Tarifa = R$ 3,20. É muito?
É, mas já foi pior.
Até 1998, na cidade de São Paulo, o valor de uma tarifa pagava uma viagem de ônibus. Se fosse hoje, R$ 3,20 permitiria então um único deslocamento.
Mas, naquele ano, foi implantada a integração livre entre os sistemas metroferroviário da CPTM e Metrô, permitindo que com um único acesso o usuário, portanto com o pagamento de uma única tarifa, pudesse realizar pelo menos duas viagens, ou mais, se necessário. Portanto, para quem utilizava o sistema metroferoviário, cujo deslocamento exigisse duas viagens, os atuais R$ 3,20 passariam a representar à época um dispêndio de R$ 1,60 por deslocamento.
Em 2004 registramos a implantação do Bilhete Único, estabelecendo a integração tarifária livre no sistema de ônibus do município de São Paulo. Portadores do Bilhete Único, na modalidade Vale Transporte, passaram a poder utilizar até quatro veículos em um período de duas horas, ou de três horas, se a natureza de seu Bilhete Único não fosse o Vale Transporte, mas um bilhete adquirido nos pontos de venda. Dessa forma, também o usuário do ônibus municipal na cidade de São Paulo, realizando, vamos admitir, pelo menos dois deslocamentos atendendo ao critério temporal, tinha seu dispêndio reduzido para R$ 1,60 por deslocamento, com relação a uma tarifa de R$ 3,20.
Nos domingos e feriados, o usuário portador do Bilhete Único comum, ou seja, aquele que não é usuário do Vale Transporte, tem o período de integração estendido até oito horas, privilegiando as atividades de lazer. Vale observar que essas possibilidades oferecidas pelo Bilhete Único também são válidas para os estudantes, que viajam com um desconto de 50% sobre o valor da tarifa básica.
Em 2006 o bilhete Único foi incorporado ao sistema metroferroviário, permitindo o uso integrado do ônibus com o sistema metroferroviário por meio de uma tarifa integrada, cujo valor incorpora os descontos concedidos por ambos os modais. Hoje, o valor de uma tarifa integrada é de R$ 5,00, ao que corresponde um desconto de 21,9% em relação à soma das duas tarifas, que resulta em R$ 6,40 (2 x R$ 3,20).
Podemos afirmar com segurança que os efeitos acumulados desses três movimentos, estimulando a integração operacional e tarifária dos modais que operam o transporte público de passageiros na cidade de São Paulo, promoveram um maior acesso ao transporte público. Metrô, trens metropolitanos e os ônibus municipais na cidade de São Paulo experimentaram um crescimento de pelo menos 60% em sua demanda, o que pode ser explicado em pequena parcela pelo aquecimento da economia nos últimos dez anos e em grande parte pela acessibilidade permitida pelos estímulos à integração por meio de esquemas especiais de tarifação.
Além desses movimentos estimuladores da integração, não podemos ficar sem mencionar que a acessibilidade aos serviços de transporte público também conta com o estímulo de gratuidade plena aos idosos, deficientes, desempregados e a outras categorias de profissionais como policiais militares e carteiros, entre outros. No conjunto, as gratuidades já alcançam cerca de 10% de toda a demanda pelo transporte público de passageiros.
No geral, quando falamos de tarifa e dos esquemas de tarifação utilizados, estamos tratando de uma face de um elemento fundamental à sustentabilidade do transporte público de passageiros, um serviço essencial: o financiamento da operação. Em resumo, no âmbito do sistema de transporte público de passageiros na cidade de São Paulo, o financiamento da operação conta com três fontes:
– recursos públicos que ingressam no sistema como subsídios;
– o instrumento do Vale Transporte que passa pelos empregadores de força de trabalho dentro do mercado formal e,
– a arrecadação tarifária, que provem dos hoje tão famosos R$ 3,20.
Esses R$ 3,20 é muito? É, mas já foi pior.
É muito importante que os Movimentos Sociais, que se constituem em instrumentos fundamentais da construção de uma democracia participativa, reconheçam os avanços relacionados aos temas tarifa e acessibilidade, o que sem dúvida esclarece e, portanto, fortalece o processo reivindicatório.
É muito importante que os Movimentos reconheçam que, atualmente, a grande pressão sobre os custos do serviço de transporte público de passageiros vem da insuportável lentidão a que particularmente estão submetidos os ônibus na cidade de São Paulo e que a superação desse obstáculo exige, além de investimentos em infraestrutura, mudanças institucionais que envolvem o planejamento, a operação e a gestão dos serviços.
E mais: que essas mudanças nunca conseguirão ser promovidas autônomamente pelos tecnocratas, e que contam, sem dúvida, com o apoio da sociedade, em especial dos Movimentos Sociais, que consigam traduzir ao público a real natureza do problema.
Para isso, R$ 3,20 é muito pouco.
Antonio Carlos de Moraes é economista e presidente da Comissão Técnica de Economia da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP