Entre 1989 e 1995, o iene japonês valorizou 46% diante do yuan chinês. No mesmo período, os investimentos das multinacionais japonesas na China saltaram de 59 bilhões de ienes para 422 bilhões. Um atento observador do fenômeno arriscou um comentário que provavelmente deixaria de nariz torcido alguns economistas brasileiros, os fanáticos da livre, leve e solta flutuação cambial. O observador inconveniente declarou: imagino que não se trata de uma mera coincidência a relação entre a valorização do iene e a aceleração do fluxo de investimento direto para a China. O novo governo do Japão está empenhado na volta para casa das empresas que migraram para outras paragens. Para tanto, cuidam de administrar o iene e torná-lo mais atraente para os exportadores japoneses.
Mas há quem acredite, no Brasil, que o movimento do ID deveria dar-se na direção contrária: a valorização do iene tornaria, enfim, os equipamentos chineses mais baratos, convidando os industriosos japoneses a comprar os bens de investimento dos produtivistas chineses.
O sistema monetário internacional desenhado em 1944 em Bretton Woods pretendia funcionar de acordo com as seguintes regras do jogo: taxas fixas, mas ajustáveis, de câmbio; limitada mobilidade de capitais; cobertura de déficits em transações correntes por uma instituição pública multilateral. Câmbio e juros eram preços-âncora, cuja relativa estabilidade e previsibilidade eram vistas como essenciais para a formação das expectativas dos possuidores de riqueza envolvidos nas decisões de produção e investimento.
Nas últimas quatro décadas, a desregulamentação dos mercados e a crescente liberalização dos movimentos de capitais entre as principais praças de negócios mudaram radicalmente o panorama. Nas economias contemporâneas, a finança direta e “securitizada” ganhou maior importância e, com ela, cresceram com enorme rapidez os mercados de derivativos, como proteção contra os riscos de mercado e de liquidez e como instrumentos de “descoberta” da trajetória e variação dos preços dos ativos. Essas transformações ampliaram as possibilidades de alavancagem financeira e, consequentemente, facilitaram a ocorrência de bolhas nos mercados de ativos e de crédito, a despeito (dizem uns) ou por causa (dizem outros) da generalização dos derivativos.
Os regimes cambiais caminharam na direção de um sistema de taxas flutuantes.Tratava-se de escapar das aporias da “trindade impossível”: a convivência entre taxas fixas, mobilidade de capitais e autonomia da política monetária doméstica.
Países de moeda não conversível, particularmente os da América Latina, entraram no jogo da abertura financeira. Em um primeiro momento, as políticas de liberalização financeira e o generoso ingresso de capitais permitiram a “ancoragem” cambial, arma potente de estabilização nas economias de alta inflação. No Brasil e, sobretudo, na Argentina dos anos 1990, o câmbio fixo ou semifixo deu asas à valorização cambial e assegurou o controle da inflação. Mais importantes do que a fragilização do balanço de pagamentos foram a devastação industrial produzida pela política de valorização cambial e a subordinação da política monetária às avaliações mercuriais dos mercados globais. A trajetória insustentável das economias culminou na crise e na adoção do câmbio flutuante. A inflação ficou por conta do regime de metas.
A abertura financeira inverteu as determinações do balanço de pagamentos. Nos momentos de farta liquidez internacional, países com taxas de câmbio flutuantes, dotados de moedas frágeis, ou seja, desprezível participação nas transações internacionais, correm o risco da valorização indesejada da moeda local ou estão obrigados a realizar operações de esterilização dos efeitos monetários da expansão das reservas com taxas de juro abusivas.
O montante relativamente elevado de reservas que os bancos centrais devem manter para garantir a estabilidade do câmbio é um dos sintomas da impossibilidade de adoção da flutuação cambial pura. Como os títulos de riqueza em moeda local e os denominados em dólares são substitutos muito imperfeitos, a arbitragem entre juros internos e externos não logra a convergência das taxas e acaba por impor a “administração” do câmbio.
Hoje são raros os regimes de flutuação livre e solta. Muitos países da periferia, diz o economista Michel Aglietta, revelam preocupação com a manutenção de suas vantagens competitivas e com a volatilidade dos movimentos de capitais. “Eles não podem, portanto, permitir que o mercado jogue com a taxa de câmbio. Alguns apreenderam à custa de muito sacrifício que valorizar a taxa de câmbio nominal em um ambiente de fragilidade financeira pode desencadear um processo deletério de desconfiança. Regimes de câmbio intermediários, de flexibilidade controlada, constituem um caminho estreito para a coordenação entre os diferentes objetivos de política monetária.”
Publicado em Carta Capital em 01/04/2013