam a companheiros mais lentos ou contemplativos. Tive a oportunidade de comprová-lo no dia-a-dia do semanário de oposição Folha da Semana, lançado em setembro de 1965, do qual me tornei diretor dois meses depois, para substituir o advogado Alfredo Tranjan, que renunciara à função com a edição do Ato Institucional nº 2, o da extinção dos 13 partidos políticos então existentes.
Todos ali, Sérgio Cabral, Luiz Mário Gazzaneo, Leandro Konder, Ferreira Gullar, Otto Maria Carpeaux, Alex Viany, Anderson Campos, José Carlos Avelar e tantos de que não me lembro de imediato, contribuímos para o cumprimento dos objetivos primordiais deste semanário inaugural da chamada imprensa alternativa pós-golpe militar: denunciar as violências da ditadura e clamar pela democracia. Tão bem, aliás, que o jornal mereceu fechamento por um garboso comando de fuzileiros navais, em dezembro do ano seguinte, quando eu já fora deposto, em julho, pelo decreto presidencial que me suspendera os direitos políticos. Mas, quem sempre ‘carregou o piano’, dando mais do que a sua cota – tínhamos que reconhecer -, foi o Azêdo, que seria preso e torturado em 1976.
E ele continuou sendo assim, coerente e fiel à sua consciência e aos seus princípios, um guerreiro pela democracia e intransigente defensor da liberdade de expressão, até o final, aos 79 anos, na sexta-feira passada: nos inúmeros jornais em que exerceu as mais diversas funções da profissão, de repórter a diretor de redação; como militante e vereador do PDT; presidente da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro; conselheiro do Tribunal de Contas do Município; e nos mandatos em que honrou as melhores tradições e lembranças de Barbosa Lima Sobrinho na presidência da ABI, onde encontrou vasto campo de atividades para a sua porção pé-de-boi, inclusive como um dos editores, ao lado do Francisco Ucha, do excelente Jornal da ABI.
Morreu de insuficiência cardíaca no Rio, no Hospital Samaritano, em Botafogo. Deixa inconsoláveis a também incansável companheira Marilka, sempre ao seu lado, inclusive no trabalho, as duas filhas que teve com ela e os dois do primeiro casamento; assim como inconformada, a incontável legião de amigos e admiradores, em que tenho o orgulho de me incluir.