São Paulo – “Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Eu tenho cócegas na garganta para falar. E vocês ajudaram a quebrar um tabu, porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo. E nunca imaginei que justamente pra vocês eu fosse dar a entrevista mais difícil. Estou voltando, com muita vontade, com muita disposição – para felicidade de alguns, para desgraça de outros. É o seguinte: eu estou no jogo.” Assim Luiz Inácio Lula da Silva encerrou a entrevista concedida nesta terça-feira (24) a um grupo de jornalistas da Rede Brasil Atual, site, rádio e revista, da TVT e do jornal ABCD Maior.
O encontro ocorreu no Instituto Lula, durou 90 minutos e foi, segundo o ex-presidente, a primeira longa entrevista concedida pelo ex-presidente da República no exercício desta “função”. Lula abriu a conversa dizendo não haver “pergunta proibida”, mas pediu que o perdoassem se no excesso de cuidados de ex-presidente ao falar pareceria “chapa branca”. “Ainda estou aprendendo a ser ex-presidente”, disse. Ele comentou a importância das manifestações de junho, que considera o acontecimento do ano ao colocar em xeque todos os governantes – das prefeituras à Presidência da República – e por ter ajudado a criar uma nova agenda política para o país – apesar do fato de “alguns” quererem se apropriar das manifestações para desqualificar a política. “Se alguém chega pra você dizendo ‘olha, eu não gosto de política, mas…’, pode crer, essa pessoa está sendo política.”
O ex-presidente comentou respostas dadas às manifestações, como o Mais Médicos, teceu duras críticas aos opositores do programa e enfatizou que a iniciativa cobre apenas uma pequena parte de um grande problema. Lembrou que o país não dispõe nem de especialistas nem de tecnologia em diversas áreas, e que não vai resolver os grandes problemas sem recursos. “Lá atrás, quando rejeitaram a CPMF, tiraram R$ 40 bilhões por ano da saúde achando que iam prejudicar o Lula. Mas prejudicaram o povo”, disse, acentuando que o Estado é quem banca grande parte dos tratamentos dos ricos na rede privada, quando deduzem suas despesas do imposto de renda, enquanto aos pobres só resta o SUS.
Lula disse acreditar que poucos prognósticos poderão ser feitos sobre as eleições de 2014 antes de março do ano que vem, quando já devem estar colocados todos os nomes das disputas, em nível nacional e nos estados. Um dos principais articuladores políticos do PT, ele afirma que seu papel no processo será o “papel que a Dilma quiser” que ele tenha. Admite ver dificuldades na permanência do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, na base de apoio, vê obstáculos adicionais nas alianças com o PSB em alguns estados, como Ceará e Pernambuco, e vai considerar um grande feito, uma vez consolidada a ruptura, que os partidos façam um pacto de não hostilidade nos palanques em que forem adversários.
Para Lula, a mais importante das reformas do país é a política, com o fim do financiamento privado de campanhas. “Vocês veem as grandes empresas fazendo campanhas contra o financiamento privado? Vocês veem empresários reclamando que não querem contribuir com campanhas eleitorais?”, questiona. Ele reconhece que a atual composição do Congresso não tem interesse nem força para fazer uma mudança impactante no sistema político-eleitoral porque põe em risco os próprios atuais mandatos. “Uma reforma para valer não vai acontecer agora. Por isso, vai ter de ser feita por meio de uma constituinte exclusiva, com ampla participação da sociedade.”
E abordou também a necessidade de um novo marco regulatório das comunicações – “há um projeto, o Paulo Bernardo disse que ia fazer debates públicos, mas não andou…” –, lamentou a ausência de projetos do governo do PSDB para o estado e a região metropolitana de São Paulo, e criticou a forma como “alguns” tentam “transformar coisas boas em coisas ruins”, referindo-se à realização da Copa de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil.
O ex-presidente foi cauteloso ao comentar o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, porque diz ter de respeitar as instituições envolvidas na questão. “Depois que o julgamento estiver totalmente concluído eu vou falar. E tenho muita coisa pra falar”, disse, ressalvando que, no que diz respeito à abordagem política do caso, os acusados já foram condenados há muito tempo.
Reforma capenga
Perto de completar 68 anos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra ceticismo com a possibilidade de que as propostas de reforma política em tramitação no Congresso apresentem mudanças significativas. Articulador político conhecido pela habilidade entre apoiadores e opositores, o petista não vê chance de mudança significativa nas regras do jogo pelos detentores dos atuais mandatos.
“Achar que os atuais deputados vão fazer uma reforma política mudando o status quo é muito difícil. Pode melhorar um pouco”, diz, horas depois de participar de uma conversa com o presidente do PT, Rui Falcão, e com o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que comanda o grupo da Câmara responsável por debater alterações nas regras. Entre os deputados, parece improvável emplacar um debate sobre financiamento público de campanha. Entre os senadores, a proposta encabeçada por Romero Jucá (PMDB-RR), ex-líder da base aliada, quer mexer na pintura de muros e no tempo de campanha, mas não no formato do sistema atual.
Em entrevista à RBA, à TVT e ao jornal ABCD Maior, Lula voltou a defender que se convoque uma constituinte para tratar exclusivamente do tema. A proposta chegou a ser apresentada por Dilma Rousseff após as manifestações de junho, mas foi rapidamente deixada de lado pelo Congresso e pelo PMDB, que engavetaram também a ideia da presidenta de realizar um plebiscito sobre a reforma política. “Por que o empresariado brasileiro não está na rua fazendo campanha para que seja pública e parar de dar dinheiro? Oras, é porque a eles interessa cada um construir a sua bancada”, argumenta, ao analisar o cenário formado após as manifestações de junho.
Outra das medidas propostas por Dilma enfrenta resistência, mas parece avançar. Na visão de Lula, o Mais Médicos não resolve o problema da saúde no Brasil, mas é um “gol” da presidenta e do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, porque começa a dar atenção básica a quem antes não tinha direito a isso.
O ex-presidente considera, porém, que a questão só se resolverá com mais recursos, e recorda que a oposição decidiu aprovar, em 2007, o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). “Foi um ato de insanidade dos tucanos em relação a meu governo, fizeram isso achando que iam me prejudicar”, diz, na primeira entrevista extensa que dá após deixar a Presidência da República.
Confira a seguir o primeiro trecho da conversa, realizada ontem/hoje (24) no Instituto Lula, no Ipiranga, na zona sul de São Paulo.
Qual o impacto das manifestações de junho na vida do país e o que elas mudam na vida dos governantes?
Eu acredito que o impacto de tudo que aconteceu em junho de 2013 deve servir como uma grande lição para a sociedade brasileira e, sobretudo, para os governantes brasileiros. Costumávamos afirmar que o povo precisa reivindicar sempre. Certamente, muita gente de partidos políticos, sindicatos e movimentos organizados da sociedade civil foi pega de surpresa, porque foi um movimento que se deu à margem daquilo que nós conhecíamos como tradicional forma de organização. Eu me lembro que não aconteceu nada no Brasil nos últimos 40 anos que a gente não estivesse à frente. Seja o movimento sindical, sejam os partidos de esquerda, seja a UNE, sejam os sem-terra…
O que eu acho importante? Aquilo não foi um movimento contra o governo, não foi um movimento em que as pessoas queriam derrubar o governo, mas foi um movimento em que as pessoas diziam “nós queremos mais”. Nós queremos mais educação, nós queremos mais saúde, nós queremos mais transporte, nós queremos mais qualidade de vida. Aí eu lembro de um discurso do Fernando Haddad durante a campanha que ele falava você está lembrado que na sua casa, da porta para dentro, melhorou muita coisa, mas da porta para fora piorou ou ficou como está. E era verdade, porque o cara tinha comprado uma máquina de lavar roupa, uma geladeira, um televisor, mas a cidade não foi cuidada adequadamente. Ou seja, você não fez as tarefas para cuidar do transporte adequadamente, não fez o saneamento básico adequado, não tornou a periferia boa para se morar.
A nossa presidenta teve a sabedoria de dar uma resposta muito imediata, colocando a reforma política como uma coisa fundamental para que a gente possa mudar a situação do Brasil, depois da questão da saúde com o Mais Médicos, depois da aprovação de 75% dos royalties para a educação… Ou seja, foram medidas tomadas pela nossa presidenta que mostraram que o governo está num processo de evolução para tentar encontrar soluções. Eu acho que agora ninguém pode mais dizer que o problema do transporte é só do prefeito. É do prefeito, do governador, do governo federal. Os problemas da saúde e da segurança não são mais do prefeito, passam a ser dos três juntos.
O que a gente precisa neste instante é saber que mudou a sociedade brasileira. Ela está mais exigente, ela tem mais informações do que tinha antes. Você imagina, nós saímos de um país que tinha, em 2007, 48 milhões de pessoas que viajavam de avião. Hoje nós temos 113 milhões de pessoas. Essa gente quer se queixar do aeroporto agora, quer se queixar do preço da passagem, quer se queixar da qualidade do serviço no avião. Antigamente você não tinha isso.
Eu acho que foi uma coisa de Deus fazer com que a sociedade se manifestasse e dissesse “olha, nós estamos vivos, nós reconhecemos que muita coisa foi feita e nós queremos que seja feito mais”. Isso é bom porque alertou os governantes. Ao invés de ficarmos lamentando, nós temos que agradecer e começar a trabalhar para que nós façamos acontecer as melhorias que a sociedade brasileira deseja e que todos nós sabíamos que o povo queria porque está na pesquisa de opinião pública.
Que bom que o povo resolveu dizer “estou aqui”. A única coisa grave do movimento é a  manipulação para a tentativa de negar a política. Tenho dito publicamente que toda vez, em qualquer lugar histórico, em qualquer lugar do mundo que se negou a política, o que veio depois é pior. Portanto, se você quer mudar, mude através da política. Participe, entre num partido, crie um partido, faça o que você quiser. Aqui no Brasil o que teve foi o regime militar de 1964. No Chile foi Pinochet, na Argentina foi ditadura. Não queremos isso. Queremos democracia exercida em sua plenitude. E a sociedade quer isso. A sociedade quer debater política, então vamos debater sem medo de debater qualquer assunto. Sou daqueles que acham que não tem tema proibido.
Em relação às manifestações de junho, imaginava-se que elas dariam força para aprovação da reforma política no Congresso, e também que em 2011 a base aliada maior de Dilma daria mais condições para isso. Por que não avança?
Não é fácil. As pessoas que foram para as ruas não vão votar no Congresso Nacional. É importante lembrar que fizemos a campanha das Diretas, que possivelmente foi um dos maiores movimentos cívicos desse país, meses em que fomos à rua com todos os partidos políticos, com movimento sindical, centenas e centenas de manifestações pelo Brasil inteiro, toda a sociedade querendo, e quando chegou no Congresso não tínhamos número para aprovar e não aprovamos.
Tenho dito que só teremos uma reforma política plena o dia em que tivermos uma constituinte própria para fazer uma reforma política. Achar que os atuais deputados vão fazer uma reforma política mudando o status quo é muito difícil. Pode melhorar um pouco.
Acredito que é possível discutirmos uma mudança na votação, votar em lista, financiamento de campanha. Há um equívoco de fazer a sociedade compreender que o financiamento público vai tirar o dinheiro da União. A forma mais eficaz, honesta e barata de se fazer uma campanha política é você saber que cada voto vale um centavo, R$ 1 real, R$ 10 reais e que cada partido vai ter tanto, e que cada partido vai fazer aquilo e se alguém pegar dinheiro privado tem de ser considerado crime inafiançável, para que as pessoas não fiquem subordinadas aos empresários.
Por que os empresários não estão defendendo o financiamento público? É muito interessante que algumas pessoas, que se acham as mais honestas do planeta, acham que o financiamento público é corrupção e vai gastar dinheiro público. Por que o empresariado brasileiro não está na rua fazendo campanha para que seja pública e parar de dar dinheiro? Oras, é porque a eles interessa cada um construir a sua bancada. Os bancos têm bancada no Congresso Nacional, têm influência, porque cada um tem a lista de quem financia. Quem tiver dúvida disso, saia candidato para ver o que acontece, para ver como você se elege no Brasil. Quando colocamos financiamento publico é porque a gente acredita que pode melhorar.
Acredito que (para 2014) a gente vai conseguir fazer uma reforma política muito capenga. Temos que levar em conta que há interesses partidários. Tem partidos para os quais está bom assim. O cara tem mandato e quer preservar o seu mandato.
Na minha opinião a reforma política é a melhor possibilidade para se mudar a lógica da política no Brasil. E ter em conta que não é só para combater a corrupção, mas para facilitar as coalizões que são conseguidas, porque quando você ganha uma eleição com um partido aliado a outro tem que ter coalizão na hora para montar o governo.
Aqui no Brasil se acha um absurdo que um partido ganha eleição e dê cargo a outro, mas no mundo inteiro é assim. A Angela Merkli acabou de ser eleita primeira-ministra da Alemanha, com a maior votação dos últimos anos, vai ter que fazer uma coalizão com algum partido, vai ter que dar ministério para algum partido senão não forma maioria.
A reforma política pode ajudar nesse processo, mas acho que será muito frágil. Sobretudo
no ano de eleições. Nada, estou avisando com antecedência, nada, mudará para as próximas eleições. As pessoas podem querer fazer as coisas para 2018, 2020, mas para essa eu acho que não vai haver mudança.

O Mais Médicos é um programa apoiado por 70% da população. No entanto, há uma resistência de determinados setores da sociedade. Há oportunismo nisso?
As entidades que representam os médicos no Brasil nunca reconheceram que no Brasil faltava médico. Mais recentemente nós temos uma gama de denúncias de prefeitos espalhados pelo interior do país que querem contratar algumas especialidades que não existem. Padilha tem razão com o que ele fala: não se está buscando médico fora para substituir o médico brasileiro; se está buscando médico fora para trabalhar onde não tem médico.
E o Padilha sabe que o Mais Médicos não vai resolver o problema da saúde. O Mais Médicos vai dar oportunidade ao cidadão que não tem acesso a nenhum médico, a ter acesso ao primeiro médico e tratamento. E quando esse cidadão tiver acesso ao médico, ele vai querer mais saúde, porque ele vai ter informações: vão pedir pra mulher fazer mamografia, se é um homem vai ter que fazer exame de câncer não sei das quantas. Então, todas as vezes vai precisar formar mais gente.
É um trabalho bom. Por que é bom? Porque, quando em 2007 derrubaram a CPMF, que foi um ato de insanidade dos tucanos em relação a meu governo, fizeram isso achando que iam me prejudicar. A CPMF era 0,38% que se descontava em cada cheque que você passava. E não fizeram isso por conta da quantia, fizeram isso porque a CPMF permitia que a gente pudesse acompanhar e evitar a sonegação nesse país. Era por isso que eram contra a CPMF. Eles tiraram uma bagatela de R$ 40 bilhões por ano a partir de 2007.
Soma isso em quatro ou sete anos e vê a quantidade de dinheiro que tiraram da saúde, achando que iam prejudicar o Lula. Qual era a ideia? Vamos prejudicar o Lula. Vamos quebrar a cara dele, ele não vai se eleger. E caíram do cavalo, porque terminei meu mandato com 87% de bom e ótimo, 3% de ruim e péssimo e 10% de regular. Pois bem, quem eles prejudicaram? O povo. E alguns estão prejudicados porque viraram governador, e agora estão sabendo a quantidade de dinheiro que falta pra eles, ou viraram prefeitos.
Então, foi um gesto de insanidade. Nós temos que colocar na sociedade brasileira a seguinte ideia: você não vai conseguir fazer com que as camadas mais pobres da população tenha acesso a uma boa qualidade de saúde e à média ou alta complexidade sem dinheiro.
Se nós quisermos dar ao povo pobre o direito de ter acesso às mesmas máquinas que eu tenho, por conta de um plano médico, e que os ricos deste país têm por conta de um plano médico, tem que ter consciência de que tem que ter dinheiro. Tem gente que diz “eu tenho saúde boa porque pago do meu bolso”. Não é verdade. Aquilo que ele tira do bolso ele paga o Imposto de Renda e quem paga o tratamento dele é o Estado brasileiro. Essa é a verdade nua e crua. Todas as máquinas que eu passo quando faço exame são pagas pelo Estado, que me restitui na declaração do Imposto de Renda.
Temos que ter consciência de que temos que melhorar isso. A Dilma tem consciência disso, o Padilha tem consciência e é preciso que a gente discuta com a sociedade. Porque achar que a gente pode elevar a um padrão de ter acesso de alta complexidade as pessoas mais pobres sem dinheiro é vender ilusão. E achamos que o rico tem que pagar pela saúde do povo mais pobre. Era por isso que tínhamos apresentado um programa chamado Mais Saúde em que a gente iria utilizar todo o dinheiro da CPMF para cuidar da saúde. Agora vai ter um dinheiro do pré-sal e espero que num futuro bem próximo a gente possa fazer com que as pessoas tenham acesso à alta complexidade.
O Brasil precisa acabar com a mania de dizer que o SUS não funciona. O problema é que universaliza a saúde, coloca muita gente, a qualidade diminui. Se atendesse só 30% melhoraria a qualidade, se atendesse só 20% ela seria melhor, se atendesse só 10% ela seria extraordinária. Mas na hora em que tem que ter um programa para todo mundo precisa de mais recurso. É isso que temos de ter em conta. Dilma e Padilha marcaram um gol com o Mais Médicos. Abriram um debate muito importante com a sociedade para as pessoas começarem a enxergar.

Rede Brasil Atual: Entusiasta de comparações, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva olha para o primeiro mandato de Dilma Rousseff e afirma: o segundo será “infinitamente melhor”. O otimismo do petista nasce de sua própria experiência, em que foi da esperança das eleições de 2002 a uma primeira gestão marcada pela manutenção de uma política econômica de baixo crescimento e criação tímida de empregos, somada a denúncias envolvendo o chamado mensalão, e terminou com uma segunda perna de administração dominada por expansão do PIB, criação recorde de postos de trabalho, redução da pobreza e índices de popularidade inéditos.

Pouco antes, o ex-presidente lançara mão de outra comparação para explicar por que tinha grande receio do que poderia acontecer durante seu governo. Lula olhava para o exemplo polonês e sabia que um operário na presidência não podia falhar: Lech Walesa, líder sindical durante o período de governos comunistas, tornou-se o primeiro presidente eleito logo após a queda do antigo modelo, em 1990. Cinco anos mais tarde, acabou derrotado no segundo turno por uma diferença de três pontos, e nas eleições seguintes não passou de 1% dos votos.Com esses dados em mãos, Lula faz os cálculos para que o PT saia vencedor em 2014. Sem consultar a bola de cristal que garante não ter, o ex-presidente recorda que Dilma precisa de 257 deputados e 42 senadores para construir a maioria simples e poder governar. “Eu trabalho com a ideia de que a presidenta Dilma deve fazer um esforço para manter sua base de sustentação”, diz, deixando claro a quem imagina a possibilidade de rupturas qual caminho pretende tomar.

Nesse sentido, o petista observa com “certa tristeza” a saída do PSB da base aliada, dando fim, por enquanto, a uma aliança firmada em 1989 e mantida nos três mandatos do PT no Planalto. Apesar da pretensão do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, de ser candidato à Presidência, Lula ainda trabalha com a perspectiva de que a parceria seja mantida em torno de Dilma e, se não for possível, que ao menos a campanha se dê em tom civilizado, já com vistas ao segundo turno.

Na segunda parte da entrevista, ele comenta também as chances do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, na disputa pelo governo de São Paulo contra Geraldo Alckmin. Confira.

Gostaria que o senhor comentasse o cenário para 2014. Temos novidades na base aliada, com a possível saída do PSB. É possível fazermos um governo com uma base aliada mais enxuta?

O problema de fazer uma avaliação de 2014 é que eu precisaria de uma bola de cristal na minha frente. O que eu falar aqui pode ser desmentido em um semana com o posicionamento de um partido político. Primeiro: eu trabalho com a ideia de que a presidenta Dilma deve fazer um esforço para manter sua base de sustentação.

Uma coisa o eleitor precisa compreender, quando fala que no Congresso tem isso, que tem aquilo: essa gente foi eleita pelo povo. Que essa gente vota no Congresso e que pra Dilma ter alguma coisa aprovada ela precisa de 41 senadores e 257 deputados na Câmara. Se não, não ganha. Apenas boa vontade não ganha. Não se esqueçam que eu fui presidente da República e que meu partido tinha 13 senadores em 81 e 80 deputados, de 513. Não tem milagre.

Se eu quiser aprovar as coisas você tem que fazer coalizão. Por isso, acho que a Dilma deve manter a base. Veja nos Estados Unidos, onde só tem dois partidos. Vejam o que o Obama passa. Os republicanos passam oito anos sem aprovar nada. Quer facilidade, elege a maioria. No fundo, no fundo, o principal é exercitarmos a democracia. Compor com a força política que existe e que concorda com seu programa e fazer um programa o mais transparente possível.

Acho que a maioria vai ficar com ela, que os tucanos vão ter candidato, talvez façam uma coalizão com o DEM, ou com outros partidos de direita, mas eles não podem fazer uma coligação com a imprensa, que é o grande aliado deles. Mas, de qualquer forma, vamos ter que esperar o dia 5 do próximo mês para saber sobre o registro do partido de Marina Silva (Rede) o do Paulinho (Solidariedade). Se a Marina conseguir, ela certamente será candidata. O Eduardo Campos (PSB) quer ser, mas já me disse que só decide em março ou abril do ano que vem. O PSDB ainda não sabe se vai de Aécio ou se o José Serra vai tentar criar um caso.

Para um candidato disputar uma eleição em condição de vitória ele precisa de uma das duas coisas: ou ter toda a eleite ao seu lado, com apoio irrestrito da grande imprensa e com muito dinheiro, como foi o Collor em 1989. O outro é você ter um partido político forte. Além, claro, de um bom candidato, que sem candidato forte não adianta nada. Este partido forte precisa ter a capacidade de fazer uma aliança com outros partidos, de preferência de esquerda e centro-esquerda. E depois pensamos as composições. É um jogo de costura. Tem partido que diz que apoia a Dilma no governo federal, mas em outros estados apoia o candidato do outro lado. Então, quem ele vai defender na campanha?

Acredito que nunca estivemos tão próximos de vencer as eleições em São Paulo. Por isso é preciso dividir o lado de lá. É preciso alcançar alianças além do PT, do PDT, do PCdoB, para, então, construirmos um discurso apropriado. Estamos no caminho certo.

Acho que o quadro é favorável. Falo da Dilma com muito orgulho. Vejo as pessoas colocarem defeitos na Dilma, essa história que ela não gosta de conversar. Cada um tem um estilo. O que eu tenho consciência é que poucas vezes no mundo tivemos uma presidente tão decente como a Dilma. De caráter, competente e séria. Isso é condição fundamental para que o Brasil continue a trajetória que conseguimos implantar nos últimos dez anos.

Qual será o seu papel nas eleições?

O meu papel será o papel que a Dilma quiser que seja. Tenho que ter muito cuidado porque não posso conversar com um partido político sem que tenha orientação da presidenta ou do partido. Uma coisa que sei fazer, e espero estar em condições disso, é pedir voto. Me considero razoável de palanque. Gosto, me sinto bem. Agradeço a Deus todos os dias pela relação de confiança que a população construiu comigo.
Certamente que hoje ela precisa menos do que precisava em 2010 porque é a presidenta, está no mandato, tem exposição mais forte, vai ser julgado pelo que já está fazendo.

Mas vou fazer o mesmo esforço que fiz em 2010. É como se fosse a minha campanha. A vitória da Dilma é a minha vitória. O sucesso dela é o sucesso do povo brasileiro, das camadas mais pobres. É difícil, gente, porque nem todo mundo acha prazeroso a ancensão dos mais pobres. Tem gente que fica incomodada dos mais pobres terem acesso a universidades, a restaurantes, a exposições nas bienais. Tem gente que acha que conquistou aquilo, o que o pobre vem encher o saco. É um gesto ruim, pois acredito que, quanto mais o pobre ascender, melhor será para todos, já que a classe média sobe junto e todo mundo ganha. Quando não tivermos mais miseráveis teremos menos violência, menos assaltos. Não é assim que a gente quer?

Isso que temos que ter consciência que a Dilma pode nos ajudar a construir nos próximos anos. Como eu, ela vai fazer um segundo mandato infinitamente melhor que o primeiro. E falo com convicção de quem tinha medo do segundo mandato. Não queria reeleição porque tinha um medo desgraçado de segundo mandato. Por isso pensamos um pacto. Quero saber o que vou fazer dia 1º de janeiro de 2007 e o que vou fazer em 31 de dezembro de 2010. Foi aí que demos um salto extraordinário.

A saída do PSB preocupa?

Vi com certa tristeza o afastamento do Eduardo Campos do governo. Tínhamos tido uma polêmica em Pernambuco na eleição para prefeito e depois outra divergência na prefeitura de Fortaleza e isso criou uma fissura entre o PT e o PSB. Mas eu trabalhava e continuo trabalhando com a perspectiva de continuar o que estamos fazendo juntos na campanha nacional. Acho que é muito importante do ponto de vista simbólico a manutenção da aliança PT-PSB. Se não der para a gente estar junto, o que precisamos estabelecer como regra é fazermos uma campanha civilizada e que a gente possa estar junto no segundo turno. O PSB tem consciência da importância da Dilma, o PT tem consciência da importância do Eduardo. Prefiro esperar março até porque ele já disse que não tomará nenhuma decisão sem conversar comigo. 

A disputa no estado de São Paulo está aberta?

Os tucanos estão num processo de fadiga de material. Eles não têm mais o que propor. Isso não significa dizer que o governador está acabado, está fraco. Alckmin é uma figura com força política no estado e precisamos ter habilidade para derrotá-lo. Acho que ele não tem mais proposta para o ABCD, ou para a Região Metropolitana. Não tem mais o que fazer a nível estadual. São Paulo está perdendo força, está perdendo nível industrial. Não tem proposta para a educação. É muito desagradável quando pegamos as avaliações do MEC sobre o ensino fundamental e vemos que São Paulo está entre os piores estados. Está provado que o crime organizado derrotou o governo de São Paulo. Então, parece uma coisa sem controle. Acredito que se o Padilha for realmente o indicado, teremos um ótimo candidato em São Paulo.

Rede Brasil Atual: O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que tem “muita vontade de falar” sobre o julgamento da Ação Penal 470, conhecida por processo do mensalão, mas diz que aguardará o final do processo para expor suas opiniões. “Quando o julgamento terminar, seja qual for o resultado, eu vou ter muita coisa para dizer a respeito”, adiantou.

Ele foi incisivo, porém, ao falar das tentativas da imprensa tradicional em influenciar o Supremo Tribunal Federal, condenando antecipadamente as pessoas acusadas.

“Se depender do comportamento de um ou de outro na imprensa, não precisaria nem de julgamento. O próprio diretor de jornalismo já condenaria as pessoas. O que deve ser garantido pelo Estado de direito, algo pelo que a gente brigou tanto, para alguns editorialistas parece ser crime contra a humanidade: o direito de defesa”.

Lula disse que o debate sobre a democratização das comunicações e a adoção de um novo marco regulatório para o setor estão prejudicados pelo ambiente de disputa eleitoral no ano que vem. “Não é uma tarefa fácil, basta vermos quantas pessoas dentro Congresso têm concessão de rádio e TV, e é claro que não querem fazer nenhuma mudança”.

Ele lamenta que o assunto “não andou”, embora tenha cobrado o ministro Paulo Bernardo e ouvido dele que o tema seria levado a debates públicos e no Congresso. E considera que o pais terá de enfrentá-lo, como o fizeram Barack Obama, Cristina Kirchner, Ricardo Correa e Hugo Chávez, embora acredite que no Brasil o marco civil possa acabar num “acordo confortável” para todo mundo.

O ex-presidente expôs também preocupação com a falta de comunicação de prefeituras, estados, do governo federal e das empresas envolvidas em projetos da organização da Copa e dos Jogos de 2016, a quem cabe “construir uma narrativa” que dê conta do significado dos eventos para o país.

Lula considera “complexo de vira-latas” os que tratam os eventos como privilégio dos países do G-8 e lamenta que a abordagem em torno das obras despreze os legados de infraestrutura e mobilidade urbana projetados para ser apropriados pela cidades.

Leia abaixo os principais trechos dessas abordagens. E confira ainda no jornal Tribuna Metalúrgica respostas de Lula a respeito de novos desafios que considera estar na ordem do dia para o movimento sindical e para os trabalhadores.

O julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão”, teve mais uma etapa concluída. Qual a expectativa do senhor, agora, após o julgamento do mérito dos embargos infringentes?

Eu, desde o começo, tenho dito que qualquer manifestação minha só seria feita após terminar o processo, pois fui quem indicou alguns ministros que estão lá. Não quero ficar colocando em dúvida questões da Suprema Corte, que tem uma importância muito grande para o Brasil. Fico um pouco chateado, pois se depender do comportamento de um ou de outro na imprensa não precisaria nem de julgamento. O próprio diretor de jornalismo já condenaria as pessoas. O que deve ser garantido pelo Estado de direito, algo pelo que a gente brigou tanto, para alguns editorialistas parece ser crime contra a humanidade: o direito de defesa. Tenho muita vontade de falar, tenho ouvido os ministros falarem, vejo que alguns ministros têm preocupação em estudar o caso, outros não tem. Quando o julgamento terminar, seja qual for o resultado, eu vou ter muita coisa para dizer a respeito.

A democratização da comunicação, uma proposta de lei de regulamentação da mídia, ou lei de meios, não avançou durante seu governo. Ficou um anteprojeto para o governo Dilma, que tampouco foi enviado ao Congresso. Quais as dificuldades em mexer com esse assunto?

Vamos ter em conta o seguinte: tomamos posse em janeiro de 2003. Em 2005, tivemos a movimentação do mensalão, uma questão muito delicada e que nós tínhamos de provar que o governo não estava envolvido, e tínhamos condição de continuar governando. No meu segundo mandato, a partir de 2007, fizemos a conferência de comunicação. Nós já tínhamos mudado o comportamento da Secretaria de Comunicação (Secom), implantamos a mídia técnica, o que hoje parece coisa pequena na época foi o que possibilitou que um monte de veículos de comunicação passasse a ter acesso a verbas de publicidade. De cerca de 300 que antes recebiam verba de publicidade da Secom e de empresas públicas, passamos a 8 mil no do mandato.

A Conferência Nacional de Comunicação (concluída em 2009, depois de etapas municipais e estaduais em que setores da sociedade debateram propostas de democratização do sistema de comunicação do país) foi um sucesso extraordinário. Uma proposta surgiu do encontro – não foi a melhor de todas as propostas, mas foi a que foi a melhor que se pôde construir –, mas não andou. (Um anteprojeto de marco civil para as telecomunicações foi elaborado no final da gestão pelo ex-ministro Franklin Martins, da Secom). Não andou e eu acho que não foi legal ela não ter andado.

Tenho conversado com o Paulo Bernardo (ministro das Comunicações), e ele disse que faria um debate público, que iria debater na Câmara, e não fez. Mas não temos mais de ficar chorando o que não aconteceu. Temos de saber o que vai acontecer.

E temos agora a regulamentação da internet sendo discutida no Congresso, e o importante é garantir a neutralidade na rede no processo. O debate da mídia vai voltar, não sei se em 2014, ano de eleição, será um bom momento, mas temos de ter consciência da importância da regulamentação nas telecomunicações do Brasil. Nosso marco regulatório é de 1962, de um tempo em que a gente não tinha nada do que se tem hoje. Não é uma tarefa fácil. Basta vermos quantas pessoas dentro Congresso Nacional têm concessão de rádio e TV, e é claro que não querem fazer nenhuma mudança.

Eles têm seus interesses…

Enfim, este é um debate que acontece em todo o mundo. Nos Estados Unidos, o Obama teve problemas com a Fox (rede americana de televisão). A presidenta Cristina Kirchner teve problemas na Argentina, com o Clarín (jornal argentino). O Rafael Correa teve problemas no Equador. O Chávez na Venezuela. No México tivemos uma guerra. E aqui no Brasil também vamos ter este processo. Como aqui não tem briga, para tudo se chega a um acordo – até pra nossa independência que parecia que ia precisar de uma briga sentou-se à mesa e saiu um acordo –, como aqui para tudo tem um jeitinho, eu acho que a gente vai poder chegar a um acordo e ter uma regulamentação que seja confortável para todo mundo.

Por isso que eu não reclamo da imprensa. Eu sou até agradecido porque eu só sou o que eu sou por causa da imprensa. A imprensa sempre me tratou condignamente bem. Poucos presidentes tiveram tanta publicidade favorável como eu… Eu sou agradecido, pois quando eles falavam mentiras sobre mim, o povo percebia. Não sei quem inventou o formador de opinião. Hoje, o povo tem dezenas de outros meios para se informar. Em qualquer lugar. Em uma obra no interior da Bahia ou no Pernambuco o cara tá lá com o celular, tuitando, tirando fotos. As pessoas passaram a procurar outros meios de informação que não os tradicionais. Por isso acredito que a imprensa só pode vai ganhar credibilidade se for verdadeira. Não adianta mentir. O roubo de um juiz pênalti vai ter 800 versões, mas o papel da televisão é mostrar o fato.

O Brasil evoluiu, e a imprensa precisa evoluir também. Eu fico vendo matérias sobre a economia e fico com a impressão que o Brasil acaba todo dia. Eu ligo a TV de manhã e é tanta morte, assalto, atropelamento. Sertã que não tem uma galinha que botou um ovo aquele dia, uma coisa nova, um corococó? Será que não nasceu uma criança? Alguém arrumou um emprego? Tem hora que a gente fica com vontade de se trancar e nem sair de casa.

Eu acho que muita coisa evoluiu no Brasil, mas os meios de comunicação não quiseram evoluir. Eles saíram de um momento, de pensamento único, em defesa do governo anterior ao nosso, e passaram a ter pensamento único contrário. Em que tudo é errado. É uma loucura porque nunca ganharam tanto dinheiro como ganham agora. Faço debate com empresários toda semana e nunca se vendeu tanto neste país. As pessoas agora tem acesso a muita coisa. Compram sapato, viajam de avião, compram roupa e televisão. E não sei por que reclamam, se eles. Eu sinceramente fico pensando que é uma questão de pele. Parece que tem um negócio que transcende a razão.

Parece que é assim: ele é legal, ele faz tudo, eu estou rico, mas ele não é do meu time. Ele é do outro lado. Uma vez estava na casa de um amigo, que me apresentou uma senhora que trabalhava com ele, uma negona. Ele falava ela, a Dona Benedita, era fantástica, que estava com ele há mais de 40 anos, que cuidou dos seus filhos. Falou que era até da família. Aí almoçamos, aquela feijoada maravilhosa, e quando fui embora fui me despedir da Dona Benedita. E ela falou: “Ô Lula, pergunta pra eles se eu tô no testamento” (risos).

Eu sei o que eu fiz neste país, e faria tudo de novo. O que eu tinha na minha cabeça era que eu tinha quatro anos de mandato e não podia errar. Se não desse certo, nunca mais um peão iria governar este país, então não podia errar. Eu sei o que eu fiz, o quanto as empresas cresceram, a quantidade de empresas que se expandiram no mundo, empresas que multiplicaram o faturamento. E os empresários reconhecem isso. Eles falam isso comigo. E isso vai desde a empresários grandes a catadores de papel.

O senhor já demonstrou incomodar-se com a forma como vêm sendo abordadas questões relacionadas aos recursos empregados na organização da Copa, no ano vem. O que o preocupa?

Eu já conversei com muita gente sobre este assunto. Já conversei com os ministros, com a presidenta Dilma, com o João Roberto Marinho, que preside a emissora que vai transmitir, com o diretor da Ambev, que é um dos patrocinadores, com o Roberto Setúbal (do Itaú, também patrocinador). Vou conversar com a imprensa esportiva, me informar sobre o acompanhamento pelo TCU, pela Procuradoria Geral da República… E por que estou preocupado com isso? É importante lembrar que o Brasil não é um país qualquer. O Brasil é a sexta economia mundial e nos conquistamos uma Copa do Mundo. É o país que mais ganhou Copas do Mundo. Agora precisamos ver se a Copa será um evento em que o Brasil fortaleça sua imagem para o mundo, ou se a gente vai fazer uma Copa fracassada por conta de problemas internos. Se tiver corrupção (nas obras dos estádios) que digam quem fez, que se processem os responsáveis. O que não pode é trabalhar com o denuncismo. A teoria do domínio de fato não serve para isso.

O país tem governo federal, estaduais e municipais envolvidos com a Copa do Mundo. O Ministério Público tem um procurador que foi designado para  acompanhar os comitês organizadores da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Eu publiquei decretos federais em dezembro de 2009 determinando a criação de portais, para 2014 e 2016, para que seja acompanhado em tempo real para onde vai cada centavo da União que é investido nesses negócios. Até agora não há nenhuma denúncia. Não podemos permitir que alguma má informação seja passada para a sociedade sem que haja resposta.

Tem gente que acha que não deveria ter a Copa do Mundo? Ótimo, porque tem gente que acha que tem de ter. E isso aconteceu no mundo inteiro. O que eu acho é que temos de fazer da Copa Mundo motivo de orgulho. Eu vi um jornalista escrevendo o seguinte: “no Japão, a primeira Olimpíada (1964) foi muito importante para recuperar a imagem do país (ainda arranhada após a Segunda Guerra); essa agora (será a sede em 2020), é para mostrar a pujança japonesa depois do acidente (nuclear com a usina de Fukushima, após o maremoto de 2011), diferentemente do Brasil…” É o puro complexo de vira-latas. Ou será que Olimpíada e Copa do Mundo e são só para países do G8?

Deveríamos estar maravilhados. Ninguém vai esconder os problemas que nós temos. Onde não os têm? Ninguém vai esconder os problemas, os pobres. O que vai ser triste é se a gente perder.

Olha, eu sou um homem de muitas emoções (risos). Mas nada foi maior do que a emoção que eu senti com a conquista em Copenhagen das Olimpíadas em 2016. Estou com a Marisa há 39 anos e nunca vi ela chorar, nem quando ganhei ou perdi as eleições, mas naquele dia, depois da apresentação do Brasil, eu liguei para casas e a Marisa estava chorando. Foi um momento único. Acho um retrocesso as pessoas quererem fazer de uma coisa boa uma coisa ruim. A minha preocupação é que os governos têm de mostrar o que está acontecendo e assumir as responsabilidades. As obras (de mobilidade urbana e de infraestrutura) não vão ficar quando a Copa do Mundo for embora? Essa é uma preocupação que eu tenho: se não for assim, vamos ter 40 mil pessoas dentro de um estádio torcendo e outras 40 mil fora dizendo que houve corrupção. Já temos o Tribunal de Contas, a Procuradoria Geral, a Polícia Federal, o diabo a quatro… Agora é preciso construir uma narrativa do significado da Copa do Mundo e das Olimpíadas para o nosso pais. É isso.