Lula comentou a eleição do brasileiro Roberto Azevêdo, primeiro latino-americano eleito diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), e recordou a escolha de um brasileiro para diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), referindo-se a José Graziano da Silva, eleito em 2011. “Quem diria que o Brasil teria a diretoria da OMC e da FAO? Em 2016, seremos a quinta economia do mundo, mas [o crescimento econômico] precisa estar umbilicalmente ligado ao desenvolvimento social”, disse.

Lula enfatizou a importância de o Brasil acelerar seu processo de internacionalização e de liderança entre os emergentes. “Ou o Brasil vira um agente global para disputar cada milímetro de espaço no jogo comercial ou vamos ficar para trás”, disse. “Quando assumi a Presidência, tinha consciência de que o Brasil precisava conversar com quem tinha maior compromisso histórico ou proximidade com a gente. Isso era essencial para o nosso crescimento, para a nossa expansão. Acabou o tempo em que a gente fica na expectativa do que os americanos iriam gostar. Acabou o tempo em que a Europa ditava as regras. O Brasil está aprendendo o seu tamanho, a sua importância, a sua capacidade de fazer as coisas. Hoje o mundo comercial é competitivo e ninguém vai dar colher de chá para nós”, disse.
O ex-presidente disse também que o país é privilegiado por estar inserido em uma região como a América Latina, na qual os países têm uma relação pacífica e que tem Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 4 trilhões. Segundo o ex-presidente, o fluxo comercial entre Brasil e Argentina cresceu na última década. No entanto, ele diz que as relações entre os países sul-americanos não são tão desenvolvidas quanto poderiam ser.
Na avaliação de Lula, “a construção de um mundo mais equilibrado passa pela África”. O ex-presidente ponderou que, no Brasil, houve um salto na economia com a inclusão da população mais pobre na atividade econômica. De acordo com ele, é possível resolver o problema da pobreza no mundo inserindo os países mais pobres no comércio externo. O presidente elogiou ainda a criação, pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de uma diretoria para a África, a América Latina e o Caribe.
Lula também defendeu que a presença brasileira no continente africano seja distinta. “Não queremos repetir na África os mesmos erros que ingleses e americanos cometeram no Brasil há algumas décadas. Temos que humanizar as relações sociais com os países africanos”, disse o ex-presidente. “Há muito a ensinar, mas também muito a aprender. Humildade é fundamental e deve ser praticada a todo o momento.”
A União Africana, que nesta semana completa 50 anos, foi saudada pelo ex-presidente, que lembrou os avanços importantes que vêm sendo feitos para promover a integração intercontinental e o desenvolvimento da África. Ele citou o exemplo de instituições criadas nos últimos anos, como a agência de desenvolvimento dos países africanos, o NEPAD, o Banco Africano de Desenvolvimento, as Comunidades Econômicas Regionais e Programa para o Desenvolvimento de Infraestruturas na África (Pida), que prevê investimento de US$ 68 bilhões até 2020 para melhorar e unificar as infraestruturas do continente. Seus projetos mais relevantes concentram-se nas áreas de energia, transportes, tecnologia, telecomunicações, e em todo o potencial hídrico para a produção de energia, saneamento, irrigação e navegação fluvial.
“Quando a União Africana apresenta um programa de desenvolvimento desta envergadura, ela mostra a disposição daqueles que, mesmo diante de uma crise econômica internacional, não se desesperam. Nós brasileiros sabemos muito bem o quanto é importante a definição de estratégias e programas prioritários de infraestrutura. Sem grandes obras nessa área, é impossível pensar em crescimento.”
Luta contra a fome
Lula reforçou, ainda, seu comprometimento com a erradicação da fome na África. Ele anunciou que o Instituto Lula, junto com a União Africana e a FAO, está organizando em Adis Abeba, na Etiópia, uma reunião de alto nível para encontrar meios de aprimorar o combate à fome na África, a ser realizada nos dias 30 de junho e 1º de julho próximo. “Lá estarão presentes representantes de todos os países africanos, de órgãos multilaterais e de instituições que atuam nesta área, os principais estudiosos e especialistas no tema. Como também estarão lá representantes do governo brasileiro e de outros países que desenvolveram importantes programas de combate à fome e à miséria.”
“Vender o peixe” e respeitar a África
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva exortou as empresas brasileiras a “vender seu peixe” em países africanos e disse que o país deve atuar como um “mascate”. “A gente não vê mascate vender muito na avenida Paulista [em São Paulo], mas ele vende muito na periferia”, disse Lula.
Ele assegurou que sempre defenderá investimentos do país no continente africano. “Não cobrarei um centavo de ninguém para defender empresa brasileira em qualquer parte do mundo. Desde que ela faça coisa lícita, pode contar comigo “, prometeu.
“Em qualquer país da América do Sul, quando você liga a televisão em um quarto de hotel, você vê canal árabe, chinês, japonês e não vê um brasileiro. E vocês sabem, quem não se comunica, se estrumbica”, completou, arrancando risadas da plateia ao citar o apresentador de TV já falecido Chacrinha.
Para Lula, as empresas brasileiras “não podem repetir os erros que os Estados Unidos e Inglaterra cometeram no fim do século XIX e início do século XX”, e os empresários devem “colocar negros africanos para serem diretores de nossas empresas”.
Ele explicou que quando era operário, na década de 70, os diretores das empresas eram estrangeiros. “Nas fábricas da Volkswagen, acima de peão, era tudo alemão. Ou seja, a gente não podia passar de peão.”
Para Lula, “os investimentos brasileiros devem se guiar por parcerias com empresários africanos, no respeito à lei e nos direitos dos trabalhadores”. Além disso, o Brasil “deve incentivar a transferência de tecnologia e oferecer contrapartida social, contratar mão de obra local”.
Lula atacou as “empresas que chegam na África e não contratam trabalhador de lá”. “Quando elas saem, não fica um trabalhador formado. O Brasil não pode repetir esse jeito de se relacionar com a África”, frisou.
O ex-presidente ressaltou a importância do relacionamento com os países africanos, dizendo que o “apoio maciço” do continente foi “fundamental” para a recente vitória do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC). Lula disse esperar que ele retome as negociações da Rodada Doha. “É melhor que a gente faça um acordo único e garanta que mais comércio possibilite a melhoria de vida para as pessoas.”
O ex-presidente frisou que “tudo o que um país produtor precisa é de consumidor”. “E quanto mais pobre consumir, mais chance temos de vender”. Para ele, não se trata de ideologia. “Aqui não tem Keynes, Marx, Lênin, ninguém. Foi inserir o pobre no Orçamento da União que a economia brasileira deu um salto de qualidade. Na hora que colocamos os pobres pra comprar iogurte, tomar leite, comprar carne, frango, roupa, a economia brasileira deu um salto.”
Ele criticou a política de países europeus. “O que não pode acontecer é a tese da [chanceler alemã] Angela Merkel. Quanto mais aperto fiscal, mais desemprego, como está acontecendo na Europa.”
Para o ex-presidente, a África vive um período de “renascença” e, do ponto de vista da organização e criação de instituições multilaterais, “o continente africano está mais evoluído que a nossa querida América Latina”. Ele citou como um “enorme passo” o lançamento do programa de desenvolvimento da infraestrutura da África, que prevê investimentos de US$ 360 bilhões até 2040, e que, segundo ele, é norteado pelo “mesmo espírito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”.
O seminário teve público de cerca de 350 pessoas, entre empresários, diplomatas brasileiros e africanos, e outros representantes governamentais. Os palestrantes apresentaram a África como o continente de maiores oportunidades no mundo, que quer deixar de ser um “coitadinho” que recebe ajuda humanitária para ser um grande destino de investimentos em áreas como infraestrutura, mineração, agricultura e bens de consumo.

Gente do mal

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu ontem os boatos sobre o fim do programa Bolsa Família a “gente que veio ao mundo para fazer o mal”.

“O Brasil tem milhões de pessoas boas, decentes, honestas e tem gente assim, gente que veio ao mundo para fazer o mal”, disse Lula ao chegar ao seminário no auditório da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

No fim de semana, uma onda de boatos sobre um suposto fim do Bolsa Família levou milhares de beneficiários a sacar dinheiro nas agências da Caixa Econômica Federal em todo o país.

O ex-presidente disse, ainda, que os “boatos foram apenas boatos por que o Bolsa Família é tão consolidado no imaginário do povo que não vai atrapalhar, não”.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo disse que gostaria de encerrar apurações em um mês. Ele contou que conversa de três a quatro vezes todos os dias com o diretor da Polícia Federal (PF) responsável pelo caso. “Há um empenho muito forte nessa linha”, afirmou.

“É uma investigação complexa. Envolve milhares de pessoas simultaneamente. O problema é chegar à fonte primária: aquele ou aqueles que por má fé geraram esses boatos”, afirmou o ministro, que acionou a PF logo após ficar sabendo do caso na manhã de domingo pela presidente Dilma Rousseff.