O pouso do euro à beira do abismo
Publicado no jornal Valor Econômico em 11/03/2013
A economia brasileira fechou 2012 com um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,9% no acumulado do ano e de 0,6% na comparação entre o quarto e o terceiro trimestres (na série dessazonalizada). Esse ritmo de crescimento na margem, se anualizado, corresponderia a uma expansão do produto de 2,2%, muito aquém das expectativas que sinalizavam uma recuperação mais forte para o final do ano. Como esses valores vieram abaixo do esperado, reduziu-se para 0,7% o carregamento estatístico do PIB de 2012 para 2013 – o crescimento que seria observado caso não haja variação do produto ao longo do ano em curso. Em termos práticos, isso quer dizer que o PIB deste ano dependerá ainda mais essencialmente do fôlego que a economia vier a exibir daqui para frente. Menos mal que há outras dimensões nas quais o ano passado deixou um legado mais favorável.
Dentre essas dimensões, uma das mais importantes é o carry over “expectacional” herdado por 2013, particularmente no que se refere à ordem econômica internacional. De fato, o ano de 2012 transcorreu sob a sombra de três eventuais cataclismos econômicos, a saber: a possibilidade de uma crise disruptiva do euro; a iminência da queda da economia americana em um abismo fiscal; e as chances de um pouso forçado da economia chinesa. O receio da ocorrência desses eventos, que mobilizou tantos corações e mentes e, paralelamente, imobilizou tantos bolsos, está agora literalmente descartado pela ampla maioria dos analistas e formadores de opinião.
No caso da zona do euro, a essa altura aparece como consensual a percepção de que os riscos financeiros estão mitigados. O mergulho da economia alemã, que experimentou uma queda de 0,6% do PIB no quarto trimestre de 2012, pior até que a contração apresentada pela França, que foi de “somente” 0,3%, pode ter ajudado a reequilibrar a balança política da região e favorecido a concretização de uma melhor coordenação de políticas econômicas entre os países membros da União Europeia e também do G-20. Evidências podem ser encontradas na capacidade até agora demonstrada em evitar exacerbações protecionistas ou, mais recentemente, nas iniciativas conjuntas visando pacificar as guerras cambiais. É certo que ainda restam os riscos de crescimento; e são muitos pois as tendências recessivas ainda são predominantes. Porém, mesmo que ainda preocupante, o quadro para o presente ano pode ser avaliado como substantivamente melhor do que o que prevalecia há um par de meses atrás.
Esse pouso suave é um inegável fator positivo para a retomada do crescimento da economia brasileira
Já o imbróglio envolvendo o chamado abismo fiscal americano é um fenômeno dificilmente compreensível fora do tortuoso contexto em que se desenrola a cena político-partidária dos EUA. À parte de suas origens, as incertezas daí decorrentes claramente cobraram um preço alto em termos de postergação de decisões de investimento do setor empresarial. No entanto, a contração fiscal que foi efetivamente implementada nesse início de 2013 mostrou-se de baixo impacto, principalmente em vista da melhora nos balanços das empresas ao longo dos últimos anos. Assim como está ocorrendo na Europa, embora as perspectivas hoje predominantes quanto ao futuro da economia americano apontem para um longo período de baixo crescimento, não há mais o medo de desestruturação econômica que tanto assustou os investidores no passado recente.
Por fim, o temor quanto a um “pouso forçado” da China desfez-se com a prevalência de uma transição política e econômica bem mais suave do que imaginavam muitos dos estudiosos. De todo modo, parece certo que a fase de super-crescimento chinês pode ser dada como encerrada. Não custa ressaltar que essa constatação nada tem a ver com algo que uma certa literatura recente sobre desenvolvimento mistifica como sendo a armadilha da renda média (middle income trap), segundo a qual os países emergentes necessariamente perdem fôlego no processo de emparelhamento quando a renda per capita atinge valores medianos, na casa de US$ 10 a US$ 16 mil (dependendo do estudo).
A redução da velocidade de crescimento de longo prazo da China é um reflexo da profunda revisão do modelo econômico do país, especialmente a introjeção do padrão de crescimento que se encontra em andamento. Ocorre que ciclos longos de desenvolvimento não são disparados somente por arcabouços macroeconômicos “corretos”, com as forças de mercado fazendo toda a tarefa. Dependem do surgimento de novas indústrias que deem sustentação ao processo de mudança estrutural, com o imprescindível apoio de políticas industriais.
A China optou por sete atividades industriais de alta tecnologia (que vão de TIC a novos materiais), com foco em 35 sub-setores. Definidas como indústrias estratégicas emergentes, pretende-se expandir essas atividades, que hoje correspondem a 5% do PIB, para 15% em 2020. É cedo para avaliar se o plano será ou não bem-sucedido. Não obstante, em se tratando da política industrial chinesa, o resultado afirmativo não deve surpreender ninguém.
O pouso suave do euro na beira do abismo é um inegável fator positivo para a retomada do crescimento da economia brasileira. No entanto, esse carregamento expectacional favorável nem de longe é suficiente para dinamizar a estrutura produtiva nacional. Tal como a China, o Brasil também está vivendo uma transição para um novo modelo. Diferentemente da China, porém, ainda não há por aqui o necessário consenso sobre quais são as indústrias estratégicas emergentes que darão suporte a essa nova fase. E aí ainda há muito para avançar.
David Kupfer é professor e pesquisador licenciado do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ (GIC-IE/UFRJ) e assessor da presidência do BNDES.