Uma geração de intelectuais moldada pelo crash de 2008 resgata Marx
Oito anos atrás, Jay McInerney, garoto-propaganda de um tipo de literatura glossy chic dos anos 1980, ungiu Benjamin Kunkel como a voz da nova geração. Escrevendo na primeira página da New York Times Book Review, ele saudou o primeiro romance de Kunkel, Indecisão, por fazer “todo aquele negócio de crise pós-adolescência, de começo de vida, ser engraçado de novo”. Ele não estava sozinho; muitos críticos ficaram impressionados com a evocação de Kunkel da passividade e vazio existencial de um jovem privilegiado. Eles tinham menos certeza do que pensar sobre a conversão do narrador a uma política radical na América do Sul. “Imagino que as sequências sirvam para explicar o socialismo para as pessoas de vinte e poucos anos, pós-irônicas, ambivalentes, esperançosas e generosas em 2005”, escreveu Michael Agger na Slate.
No próximo mês de março, Kunkel vai lançar seu segundo livro, Utopia or Bust. Apesar de não ser continuação de Indecisão, o livro vai de fato tentar explicar, ou ao menos explorar, o que representa o socialismo hoje, por meio de uma série de ensaios de pensadores de esquerda contemporâneos, como Fredric Jameson e David Harvey. Depois do sucesso de Indecisão – que conquistou um lugar nas listas de Best-sellers, foi traduzido para diversas línguas e se tornou atraente para Hollywood – Kunkel não se aproveitou de seu estrelato da mesma forma que, digamos, Jay McInerney. Pelo contrário. Depois de cair em uma depressão profunda, ele seguiu o exemplo do seu próprio personagem, mudando-se para Buenos Aires e se submergindo profundamente em teoria anticapitalista. Em um rascunho da introdução de seu novo livro, ele escreve “Para decepção de amigos que prefeririam ler minha ficção – bem como de meu agente literário, que preferiria vender – parece que eu virei um intelectual marxista público.”
De um modo estranho, no entanto, Kunkel não fugiu inteiramente do negócio. Seu novo livro surge num momento em que há um interesse renovado em Marx entre jovens autores, ativistas e estudiosos, que têm começado a identificar o capitalismo, frente à crise financeira, como um problema, e não mais como algo inevitável.
Seria simplista demais dizer que o marxismo voltou, porque ele de fato nunca foi embora. Nos EUA depois da queda do Muro de Berlim, entretanto, estava restrita ao departamento de inglês da universidade, tornando-se objeto de crítica ácida.
Então veio o crash econômico, o Occupy Wall Street, e o desastre ainda em curso da austeridade na Europa. “Na época do Occupy, principalmente, muita gente de todo tipo de esquerda, trabalhando em publicações grandes ou literárias, meio que se encontraram, começaram a conversar, e descobriram quem estava interessado em política de classe”, diz Sarah Leonard, a editora de 25 anos da Dissent, o jornal social-democrata fundado quase 60 anos atrás por Irving Howe. “Nós essencialmente achamos um política antiga que faz sentido hoje”.
Nos EUA, é claro, o marxismo se mantém como uma corrente intelectual, muito mais do que como movimento de massas. É claro, os millenials [outra forma de se referir à chamada Geração Y] são notoriamente progressistas; uma pesquisa muito debatida de 2011 descobriu que 49% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos têm uma visão positiva sobre o socialismo, enquanto apenas 46% têm visão positiva sobre capitalismo. É difícil dizer o que isso significa exatamente – não se pode dizer que os jovens estão fazendo com que O Capital entre rapidamente na lista dos mais vendidos ou estejam construindo células comunistas. Ainda assim, há décadas que tantos pensadores jovens se envolveram tanto em imaginar uma ordem social que não seja governada pelos imperativos do mercado.
Os motivos para isso são bastante óbvios. “Agora está tudo desmoronando”, diz Doug Henwood, Publisher da Left Business Observer e mentor de diversos novos pensadores marxistas. “Nem mesmo o mais ardoroso defensor pode dizer que as coisas estão indo bem. As premissas básicas da vida dos americanos, sobre mobilidade social e todo esse tipo de coisa, parece tudo uma grande piada de mau gosto agora”.
Enquanto isso, o fim da Guerra Fria libertou as pessoas – especialmente os que são novos demais para lembrar – para que elas pudessem revisitar as ideias marxistas sem o medo de elas justificarem a existência de regimes repressivos. A União Soviética sempre pairou sobre a vida intelectual dos EUA no século 20, especialmente aqueles setores dominados pelos formados da Universidade Judaica Municipal, como Howe e seu contraponto intelectual Irving Kristol. Havia aqueles que condenavam mas se apegavam aos ideais socialistas – posição emblematizada pela Dissent –, e havia aqueles, como Kristol, que viam tais valores como sendo intrinsecamente ligados a um regime tirânico, e se tornavam neoconservadores. Agora que o comunismo é uma força marginal no mundo, essas discussões parecem muito distantes. “Imagino que não tenhamos na nossa cabeça 1989”, diz Leonard. “Nossa crise é de uma natureza diferente. É uma crise capitalista, e temos um arsenal de ferramentas de análise muito útil”.
Para servir ao novo pensamento de esquerda, a editora radical Verso – que também vai copublicar o novo livro de Kunkel – começou recentemente a fazer uma série chamada Pocket Communism (Comunismo de Bolso), pequena, elegante, criada tendo em mente a capacidade de atenção da Geração Y. Entre os livros estão A hipótese comunista de Alain Badiou e A atualidade do comunismo, de Bruno Bosteel. Eles são vendidos fora das lojas tradicionais – em galerias de arte, por exemplo. Mesmo quando esses neocomunistas não são marxistas ortodoxos – Badiou é meio maoista – Marx ainda tem um peso muito grande em suas obras. “As pessoas não têm mais medo de voltar aos textos e usar palavras que eram tabu”, diz Sebastian Budgen, editor sênior da Verso. “Há um efeito emancipador em não mais se precisar se justificar para usar Marx.”
Em nenhum lugar isso é mais verdade que na Jacobin, a revista socialista fundada por Bhaskar Sunkara, de 24 anos, que vai publicar Utopia or Bust com a Verso. Um empreendedor marxista, Sunkara ainda não tinha se formado quando usou o dinheiro de seu crédito estudantil para publicar o primeiro número de Jacobin, em 2011. Hoje ele tem cerca de cinco mil assinantes, um número pequeno em perspectiva, mas impressionante para um jornal de esquerda, comparável ao alcance da Dissent. Seus leitores são desproporcionalmente jovens, de acordo com Sunkara, e em geral novatos no que diz respeito a publicações de esquerda. “Acho que boa parte dos leitores não escolhe a Jacobin ao invés da Dissent ou da Monthly Review”, afirma. “Eles são mais para liberais desiludidos ou jovens que não são politizados”.
De sua parte, a Dissent, editada por Michael Kazin, foi revigorada por pessoal novo, como Leonard. Até recentemente, ela havia se tornado soturna, conhecida por seu conflito com a irresponsabilidade de outros radicais. Em 2002, por exemplo, seu antigo coeditor, Michael Walzer, criticou as respostas dos progressistas ao 11 de setembro, em um artigo intitulado “Pode haver uma esquerda decente?” Lamentando a tendência de intelectuais de esquerda de “viver nos EUA como estrangeiros internos, recusando-se a se identificar com seus cidadãos, considerando qualquer traço de patriotismo como politicamente incorreto”, ele parecia reviver uma velha briga entre a esquerda anticomunista e a contracultura na década de 1960.
(*) Artigo publicado originalmente em Tablet.
Tradução: Rodrigo Mendes para Carta Maior