Numa tarde cinzenta e fria, alguns operários se manifestam em Florange, perto da fronteira com a Alemanha, em frente ao prédio local da ArcelorMittal, maior grupo siderúrgico do mundo. Insistem em saber quando os altos-fornos, paralisados desde outubro do ano passado, vão ser reativados e o desemprego parcial será suspenso.

Mas, de novo, nenhum diretor da empresa aparece, e os operários mostram um misto de revolta e desânimo. O ambiente se transforma quando o líder sindical Eduardo Martin Benitez liga o aparelho de som com o hino deles, uma música com o refrão “On ne lache pas”, algo como “vamos resistir”. Uma equipe de TV começa a gravar e os rostos se transformam, os corpos dançam e todos se abraçam.

“Isto aqui foi o coração da produção de aço, mas pode estar perto do fim”, diz Martin sobre o último bastião da siderurgia da França, outrora chamado de Texas francês. Foi um orgulho da indústria nacional, produzindo 65% do aço francês, 90% com minério local.

A siderurgia em Florange tornou-se um dos símbolos da desindustrialização da França ao longo da campanha eleitoral para a Presidência da República. O primeiro turno será neste domingo.

A siderurgia local chegou a ter 100 mil operários em 1970. Hoje, são apenas 5 mil. As minas de ferro e carvão foram desativadas. Longe do mar, com custos extras e problemas de rentabilidade, as grandes siderúrgicas fecharam uma a uma a partir dos anos 1970-80, em meio a uma quase guerra civil.

O trauma provocado pela quebra da siderurgia na região da Lorena, que reflete a deterioração industrial do país, levou analistas a falar de “França sem fábricas”. Entre 2000 e 2011, a fatia francesa na produção europeia de aço diminuiu de 13% para 9%, com 15,8 milhões de toneladas, bem atrás da Alemanha e da Itália. Em 2010, o consumo foi de 14,3 milhões de toneladas, sendo 8,4 milhões importados. A França exporta aço com mais valor agregado.

O país ainda tem 42 siderúrgicas funcionando com minério estrangeiro, melhor e mais barato. Na Lorena, ficou só a produção integrada da Arcelor, dois altos-fornos, laminação, aciaria, coqueria, uma unidade de embalagem, espalhada pelas cidades vizinhas a Florange, com suas casas enegrecidas pela fumaça das usinas. Mas a questão é até quando.

Há sete meses, a empresa desligou os altos-fornos à espera de dias melhores no mercado de aço, cuja demanda caiu 20% desde o começo da crise global, em 2008. Mas, para os sindicatos, Florange só não foi fechada de vez por causa da atual campanha eleitoral.

Os operários amargam o precedente da grande usina de Gandrange, a 7 km dali. Em 2008, quando a Arcelor ameaçava fechar a produção, o presidente Nicolas Sarzoky veio à cidade, dois dias após se casar com Carla Bruni. Prometeu salvar a usina e seus 600 empregos. Se a Arcelor desistisse, o governo acharia outro empresário e investiria com ele. Em 2010, a usina foi fechada e é hoje mais um cemitério industrial na região.

Agora, em campanha, Sarkozy prudentemente não veio à região, mas assegurou que os altos-fornos de Florange, seriam imediatamente reativados graças a investimentos de € 17 milhões da Arcelor. No local, porém, nada funciona. Diante da falta de transparência dos planos da empresa, operários foram a Paris tentar falar com a campanha de Sarkozy. Foram barrados pelo gás lacrimogênio da polícia.

Outro grupo atraiu mais atenção da imprensa com uma marcha de dez dias a pé de Florange a Paris, de 350 km. A ação foi encerrada com um show musical de simpatizantes, perto da Torre Eiffel. Quase todos os candidatos vieram a Florange trazendo promessas. “François Hollande [candidato socialista] esteve exatamente aí onde você está e prometeu vetar o fechamento de fábrica se ela for viável”, conta o sindicalista Frederic Weber, sem crer muito no que ouviu.

“A siderurgia começou aqui na época de Luís 14 e ritmou a vida de várias gerações”, diz Roland Sebben, autor de livro sobre o tema. Industriais alemães investiram muito na Lorena quando a região foi ocupada pela Alemanha, entre 1870 e 1914. A produção siderúrgica em grande escala começou no século XIX. A maioria dos trabalhadores de minas e de altos-fornos veio de longe, já que faltava mão de obra na França. Eram poloneses, italianos, espanhóis e também do norte da África. Antes da Primeira Guerra Mundial, eles vinham sozinhos e retornavam a seus países de tempos em tempos. Após a guerra, se instalaram de vez na Lorena com suas famílias.

Para alojar os trabalhadores, pequenas cidades brotaram como champignon ao redor das minas e das fábricas. “Onde moro, antes só havia operários da siderurgia. Hoje, resta só eu, e ameaçado de perder o emprego”, conta Patrick Dobremer, filho e neto de operários italianos. “O desespero é enorme, porque a gente não sabe se vai ser mesmo o fim da siderurgia aqui”.

O sindicalista Eduardo Martin reclama que a Arcelor ganha de todos os lados com a situação atual. Primeiro, o Estado paga parte do salário dos mais de 2 mil trabalhadores colocados no “desemprego parcial”. Segundo, como não está produzindo, pode vender seus direitos de emissões de poluir por cerca de 53 milhões de euros, algo que a companhia não confirmou.

“A produção de Florange é rentável, mas a Arcelor quer margem maior”, diz Martin. Ele suspeita que o grupo queria concentrar a produção em Dunkerque, à beira-mar, poupando vários euros por tonelada de minério.

Arcelor insiste que não pretende fechar um centro de produção onde já investiu mais de € 200 milhões. Um fio de esperança, em Florange, é a linha a frio de produtos siderúrgicos ditos “excepcionais”. Caso do Usibor, material único por sua resistência e leveza, cuja demanda cresce muito e do qual a Arcelor tem 60% do mercado.

Mas essa tábua de salvação depende do sinal verde da União Europeia ao projeto Ulcos (Ultra low carbon dioxyde steelmaking), um procedimento experimental revolucionário europeu que permitirá captar C02, estocá-lo perto do rio Meuse e ampliar a capacidade da usina, para tornar o preço de produção comparável ao do aço à beira-mar. O custo da operação é € 650 milhões, repartido entre UE (€ 220 milhões), Arcelor e governo.

A esperança é também de um dia chegar investimento chinês na região. O anúncio de implementação na Lorena de um centro de negócios sino-europeu faz grande barulho. A expectativa é de criação de 3 mil empregos no comércio, secretariado e logística. Os chineses querem, a partir daqui, ampliar suas vendas na Europa e evidentemente não produzir.

O prefeito de Florange, Philippe Tarillon, não esconde a inquietação com o desemprego, que já atinge 15% na região, acima dos 10% em nível nacional. Uma válvula de escape é o vizinho Luxemburgo. Mais de 75 mil pessoas da Lorena atravessam todo dia a fronteira, a 40 km, para trabalhar. A maioria são jovens que falam inglês e alemão e conseguem ganhar € 2.500 líquidos por mês, comparados a € 1.600 euros pagos na região a um operário sindicalizado em fim de carreira.

Outra preocupação é o eleitorado popular, desorientado pela impotência dos partidos tradicionais. O Front Nacional, partido da extrema-direita, ganhou mais de 20% dos votos na última eleição.

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Fonte: Valor