Gostemos ou não da ideia, o crescimento da economia mundial vai depender, mais do que nos anos recentes, da velocidade dos movimentos e da profundidade das mudanças iniciadas pela China, centradas no redirecionamento de seu gigantesco aparato exportador para o consumo doméstico, ao mesmo tempo que procura aumentar as garantias sociais de uma população em crescente processo de urbanização.

Quando teve início, há 30 anos, a expansão da manufatura chinesa que inundou os mercados com produtos de baixo preço, até aumentar a sua participação de 1,2% nas exportações mundiais para os atuais 9%, seus principais competidores não souberam reagir tempestivamente e hoje amargam as perdas de seus principais clientes.

Somos um desses países. Basta lembrar: na metade da década de 1980 tínhamos participação igual à da China nas exportações mundiais, o mesmo 1,2%. Hoje estamos com “heroico” 1,3% de participação…

Nesses 30 anos, não apenas o Brasil cedeu espaço aos seus competidores no comércio mundial, como permitiu que se agravasse muito o problema que impede a recuperação das exportações, principalmente dos produtos de nossa indústria: a longa e tenaz sobrevalorização da moeda nacional, produzida pelo controle da taxa de câmbio nominal por meio da taxa de juro real (a mais elevada do mundo, até recentemente) e dos estímulos ao aumento do salário nominal muito acima da produtividade do trabalho.
Onde há liberdade de movimento de capitais, quando não há controle discricionário do câmbio e os salários nominais são fixados pelo mercado de trabalho, a taxa de câmbio real é determinada, em países dominados por exportações primárias: a. Pelo diferencial da taxa de juros real interna e externa. b. Pela relação de troca. Estudos empíricos competentes e bem conduzidos mostram que o primeiro fator é, provavelmente, mais importante do que o segundo. O que podemos esperar do futuro próximo ainda envolto na névoa da incerteza, mas pressentido pela pesada pressão de suas pegadas? Talvez o seguinte:

1. Um ciclo de deterioração da relação de troca cuja profundidade dependerá da evolução da economia chinesa.

2. Uma elevação da taxa de juro real externa que alterará a direção do movimento dos capitais.

3. Um diferencial civilizado entre a taxa de juro real interna e a externa, que tornará o país menos atrativo.

4. Uma valorização do dólar pelo aumento da taxa de juros e pelo fato de que os Estados Unidos crescerão com a nova energiaproduzida internamente, o que reduzirá seu déficit comercial. A valorização do dólar terá efeito sobre os preços das commodities.

5. Um tratamento mais amigável do governo brasileiro com relação ao setor privado, graças à compreensão de que os investidores não são instituições de caridade. Isso abrirá as portas para o financiamento externo de nosso setor de infraestrutura.

6. E, finalmente, a ressurreição do pré-sal, que em cinco ou seis anos nos tornará menos vulneráveis aos eventos externos, mas que poderá também, se mal conduzida, levar ainda a maior precarização de nossas relações externas.

Não é possível prever o efeito “líquido” de tantas variáveis, mas é seguro que um crescimento econômico mais sadio e robusto exige a recuperação do nosso setor industrial, o que só poderá ocorrer com a desvalorização do real como, aliás, os fatos acima parecem aconselhar.

Se essas considerações estão corretas, todos os dias vão continuar a acumular-se tensões que, em algum momento (uma emergência indiscernível), produzirão ou uma inversão na crença da solidez infinita das reservas cambiais, ou nas expectativas dos agentes (empresas, bancos, fundos) que testarão o Banco Central. Isso pode gerar um ajuste instantâneo (como é a característica do mercado cambial) que seria um desastre, acompanhado por uma crise bancária e a aceleração da taxa de inflação. É claro, portanto, que a política econômica deve antecipar-se e preparar as condições para a superação ordenada da sobrevalorização do real produzida ao longo dos anos.

Publicado em Carta Capital