Terrenos baldios

O azul e o sol doem nos olhos,
caminho pela vila, pela vida,
percorro o mundo.
Um velho cavalo cansado
arrasta ladeira acima
uma carroça de areia
e uma antiga folha de jornal
rasteja ao sopro do vento;
as crianças, afiando,
polindo varas de bambu,
cortando papel-de-seda,
molhando o dedo
ou jogando areia para cima
para saber a direção do vento.
Percorro a vila, a pé vasculho a vida.
Um menino chora
porque um toco enfiou e quebrou-se
dentro do peito-do-pé;
são os terrenos baldios
com seus encantos e desgraças.
A fertilidade das terras
adubadas pelo lixo, folhagens pubas
e bichos podres;
o vertiginoso pé de mamona roxa,
os cacos de vidro,
os pés nativos de cabaça e tomate,
as dóceis lagartixas, os pacíficos calangos.
Velhos nos monturos
garimpando alumínio e cobre,
e, perdido num canto,
um pé selvagem de buganvile magenta
brotando no chão seco.
E meu sangue quente
e meu coração irrigando vida.
Eu, na verdade sabe o que sou?
Vê aquele exército de milhões, aquelas lanças?
Eu sou uma lança a dilacerar vísceras
eu sou aquele que sou apaixonado por ti
eu sou aquele que te beija,
florzinha lilás sem nome.
Eu, na verdade
sou uma tartaruga marinha:
já vivi séculos
viajo o mundo
mas só desovo
na aldeiazinha onde nasci.

Os Sonhos e os Séculos – Adalberto Monteiro
Círculo Azul Livros – Goiânia – 1991.

 

 

   Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2005).