Foi Paul Krugman que chamou, agora, a atenção para este problema na Conferência anual da American Economic Association que decorreu em San Diego na primeira semana do ano.

Krugman recordou que o problema havia sido diagnosticado para o Japão em 2000 quando ele chegou à Universidade de Princeton (onde leciona atualmente) e integrou o que, então, se cognominava de grupo dos “preocupados com o Japão”.

O risco atual para as economias desenvolvidas, disse o Nobel da Economia ao intervir em San Diego no painel sobre “Macroeconomia das Recessões”, é entrar-se “num período sustentado de inflação baixa, ainda que não deflação, consistente com uma economia operando muito abaixo da sua capacidade potencial produtiva”.

“É o que eu julgo que está a acontecer agora. E, se é assim, estamos a falhar sinistramente na resposta a esta crise econômica. Isto está em contradição com o que alguns banqueiros centrais têm dito – que se agiu bem porque a inflação se manteve relativamente estável”, arrematou.

O presidente da Reserva Federal (Fed), Ben Bernanke, disse hoje numa conferência na Ford School of Public Policy da Universidade de Michigan que “a inflação [nos EUA] é muito baixa e parece estar no caminho de se manter abaixo dos 2%”. Adiantou que não há riscos da política monetária da Fed gerar inflação.

Os indicadores da realidade

Krugman tinha em conta o que poderá acontecer a países desenvolvidos com peso “sistêmico” na economia mundial, onde a inflação em 2013, segundo previsões do Fundo Monetário Internacional (no seu último “World Economic Outlook”), poderá descer para níveis abaixo de 2% – são os casos dos EUA (1,967% em 2012 para 1,789% em 2013); Reino Unido (de 2,732% para 1,899%); e Alemanha (de 2,152% para 1,860%).

Por outro lado, o hiato negativo do produto reflete a situação de grandes economias desenvolvidas operando muito abaixo do seu potencial, como chamou a atenção Paul Krugman – particularmente nos casos mais graves dos EUA e do Reino Unido onde está na ordem dos 4% do PIB potencial, segundo o FMI. Krugmam, referindo-se aos Estados Unidos, afirmou que o hiato do produto é muito alto, mesmo superior às estimativas do FMI, com “900 mil milhões de dólares por ano de produção potencial, não inflacionista, de produtos e serviços, que simplesmente não está a acontecer”.

No caso da Alemanha, a situação poderá se inverter com o hiato do produto a passar de positivo em 2012 para ligeiramente negativo em 2013.

No caso do Japão, outra das economias “sistêmicas” a nível global, a situação é particular. O país poderá reentrar em deflação em 2013, ainda que ligeira. Krugman caracterizou a situação daquela economia como num estado de “estagnação deflacionária”. A expressão é distinta do que acontecia nos anos 1970 em diversas economias desenvolvidas em que ocorria estagnação econômica e inflação crescente, o que levou ao surgimento da expressão “estagflação”.

Nos últimos 20 anos, o Japão esteve 11 anos em deflação e viveu dois anos em que se conjugou inclusive deflação com recessão – em 1999 e em maior grau em 2009. O novo governo de Shinzo Abe pretende estabelecer uma cooperação entre a política orçamental (tendo já lançado, na semana passada, um pacote de estímulo à economia no valor de 3,8% do PIB) e a monetária, aguardando-se as alterações que poderão ocorrer na próxima reunião do Banco do Japão a 21 e 22 de janeiro.

Na zona euro, o caso mais grave, de deflação, é a Grécia, que poderá passar de uma inflação estimada em 0,938% em 2012 para uma deflação ligeiramente superior a 1% em 2013. A Grécia continuará em recessão em 2013. Portugal deverá descer abruptamente de uma inflação de 2,792% em 2012 para uma previsão de 0,694% em 2013; no caso da Irlanda a descida da inflação poderá ser de 1,4% em 2012 para 1% em 2013. A Itália poderá ver a inflação descer de 3% para 1,8%, no período referido. Apenas Espanha sai fora desta trajetória, com a manutenção da inflação na ordem dos 2,4%.

O hiato negativo do produto poderá continuar a aumentar na Grécia (de 6,7% do PIB potencial em 2012 para 9% em 2013), em Espanha (de 4,8% para 5,1%), em Itália (de 4,2% para 4,88% ), e em Portugal (de 4% para 4,6%). O hiato negativo poderá diminuir na Irlanda (de 2,3% para 1,95%), o único caso entre os países “periféricos” da zona euro.

Não estamos seguros de nada, mas os maus resultados estão à vista

Paul Krugmam interrogou-se, depois, sobre a atual política monetária dos bancos centrais dos países desenvolvidos e sobre a política orçamentária. “Como disse Michael Woodford, enquanto, em princípio, a política monetária não convencional pode lidar com uma situação como a que temos agora, na prática, é muito, muito, difícil ver como ela vai funcionar”, comentou o Nobel no debate em San Diego.

Por política monetária não convencional entenda-se o conjunto de intervenções, desde o início da crise financeira, por parte dos bancos centrais dos países desenvolvidos, como os programas de “alívio quantitativo” da Reserva Federal e do Banco de Inglaterra ou mesmo o programa OMT (de eventual compra de obrigações soberanas no mercado secundário de países aflitos da zona euro) pelo Banco Central Europeu.

Passando, depois, à política orçamentária, Krugman perguntou: “Estaremos certos que a política orçamentária expansionista é o que tem de ser feito e que a austeridade é um terrível erro?”, a que respondeu: “Não, não estamos absolutamente seguros de nada, mas a consequência é que o que estamos a fazer agora é absolutamente desastroso”.

O que ocorre na zona euro agora é pior, recordou o Nobel, do que “o erro de Roosevelt em 1937 quando guinou para a austeridade, mas essa viragem foi inferior a 3% do PIB”, e provocou uma recaída na recessão nos EUA, o que ficou batizado de double-dip. “Na Grécia, se todo o programa for implementado, estamos a falar de uma austeridade na ordem de 16% do PIB. É um enorme choque”, face ao qual o erro do presidente Roosevelt, na parte final da Grande Depressão dos anos 1930, “não é nada”, concluiu Paul Krugman.

Fonte: Expresso