No final das contas, a Rússia poderá salvar Chipre. Depois que os planos de um socorro financeiro liderado pela Europa ruíram em 19 de março, o ministro das Finanças cipriota Michael Sarris tomou um avião para Moscou para tentar conseguir um salva-vidas financeiro que permita à nação insular mediterrânea evitar um calote.

À primeira vista, parece justo os russos fazerem isso. Afinal, as dezenas de bilhões de euros que eles aplicaram em contas bancárias no Chipre ajudaram a desencadear a crise financeira da ilha. E Moscou protestou com veemência quando alguns líderes europeus quiseram impor pesados impostos sobre os depósitos bancários no país, um plano que agora está enterrado. Chipre agora terá de conseguir quase € 6 bilhões (ou US$ 7,7 bilhões) para firmar um acordo com a chamada troica dos credores europeus e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Mas contar com a ajuda da Rússia é uma má ideia para o Chipre – e para o resto da Europa também. O país já conseguiu um empréstimo de € 2,5 bilhões (US$ 3,2 bilhões) de Moscou e não pode tomar mais emprestado sem aumentar em muito o teto de sua dívida, algo que a troica não deve permitir.

Em vez de oferecer um empréstimo, a Rússia poderá solicitar direitos de exploração de campos de gás natural no sul mediterrâneo de Chipre. A Europa já depende muito da Rússia para o gás natural, e é quase certo que um aumento do controle da Rússia sobre o fornecimento futuro elevará os preços em toda a região, segundo disse ontem à “Bloomberg Television” Athanios Orphanides, um ex-presidente do banco central cipriota. “O custo econômico seria enorme”, acrescentou ele.

Além disso, o Chipre não está em posição de exigir termos favoráveis de Moscou. É verdade que a Rússia tem uma exposição financeira significativa ao Chipre. Os depósitos russos nos bancos cipriotas chegam a cerca de US$ 31 bilhões, segundo a agência Moody”s Investors Service, e os bancos russos possuem empréstimos pendentes com companhias baseadas na ilha que podem chegar a US$ 40 bilhões. Mesmo assim, o VTB Group de Moscou, o banco com a maior exposição, disse ontem que suas potenciais perdas são “insignificantes”.

Os depositantes russos sofreriam com um default, mas o governo russo em último caso poderia se beneficiar porque a receita fiscal aumentaria se o dinheiro estacionado no Chipre fosse repatriado.

E mais: o colapso do Chipre como porto seguro bancário “offshore” poderá estimular as ambições que Moscou tem de se transformar em um centro financeiro global. As turbulências no Chipre “mudaram totalmente a percepção sobre o país e isso é bom para a Rússia, disse à “Bloomberg”, em 19 de março, Sergey Cheremin, chefe do departamento de relações econômicas e internacionais do governo russo.

A conclusão: “As autoridades cipriotas estão muito fracas”, diz o analista Alex White do J.P. Morgan Chase em Londres. Se a Rússia propuser um acordo, poderá exigir que o Chipre se afaste totalmente da troica, diz White. “Isso efetivamente poderia ser um convite para que o país deixasse a zona do euro, ingressando firmemente na órbita da Rússia.”

Tudo isso, quando os líderes europeus se culpam consideravelmente por deixar o Chipre se encrencar tanto.

Orphanides, o ex-presidente do banco central cipriota, hoje professor associado da Sloan School of Management do Massachusetts Institute of Technology (MIT), diz não ser nenhuma surpresa o país buscar a ajuda da Rússia, com quem mantém há muito tempo laços religiosos e culturais. Mas, observa ele, “os governos de outros países membros da zona do euro estão levando o governo cipriota a buscar a ajuda da Rússia. Isso é um desastre para a União Europeia. A maneira como os líderes europeus conduzirem a crise no Chipre indicará se o projeto europeu e a zona do euro conseguirão prosperar”.

Por Carol Matlack | Bloomberg BusinessWeek
Valor Econômico – 21/03/2013