Balanço que a Comissão Nacional da Verdade divulga na próxima semana vai indicar os centros de tortura clandestinos utilizados pelos comandos dos órgãos de repressão durante a ditadura. Nessa relação constam casas e até propriedades rurais usadas para reprimir os opositores do regime militar. São locais até agora desconhecidos onde os perseguidos políticos eram torturados e até mortos antes de serem entregues às unidades do regime, como o DOI-Codi. A comissão identificou também diversos nomes de militares e agentes da repressão que atuavam nesses locais.
“É um levantamento dos centros de tortura e um grande organograma no qual os espaços antes desconhecidos começam a ser preenchidos com nomes, cargos e instituições”, disse Paulo Sérgio Pinheiro, que está deixando a coordenação da comissão.
Comissão apresentará 61 nomes
A Comissão investiga crimes políticos cometidos por agentes do Estado entre 1946 e 1988 e foi instalada há um ano, para atuar, a princípio, por dois anos e encerraria sua pesquisa em maio do ano que vem. A presidente Dilma Rousseff, atendendo a pedidos de entidades, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), e também da própria comissão, vai estender o trabalho por mais seis ou sete meses. Pinheiro estava no grupo que se reuniu com Dilma anteontem e defendeu a ampliação do tempo de trabalho.
“Temos uma lista de 1.500 nomes de torturadores e agentes, de uma listagem básica. Temos que descobrir se estão vivos, o RG (identidade), o último endereço. Já levantamos 250 nomes e entrevistamos 61. E é uma entrevista que tem que ser bem preparada, para não fazermos papel de tontos. O sonho de toda comissão é ter mais tempo de trabalho”, disse Pinheiro.
O balanço da semana que vem apresentará vários documentos inéditos produzidos pelos órgãos de repressão e os nomes dessas 61 pessoas já entrevistadas pela comissão, e que estiveram envolvidas ou conhecem as práticas de tortura, de desaparecimentos e ocultação de cadáveres.
Revisão do ensino de história
Ao todo, a Comissão da Verdade já contabiliza 15 audiências públicas com familiares de mortos e desaparecidos, e depoimentos de 220 sobreviventes e testemunhas. Cerca de 16 milhões de páginas estão sendo digitalizadas.
A Comissão da Verdade também recomendará, no seu relatório final, que se faça uma “revisão drástica” do ensino de História nas academias militares. O grupo quer mudar a forma como o golpe de 1964 é ensinado e visto por essas instituições.
“É preciso uma revisão drástica do ensino de História nas academias militares, onde mentiras e mitos sobre 64 são repassados. Como a de que o golpe foi uma revolução contra o comunismo. Isso é história da carochinha. Esse golpe de 64 foi sendo preparado desde Juscelino Kubitschek. Esse desejo de imposição de ditadura em nome da segurança nacional é velho. Foi o terrorismo de Estado, que implementou uma ditadura. O ensino militar tem que ser compatibilizado com a democracia que estamos tendo”, disse Pinheiro.

Os centros de tortura vêm sendo investigados pela comissão, que já visitou a Casa da Morte, em Petrópolis. No local, militantes de esquerda teriam sido mantidos presos, foram torturados e mortos. Por lá passou o ex-deputado federal Rubens Paiva. Em seu depoimento na comissão, o coronel Carlos Brilhante Ustra garantiu que esses centros nunca existiram.

Segundo ele, o relatório final da comissão será contundente e vai reconstituir a veracidade dos crimes negados por seus autores diretos e mandantes: “Depois do relatório, se fará verdade sobre os crimes da ditadura, e se estará mais perto do que nunca para que a impunidade dos mandantes e autores desses crimes não mais prevaleça.”
Comissão e militares, diálogo lacônico
Outro ponto que constará no documento são as relações da Comissão da Verdade com o Ministério da Defesa e os três comandos militares. Pelo menos uma vez, conselheiros reuniram-se com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, no Ministério da Defesa. O encontro foi mediado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.
“Ultrapassamos a fase do queimou ou não queimou documento. Neste primeiro ano ficou estabelecido que essa prática é ilegal. E, pela primeira vez em 40 anos, estamos dialogando com os três comandos. Foi repassada documentação. Esses militares que estão aí não têm nada a ver com os crimes praticados (na repressão). Os crimes dos que os antecederam, nós estamos pesquisando. E tem aqueles que estiveram envolvidos, caso do Ustra. Há um diálogo com as Forças Armadas de hoje. É um diálogo discreto, não dá para bater bumbo. Mas é um avanço”, disse Pinheiro.
À imprensa, a advogada Rosa Maria Cardoso, que assume nesta sexta-feira (17) a função de coordenadora da comissão e que defendeu a presidente Dilma Rousseff e outros perseguidos políticos na época do regime militar, por outro lado, aponta os desafios na relação com as Forças Armadas. Após um ano de funcionamento, a comissão ainda tem dificuldades de acesso a valiosos arquivos da repressão. Rosa anunciou que tentará novos “caminhos” para ter acesso aos arquivos da repressão.
O grupo encarregado de investigar crimes do Estado teve sua entrada barrada pelas Forças Armadas nas dependências do CISA, CIEX e Cenimar – os centros de inteligência da Aeronáutica, Exército e Marinha que organizavam as operações de combate a grupos armados nas cidades e nas áreas rurais.
A advogada não adiantou quais caminhos a comissão usará para chegar aos documentos. Uma das possibilidades seria esgotar todas as estratégias legais para entrar nas salas dos centros de inteligência. Reservadamente, já se chegou a discutir um pedido legal de busca e apreensão.

Legislação
A Lei 12.528, que criou a comissão, destaca que o grupo pode requerer ao Judiciário acesso às informações. A mesma lei ressalta que é “dever dos servidores e dos militares colaborar com a comissão”.
A comissão já tentou de diferentes maneiras convencer os comandos militares a cumprir a determinação. Em junho do ano passado, o ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a sinalizar, em entrevista – tendo ao lado de membros da comissão -, que as Forças Armadas cumpririam a lei e abririam os arquivos dos centros de inteligência. “A lei diz que nós temos todo o dever de cooperar. Em termos gerais, tudo estará aberto”, disse na ocasião o ministro. Amorim não repetiu o discurso de seus antecessores de que os papéis da ditadura foram queimados. Mas até o momento, não conseguiu avanços significativos.

Divulgação do relatório

Integrantes da Comissão se reuniram na terça-feira (14) no Palácio do Planalto com a presidenta. No encontro com os integrantes da comissão, foram antecipadas para a presidenta os resultados de um levantamento dos primeiros 12 meses de trabalho, que será apresentado ao público na próxima terça-feira (21). “Vai haver surpresa”, disse Paulo Sérgio Pinheiro, atual coordenador do grupo.
“Vamos oferecer informações concretas.” A comissão divulgará um levantamento “quantitativo” e “qualitativo” com informações obtidas por 14 grupos de trabalho.
Pinheiro avaliou que o novo prazo da comissão permitirá ouvir um número maior de agentes da repressão e uma análise da grande quantidade de documentos oficiais. Pinheiro observou que na Argentina a comissão montada para investigar crimes da ditadura ocorrida entre 1976 e 1983 durou nove meses.

Um dos principais problemas de tempo do grupo é a análise dos documentos que chegam às suas mãos, produzidos por cerca de 90 instituições brasileiras e estrangeiras.

Nesse dia, a presidenta Dilma  Rousseff defendeu o trabalho da Comissão como necessário para o Brasil virar uma página da história. Ressalvou que não é questão de vendeta, mas que só tem um jeito de o País dar esse passo, que é fazer com que “a verdade toda emerja e apareça sem nenhum meio-termo” para que isso nunca mais aconteça.

Portas abertas do governo para a Comissão Nacional da Verdade

No gabinete da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, os pedidos que partem do grupo, instituído oficialmente por Dilma um ano atrás, em 16 de maio de 2012, são prontamente analisados. Quando necessário, outros ministérios são convocados a colaborar, com recursos financeiros, tecnologia e pessoal.
As pastas mais envolvidas nesse esforço são as de Ciência e Tecnologia, Educação, Relações Exteriores e Defesa. No conjunto, o número de assessores da comissão passou de 14 para mais de 70 em um ano. Nos próximos dias a equipe será reforçada por quase uma centena de analistas de informações contratados pelo MEC.
A Casa Civil também analisa a possibilidade de estender por mais seis meses o trabalho da comissão, previsto para terminar em maio de 2014. A mudança evitaria a divulgação do relatório final às vésperas da Copa do Mundo e no período da pré-campanha presidencial.
Embora criada por lei no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a comissão é mais identificada com o mandato de Dilma, militante de esquerda, a quem coube escolher e dar posse a seus sete integrantes.
A expectativa é de que o grupo produza o mais aprofundado e contundente relatório já feito sobre a ditadura. Embora a comissão não seja ligada ao governo e o relatório não possa ser considerado obra sua, caberia a Dilma divulgá-lo.

Com informações do Globo e do Estadão