Crise nos Estados Unidos e na Europa: percepções neoliberais
Dilemas: a Grexit, a renegociação e o jogo do medo
Atenas – A votação contra a reforma de Barack Obama para a Saúde pelos republicanos, a nova redução de custo do endividamento da Alemanha a 1,30% para bônus de dez anos, os adicionais cortes de gastos na Espanha e na Itália e o novo escândalo de manipulação das taxas de juros pelo banco Barclays têm, no fundo, um denominador comum: o ataque dos múltiplos lobbies do neoliberalismo.
A reforma do sistema de Saúde nos EUA, onde cerca de 50 milhões de cidadãos encontram-se sem cobertura de seguro, constitui um dos principais campos de enfrentamento político com os superconservadores, que lutam até o fim para derrubar a Obamacare, por considerá-la marxista e soocialista.
Estas extremas percepções neoliberais, que são muito difíceis de serem expressas na Europa, a qual tem a tradição do iluminismo e do Estado-Social, provêm das percepções expressas pela sacerdotisa do neolibralismo, Ain Pad, que constituem a quintessência do egoísmo.
A solidariedade é para os fracos e não para os fortes, sustentava com fanatismo, enquanto, denominava as massas populares de “restos” e o altruísmo de “canibalismo moral”. Mas a crise nos EUA não foi iniciada pelos déficits públicos, mas pela bolha especuladora dos bancos, isto é, pelo setor privado.
O escândalo do Barclays com a manipulação das taxas de juros comprovou que os lobbies do setor financeiro não têm limites em sua ação especuladora e não hesitam atacar países como a Grã-Bretanha e os EUA.
Fuga do Sul
Na Europa agora, a Alemanha continua contraindo empréstimos com taxas de juros realmente negativas. Aliás, por causa da crise nos países aqui, no Sul Europeu, a Alemanha subtrai na realidade, considerável parcela de depósitos destes países, provocando asfixia econômica e agravando o explosivo problema de liquidez e suficiência de capital dos bancos.
A banda alemã submete os países do Sul Europeu a uma política de dura frugalidade e depreciação interna, que pode não ter semelhanças, mas obviamente tem analogias com o autoritário modelo da China. Esta “mudança” da Europa, imposta pela chanceler Angela Merkel, afunda à queda muitas economias européias, com resultados catastróficos, principalmente para a força de trabalho.
Mas a queda afunda também as arrecadações do Erário, enquanto, em continuação deste círculo vicioso, são lançados de novo os déficits às alturas, tem início um novo ciclo de cortes dos gastos públicos, assim como do consumo privado, que levam, finalmente, as economias européias à contração total.
Com exceção da Grécia até 2010, por causa de seu descarrilamento fiscal, os déficits nos orçamentos dos países europeus são consequência da crise, não o motivo. Quer dizer que, na realidade, a crise nos países europeus eclodiu no setor privado, com epicentro os bancos, e em continuação assumiu dimensões fiscais, quando o Estado lançou mão à intervenção para salvar os bancos e as fortunas dos cidadãos ricos. Dali em diante inicia-se o círculo vicioso, com alvo na alça de mira a imposição das políticas neoliberais.
Alemanha é o problema
Aqui, na Grécia, por causa das reduzidas arrecadações tributárias, do Estado clientelista, da extensa corrupção do sistema político, assim como de seu arrasado modelo produtivo, a crise iniciou-se pelo descarrilamento fiscal e, em continuação, disseminou-se no setor privado (empresas e famílias), que já era superendividado.
Este é o motivo pelo qual na Grécia exige-se uma política mais composta, a qual, de acordo com as circunstâncias, destinará lógicos sacrifícios para parcelas da população que relacionam-se com o Erário.
Se, contudo, estes sacrifícios não forem graduais e lógicos, mas, ao contrário, assumirem o caráter de depreciação interna, isto é, redução salarial em mais de 30% e extenso desemprego, a exemplo das adotadas políticas de choque do memorando, a economia da Grécia entrará em falência.
A contração da economia grega, sob o regime de falência constitucionalizada, já assemelha-se à queda sofrida pela Argentina, a qual declarou falência abertamente. Esta, infelizmente, é a essência de composição do novo governo grego tripartite e, por causa desta, sua política de caráter estratégico de depreciação interna dependem suas decisões, assim como qualquer pretensão de renegociação do acordo.
Mas mesmo esta renegociação não está sendo realizada com a tróica (União Européia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) ou com os líderes europeus, mas “unilateralmente” dentro do país.
Peter Bofinger, um dos membros do grupo de “sábios” que assessora a chanceler alemã, não parou de destacar que “a severa frugalidade é catastrófica para a Europa”, enquanto, simultaneamente, instou o governo da Grécia e a União Européia a “encontrarem um acordo, suspendendo as novas medidas de frugalidade, a fim de ser evitada a denominada Grexit (saída da Grécia da Zona do Euro) que constituirá uma catástrofe para todos”.
Este jogo do medo, com declarações e contradeclarações, está impossibilitando compreender o novo tripartite governo grego, porque superestima ou superteme uma tendência existente de verdadeiro castigo à Grécia, insinuado e até citado, com todas as letras, por vários “figurões” do IV Reich.
O economista e Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, em recente artigo sobre a “receita alemã”, sustenta que “enquanto é visível a perspectiva da catástrofe total da Europa com a política de severa frugalidade, isto não constitui garantia de que os países farão o que lhes for possível para evitá-la. O problema da Europa é, infelizmente, a Alemanha”.
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Fonte: Monitor Mercantil