O leilão do Libra
Não escrevi antes sobre este tema tão candente porque, confessadamente, estive em cima do muro da questão. Nos meus pensamentos sobre as relações entre a ética e a política, tenho sustentado que, nos casos em que o político se sente levado a arranhar a ética (por exemplo, omitindo-se propositadamente numa questão importante), o caminho do seu reencontro moral é a confissão ex-post, com a exposição das razões da atitude. É o que quero fazer agora.
Confesso que temi que o leilão não se realizasse, tal a envergadura e a respeitabilidade das manifestações contrárias a ele, a começar pela opinião maciça do Clube de Engenharia, onde tenho amigos queridos e admiráveis, e do qual sou conselheiro. A essas manifestações somava-se o forte interesse de grandes petroleiras no insucesso do novo sistema de partilha adotado pelo Brasil
Temi pelas consequências políticas, que os homens de ciência, como são os engenheiros em geral, positivisticamente tendem a considerar em pauta menor. O leilão era o projeto maior do governo nos últimos tempos e o seu fracasso poderia significar um desgaste politicamente fatal para a manutenção, nas eleições do próximo ano, da linha política instaurada em 2002. Isso poderia resultar, com alta probabilidade, num retorno ao sistema anterior, de concessões, na exploração do nosso petróleo, o que seria, a meu juízo, o verdadeiro desastre.
Quero dizer, muito enfaticamente, e muito seguramente, que continuo sendo a favor do monopólio da exploração pela Petrobrás, a nossa maior e mais exitosa empresa, símbolo não só do espírito de nossa nacionalidade mas de nossa competência científica, tecnológica e econômica. A Petrobrás faria sozinha, muito bem, a exploração do Pré-sal, em ritmo obviamente mais lento, tomando dinheiro no mercado com o cuidado para não ultrapassar os limites perigosos do endividamento, mas com certeza o faria muito bem, com o resultado, de longe, mais vantajoso para o Brasil em termos econômicos.
Entretanto, politicamente, o monopólio instituído por Vargas foi derrubado por aquele que decretou o fim da Era Vargas, e não foi restabelecido ainda na Era Lula. O que foi politicamente conseguido, não sem dificuldades, mas com muito regozijo, comemorado como um grande avanço, foi a Lei do Pré-sal, com o regime de partilha, que prevê os leilões tal como foi feito o de Libra, e só excepcionalmente autoriza a entrega à Petrobrás sem leilão. O que foi obtido, com muitos aplausos, foi a exclusividade de operação e a participação mínima de 30% para a Petrobrás (que aliás foi ultrapassada), e o controle do ritmo de produção, pela nova estatal criada para este fim, com o máximo de encomendas colocadas nas indústrias instaladas no Brasil, e uma contribuição em impostos e royalties mais importante do que a anterior. Não é o ótimo mas é o bom; eu diria até muito bom, tendo em vista o que poderia ter ocorrido se o leilão tivesse sido impedido.
O fracasso iria levantar toda uma enorme onda de acusação de incompetência do Governo, concentrada sobre a Petrobrás, somando-se à desvalorização sofrida pela Eletrobrás, com o ressurgimento do velho argumento do petróleo sem valor nenhum debaixo da terra e do mar, uma onda alarmante certamente alavancada pela mídia, que poderia resultar na derrota eleitoral do pensamento nacionalista em 2014 e, consequentemente, na volta ao regime de concessões que o grande capital tanto deseja, entre outros retrocessos funestos.
Assim é que, pedindo desculpas aos meus amigos e correligionários nacionalistas, eu gostei do leilão, inclusive da composição do consórcio vencedor, que não configurou uma posição majoritária das estatais chinesas, que poderia trazer problemas futuros de relacionamento com esta nação que hoje já é o nosso maior e mais promissor mercado.
E viva a Petrobrás!
Só espero que não continue a subvencionar a gasolina para favorecer a indústria automobilística em detrimento da sua economia empresarial e da qualidade do ar de nossas ruas cada vez mais entupidas.