Cinco anos depois do Lehman proliferam as sementes da próxima crise
Há cinco anos, a 15 de setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers detonou aquela que é conhecida como a mãe de todas as crises financeiras. No entanto, apesar de ter sido demonstrado que esta falência foi o produto de todo um sistema financeiro corrupto e fraudulento (não foi a primeira falência, nem a última), nenhum executivo bancário se encontra no cárcere. A banca continua a operar com uma acumulação de riscos incontroláveis e continua a extorquir dinheiro aos governos. A semente da próxima crise financeira está a desenvolver-se e o seu rebentamento é só uma questão de tempo.
O colapso do Lehman Brothers marcou um ponto de inflexão e por isso se fala de um antes e de um depois da falência do Lehman. O mundo de antes desse 15 de setembro, era um mundo marcado pelo desperdício e pelas bolhas, pela delirante euforia especulativa e pelo predomínio absoluto dos reis do mercado e das desregulamentações. Até esse momento, os mercados eram perfeitos, e se não tivesse havido este acidente, o prémio Nobel da Economia não teria ido para Paul Krugman, mas sim para Eugene Fama, o autor da Hipótese dos mercados eficientes, uma corrente de pensamento do chamado fundamentalismo económico e mais radical que a Hipótese das expectativas racionais de Robert Lucas, que lhe deu o Prémio Nobel em 1995.
Estas teses indicam que os mercados têm mais informação que as pessoas, e por isso as pessoas se equivocam… Os mercados são perfeitos, as pessoas não. É o sofisma dos mercados eficientes e a soberania do consumidor. Por isso há que deixar governar os mercados. Este é o extremismo absoluto da chamada concorrência perfeita, que significa, em teoria, que todos os agentes têm a mesma importância e ponderação, e que nenhum tem mais poder e controle que outro. Sem dúvida quando vemos o poder de controle e decisão do 0,1 por cento mas rico sobre o resto, ou a influência das 147 corporações que governam a economia mundial, toda a conceção económica de Robert Lucas e Eugene Fama rui como um baralho de cartas. Foi o que aconteceu com a queda da economia mundial desde aquele 15 de setembro de 2008.
Antes da falência do Lehman, pouco se falava do 0,1% mais rico. Apesar da crise ter começado em julho de 2007 nos Estados Unidos, com falências de vários bancos importantes como Bear Stearns, Fannie Mae e Freddie Mac, o sentir geral era que a macroeconomia estava de plena saúde. Isso foi o que diagnosticou Olivier Blanchard num documento do FMI de agosto de 2008 sobre o estado da macro, que questionámos neste artigo. Blanchard resumia que “chegou-se a uma perspetiva partilhada e esta visão surgiu da destruição de certo conhecimento erróneo”. Por “conhecimento erróneo”, Blanchard compreendia todas as teses que assinalavam que as coisas não iam tão bem como apontava a corrente hegemónica do pensamento económico. Uma corrente que negava a existência de bolhas e, mais ainda, os problemas que estas bolhas poderiam ocasionar na economia global se chegassem a estoirar.
Bolhas financeiras
A falência do Lehman Brothers demonstrou que as bolhas financeiras tinham crescido durante décadas e que estavam às claras no sistema. O abuso do crédito gerou uma falsa conceção do crescimento económico que deu um grande protagonismo à banca. Mas todas as bolhas inevitavelmente estoiram e provocam o caos. Foi o que aconteceu com o colapso do Lehman, que além de provocar uma conflagração mundial pôs a nu a verdadeira realidade da banca que a partir desse momento passou a chamar-se banca zombi, porque uma banca impossibilitada de gerar empréstimos é uma banca morta. Como, além disso, a bolha imobiliária não era um fenómeno exclusivo dos Estados Unidos, mas tinha-se propagado com grande rapidez a vários países europeus, toda a banca mundial ficou vítima do tsunami. Desde então, milhões de pessoas perderam o seu posto de trabalho e o mundo ficou envolvido na maior crise financeira da história, apesar da corrente dominante da macroeconomia ter estabelecido o domínio do ciclo económico.
Cinco anos depois do colapso do Lehman, o sistema financeiro continua tão vulnerável como antes e uma nova crise financeira de grande magnitude encontra-se ao virar da esquina. Nenhum banqueiro foi responsabilizado pelos seus erros e o apoio dos governos à custa dos consumidores deu-lhes rédea solta para continuarem a apostar e a especular com os preços das matérias primas, commodities ou outras mercadorias. A migração destes riscos faz-se para a banca na sombra, que não está sujeita a nenhum controle. E as instituições financeiras são agora muito maiores que antes do colapso do Lehman. Tão grandes que uma nova crise poderá arrastar países inteiros.
Desde a quebra de Lehman deu-se uma retirada massiva de dinheiro para a chamada banca na sombra que atinge um volume de 70 biliões de dólares (US$70.000.000.000.000), um volume tão grande como todo o valor da economia real e equivalente ao dobro do valor do capital financeiro regulado. Se agregarmos os derivados financeiros chegamos aos 640 biliões de dólares, quase dez vezes mais que todo o valor da economia mundial. Isto é o que põe o sistema financeiro à beira do abismo. O estalar de uma nova crise de magnitude ainda maior que a de há cinco anos está ao virar da esquina justamente porque nada se fez para regular o sistema financeiro. As armas financeiras de destruição massiva que foram construídas por Lehman Brothers, Goldman Sachs e JP Morgan continuam ainda latentes e ninguém tratou de as destruir. Todos estes bancos têm hoje ativos muito maiores aos de antes da crise, pelo que agora são o dobro do “demasiado grandes para cair”, e nenhum governo poderá ir em seu resgate.
Artigo de Marco Antonio Moreno, publicado em El Blog Salmón. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net